Capítulo 15

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Lucas tinha sido conduzido até um dormitório. Diferente da cela branca azulejada, o

dormitório lhe parecia um tanto mais aconchegante. A cabeça girava com as informações

recentemente adquiridas. Parecia dentro de um sonho ruim. Dentro de um roteiro de filme de

ficção. Mesmo assim não pôde deixar de sentir aconchego naquele quarto médio. A luz do sol

entrando pela janela e desenhando um trapézio no chão de madeira enchia o ambiente abstrato

com uma sensação de realidade. Sol, chão, móveis. Barulho de crianças brincando. Lucas

ficou de pé. Olhou a cama com o lençol desarrumado apenas onde estivera repousando o

traseiro. Não sabia exatamente o que fazer. O doutor dissera apenas que teria de esperar o

alfaiate. Coçou a cabeça. Dar-lhe-iam um terno? O doutor dissera que ele seria preparado

para conhecer alguém. Usara uma palavra que não se lembrava agora... torcia para não ser

outro médico, afinal de contas, depois de desperto, só havia conhecido médicos. A Dra. Ana e

o "doutor". Tinha lido o nome do doutor num dos diplomas. Parecia um daqueles nomes

eslovacos, que não se lembrava agora. Sua cabeça estava uma merda. Não conseguia se

lembrar de muita coisa. O passado, principalmente. O passado estava submerso numa névoa

tênue, mas suficiente para bloquear os detalhes cruciais para uma lembrança clara da vida. O

doutor comentara que ele fora corretor de seguros de automóveis. Lucas aproximou-se da

janela. Viu duas crianças brincando num pátio. O dormitório ficava num pequeno prédio de

três andares e localizava-se, justamente, no último deles. Podia ver muitos pássaros, muito

mais do que o habitual. O peito apertou-se. Tristeza. Nostalgia. O que seria habitual agora?

Seria comum encontrar uma onça-pintada no meio da rua? E aquela história de vampiros?

Mais uma vez passou a mão pela cabeça. Ah! Como queria acordar daquele sonho ruim! A

cabeça doía toda vez que a voz do doutor repetia a história em seu cérebro. Mas não tinha

como negar aquela realidade. Não podia duvidar sobre vampiros. Seu ex-companheiro de cela

tinha lhe saltado para cima com dentes compridos e rugidos monstruosos. Gabriel tinha

transformado-se num bicho... num vampiro. Não tinha como duvidar. Mas e todo o resto?

Seria também verdade? Encostou a testa no vidro da janela. As duas crianças tinham sumido

do seu campo de visão. O céu estava limpo e vestido num azul nunca visto. Lindo. Sorriu.

Ouviu passos no corredor. Tentou enxergar quem vinha pelo vidro. Sem conseguir, foi até a

porta e saiu para o corredor. A luz do sol chegava ao chão vermelho e cobria sua pele,

causando um repentino formigamento. Ouviu vozes. Quem vinha, não vinha sozinho. Os olhos

teimavam em procurar gente, mas a luz quase cegava. Lucas apoiou-se no balaústre. Apesar de

três andares, o complexo de dormitórios era baixo. Deixando-se guiar pelo barulho dos

BentoOnde histórias criam vida. Descubra agora