Capítulo 8

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Lucas mordeu o meio pão que lhe fora servido. A refeição resumia-se a um pedaço

daquela espécie de broa, mais um prato da mesma sopa rala e um copo de água. Tinha

chegado em boa hora. Estava faminto e sedento. A sede era o que mais incomodava. Olhando

através da porta aberta viu que Gabriel continuava dormindo, sem dar trela ao prato de

comida. Estranhou, o homem tinha comentado que estava com sede e fome também. Talvez

devesse acordá-lo. Porém, antes de levantar-se, desistiu. Para que se importar com aquele

desconhecido? Nem sabia quem era o vizinho de cela. Foda-se. Talvez fosse um ex-

presidiário. Talvez um maluco qualquer. Só não entendia por que, sendo ali um hospital, era

tratado daquela forma. Feito um bicho. Ainda mais ter de compartilhar o tempo com aquele

cabeludo estranho. Lucas meneou a cabeça. Esfriou o fluxo de pensamentos. Recapitulou suas

últimas concatenações, toda aquela maçaroca de maus pensamentos. Por um segundo não se

reconheceu. Por que a antipatia crescia tanto contra o vizinho? Não conseguia entender. Só de

olhar para aquele amontoado de cabelos dormindo crescia uma irritação desconcertante. O

homem não tinha lhe feito nada. Mas alguma coisa tinha. Por que tanta repulsa? Lembrou de

uma sala de aula. Um rosto. A mesma impressão. Antipatia imediata. Um ex-colega de escola.

Às vezes, somos acometidos dessas coisas. Como se tivéssemos vivido vidas passadas ao

lado daqueles supostos estranhos. Desentendimentos além vida. Lucas sorriu dos pensamentos.

Fechou os olhos engolindo mais um pedaço de pão. Era religioso? Não se lembrava. Tentava

ver uma igreja. Lembrar-se da bíblia. Devia seguir alguma religião. Por que ainda não

lembrava das coisas? Tinha que falar de novo com a Dra. Ana. Estava cheio de dúvidas e,

principalmente, de vontade de sumir daquele quarto de loucos. Aquele cabeludo só podia ser

um maluco. Só podia. Se chegasse muito perto tomaria um safanão. Podia ser um daqueles

psicopatas. Ficam quietos na cama, como o amontoado de cabelos estava agora, mas, dc

repente, levantavam-se como loucos e saíam estrangulando meio mundo. Terminou a sopa.

Olhou para a colher de metal. Se aquele doente mental viesse para sua cela, veria o que era

bom para tosse. Talvez conseguisse retorcer a colher, torná-la pontiaguda. Gabriel não perdia

por esperar. Fogo e fumaça. Ouviu um barulho. Explosões. Algo como rojões. Um daqueles de

seis tiros de canhão. Caramuru. Caramuru? O que significaria isso? Os rojões... tinha ouvido

mesmo, ou o disparo fora em sua cabeça? Lucas fechou os olhos e inspirou barulhenta e

longamente. Vontade de ver uma janela. Onde estaria? Onde ficava o Hospital Geral de São

Vítor? Em São Paulo? Qual bairro? E o que mais atormentava era não descobrir quanto tempo

estava ali. Precisava saber. Queria ver uma janela. Ver o mundo. Ver onde estava. Ibirapuera?

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