Capítulo 4

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Acordou. A sala de azulejos brancos continuava a fazer parte de sua realidade. O homem

que anotava ainda estava lá, atrás da grande janela. Olhou com atenção. Era outro. Estavam se

revezando para vigiá-lo. Anotando coisas em papéis. Sentia-se um experimento.

Sentou-se no catre. Sentia frio. Quando lhe dariam algo para vestir? Mais que cobertura,

queria água. Mal havia acordado e a sede transtornava-o. Esfregou os músculos doloridos das

coxas e dos braços e sentiu fisgadas nas costas enquanto olhava para o maldito colchão fino,

culpado de tanto desconforto. Já a palidez mórbida não o assustava, estava se acostumando

com a pele branca, não se enojava tanto pela própria aparência. Há quantas horas estava

sendo vigiado ali? Mais de um dia? O estômago queimava. A boca estava seca e ainda

recendia o gosto azedo do vômito. Sentia-se engaiolado como um rato de laboratório. Pela

primeira vez um sorriso brotou na face. Encarou o homem que olhava atrás do vidro, enquanto

uma ardência chata lembrava que tinha estourado os lábios ressecados. O homem pareceu

anotar mais alguma coisa. O engaiolado sorria porque se lembrava da expressão "rato de

laboratório", mas não conseguia se lembrar do primeiro nome.

Agora, mais lúcido, analisava melhor o quarto. Além da ampla janela de vidro, existiam

três portas. Uma ao lado do catre e a outra na parede oposta, de frente para a primeira. A

última ficava de frente para a janela de vidro, centralizada na parede. Achava que tinha

entrado por ali. Então, passando aquela porta, chegaria ao corredor por onde viera. Parou de

divagar e voltou a examinar as portas. Eram todas brancas, como os azulejos, mimetizando-se

às paredes. A luz forte, vinda do teto, parecia refletir em todo o ambiente. Esperava sair dali

logo. Parecia uma jaula de hospício. Se ficasse ali mais um dia, se ainda não estivesse,

acabaria louco.

Reparou em outra coisa. O chão, onde tinha vomitado; estava limpo A maca, que fora

deixada no meio do cômodo; tinha desaparecido.

Respirou fundo. Procurou acalmar-se. Pensava. Tentava lembrar. Lembrava-se da sala de

sua casa. Uma televisão de 21 polegadas. Um tapete azul. Mas não se lembrava de muitas

coisas. O endereço... morava em São Paulo, mas não se lembrava do nome da rua. Lembrava

de árvores em frente ao prédio, de orelhões públicos... mas não se lembrava do nome da

bendita rua. Lembrou-se de um comercial da Casa do Pão de Queijo... depois de uma revista.

Revista Veja. Colocou a mão na boca. Um carro cinza veio-lhe à mente. Qual era o nome

daquele modelo? Esforçava-se... os nomes. Parecia que o problema era esse. Lembrava-se de

algumas coisas, mas não se lembrava dos nomes de todas as coisas. Flutuava nas frações de

lembranças quando notou batidas na porta. Não na porta de frente para a janela, vinham da

porta de frente ao catre. Primeiro, três batidas curtas. Levantou-se. Ainda nu. Cruzou o quarto.

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