Campeão Nacional

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Aquela foi uma tarde chuvosa. O prédio que conseguimos para organizar as lutas daquela noite, em Seattle, tinha sérios problemas de infiltração, que deixava o ambiente completamente úmido e com aparência desagradável. Não conseguia compreender como havia uma goteira no porão, com mais quatro andares sobre nós. Avisei ao meu pai sobre as condições precárias daquele lugar. O Clã Carter era respeitado onde quer que fossemos. Organizar qualquer coisa naquele lugar chegava a ser vergonhoso. Mas não consegui êxito a tentar convencê-lo.

— Não vamos a lugar nenhum! – disse Jim, carrancudo. Seu humor tinha piorado nos últimos meses, quase não conseguia me lembrar da última vez que ele sorriu, ou que ele foi realmente um bom pai. — Esse foi o único lugar que consegui em Seattle.

— Essas pessoas pagam caro para assistir as lutas. Ficar em um lugar como esse, não vale um terço do que elas pagam.

— Então elas que trabalhem para conseguir organizar tudo e conseguir evitar que sejamos todos presos. – ele passou trombando em mim e foi em direção a Tyson que praticava alguns movimentos em um canto isolado.

— Não o irrite. – disse Tyler, amarrando faixas em suas mãos.

— Isso está virando um inferno! – chutei uma lata de energético que estava jogada no chão.

Tyler tirou sua camiseta. Seus músculos abdominais eram rígidos e definidos, com oitenta quilos bem distribuídos em um corpo esguio de mais de um metro e oitenta. Ele me entregou a camiseta, depois apertou o nó de seu short.

Tirei um tubo de pomada do kit de primeiros socorros que mantínhamos conosco, espremi um pouco nos dedos e mandei que meu irmão sentasse em um sobre um dos móveis velhos cobertos com lençóis que havia espalhados pelo cômodo. Tyler havia lutado na noite anterior contra um cara de Atlanta. O maldito acertou alguns socos na costela de meu irmão, que embora estivessem inteiras por algum milagre, carregavam enormes machas roxas que se destacavam em sua pele bronzeada.

— Você não devia ter aceitado o desafio de ontem. – resmunguei ao espalhar a pomada pela região do hematoma. — Isso está bem feio!

— Ainda posso ganhar essa maldita luta. – ele gemeu quando pressionei a área.

As coisas mudaram bastante em um ano. De lutas estaduais, passamos a participar de lutas pelo país o que acabou gerando um campeonato nacional. Depois de meses viajando pelos Estados Unidos, meu irmão estava prestes a se tornar campeão nacional, todas as fichas foram apostadas nele. E algo me dizia que era sua noite de glória.

— Espero que ainda esteja inteiro quando voltarmos para casa. – disse, colocando a pomada de volta da maleta de primeiros socorros.

— Será que alguém ainda se importa comigo nessa família? – Tyson me agarrou pelas costas e me jogou sobre seus ombros, enquanto rodava em torno dele mesmo. — Esse merdinha vai ganhar essa luta. Mas será que alguém pode me ajudar com os curativos?

Tyson me colocou de volta ao chão e estendeu as mãos. Os nós de seus dedos estavam feridos, alguns em carne viva.

— Você não lutou ontem. – disse, franzindo o cenho.

— Foi uma briga. – confessou meu irmão. — Uns idiotas mereciam uma surra. Mas nosso velho não pode saber disso. Sabe o que ele vai fazer, caso descubra.

— Sei muito bem. O mesmo que ele irá fazer conosco caso descubra que te ajudamos a mentir para ele. – abaixei para pegar antisséptico. Espalhei o remédio sobre os ferimentos da mão de Tyson e cobrir com faixas, antes de colocas as costumeiras faixas para luta. Ele iria enfrentar um desafio antes de Tyler. — Tenta não arrumar mais confusão por um tempo.

Ele deu uma piscadela e tirou sua camiseta. A semelhança entre os gêmeos era algo impressionante. Tyson era apenas poucos centímetros mais baixo que Tyler, mas ainda assim tão musculoso quanto.

— Não faz besteira, Ty. – Tyler deu um soco no braço do irmão e os dois começaram uma luta de brincadeira entre eles.

Estávamos apreensivos, enquanto Tyler se movimenta dentro do círculo. O seu adversário, Brenton Hilton, não abriu muito espaço para que meu irmão pudesse atacar, o que deixava Tyler muito na defensiva e deixando nosso pai irritado. Sobre os ombros de Tyson, vibrei quando Hilton foi derrubado. Mas ele ficou de pé rapidamente, esquivando de um possível golpe de Tyler que o finalizaria.

— Não se mexa tanto. – reclamou Tyson.

— Fica quieto. – falei.

— À esquerda, Ty! – gritou Tyson. — Use a esquerda! – ele socou o ar com a mão.

Pensei que Tyler não tivesse escutado, mas então ele acertou um gancho de esquerda em Brenton, o deixando desnorteado. Meu irmão aproveitou a oportunidade e golpeou o adversário mais duas vezes, o deixando desacordado no chão.

A multidão explodiu em gritos, entoando o nome de Tyler. A estrutura do prédio parecia não ser boa o suficiente para suportar o alvoroço que se formou no instante seguinte. Meu irmão foi erguido no ombro por alguns dos caras presentes.

A vida de meu irmão mudou. Passávamos tanto tempo viajando entre os estados, que passei cerca de dois meses sem ver Liz direito, o que me fazia muito falta. Tyler continuou a acumular vitórias pelo país e se torna mais conhecido. Meu pai faturava cada vez mais com os meus palpites. Nossas vidas viraram uma loucura. Durante o dia eu precisava focar na escola, ajudar na preparação dos gêmeos e ainda conseguir algumas horas de sono. À noite eu devia trabalhar.

Não conseguia compreender como a coisa se alastrou tanto. Um dia eu era apenas mais um garoto comum, no outro minha vida era tão agitada que às vezes eu não conseguia dar conta. E o pior disso tudo era que eu estava arrastando Liz comigo. Sempre que podia, Liz estava envolvida, nos acompanhando em uma dessas viagens loucas pelo país, enfiada dentro de círculos de lutas com centenas de pessoas ao nosso redor. No início, eu acreditava que seus pais não sabiam para onde sua filha ia, mas eles apenas faziam vista grossa para o que minha família fazia.

— Traga minha filha inteira. – disse Robb, quando Liz desceu as escadas de sua casa correndo e parou ao meu lado, pronta para se despedir de seu pai. — Quando é que seu pai vai tomar juízo e parar com essa vida?

— Eu também me pergunto isso. – disse, enfiando as mãos dentro dos bolsos do meu moletom. — Espero que não demore.

— Isso já vem se arrastando desde a faculdade. – Robb balançou a cabeça em negativa. Era impressionante como ele e meu pai se conheciam há tanto tempo. Não sabia ao certo qual era a relação entre os dois. Visivelmente não era amizade. Talvez apenas o respeito por se conhecerem a tanto tempo e estudarem na mesma instituição. — Só permito que a Liz participe dessa loucura por você. Sei como a amizade de vocês dois é importante.

— Obrigado, Robb.

Eu não sabia ao certo do por que estava agradecendo. Mas senti que devia agradecê-lo por me oferecer algo que me mantinha na vida real.


Eu não sabia ao certo do por que esta agradecendo. Mas sentir que devia agradecê-lo por me oferecer algo que me mantinha na vida real.

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No Limite do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora