Despedida [Capítulo Bônus]

1.3K 197 33
                                    

Karen ajustou a grava em meu pescoço e deslizou suas mãos macias pelo terno preto para ajeita-lo. Uma lagrima escorreu por sua bochecha, mas ela a secou rapidamente. Antes que pudesse deixar o quarto, ela me abraçou, seus braços finos me apertando com mais força do que eu poderia imaginar que ela tem. Observei Karen deixar meu novo quarto, fechando a porta em seguida.

Encarei meu reflexo no espelho, com olheiras profundas e uma expressão de cansaço. A ficha finalmente havia caído para mim. A pessoa que me encarava de volta não se parecia muito comigo. Estava completamente sem vida. Quando Robb me levou – após muito insistir – para organizar um velório digno para Tyler, me permitir ser sugado pelo imenso buraco em meu peito. A palavra solidão nunca havia feito tanto sentido como naquele momento. Nem mesmo todo o apoio que vinha recebendo de Liz e sua família conseguia preencher-me.

Como Karen havia feito há segundos atrás, deslizei a mão sobre o terno, com completa estranheza. Nunca havia usado um, nem pensado que precisaria em algum momento em minha vida. Minha vontade era arranca-lo de mim, mas eu tinha algo a fazer antes, mesmo contra a minha vontade.

Acompanhei Liz pela igreja do nosso bairro, sentando no banco reservado para a família de frente para o altar, onde a urna feita de madeira envernizada e decorada com coroas de flores descansava, esperando pela cerimônia. Minha amiga entrelaçou o braço ao meu, apoiando a cabeça em meu ombro. Muitas pessoas apareceram para dizer adeus, pessoas que eu nunca vi na vida, outras que eu sabia que estava ali apenas por curiosidade.

A poucos metros eu vi Roger, usando um terno preto elegante e com os olhos fixos em mim. Não nos falamos desde a confusão no aniversario de Liz, em que Tyson descobriu sobre nos. Não respondi suas ligações e apaguei suas mensagens sem ler. As duas semanas que passei em um abrigo para menores, eu não podia ter contato nenhum com o mundo externo, apenas com Robb. Ele acenou com a cabeça e virou o olhar para frente, onde o Reverendo dava inicio a cerimônia.

Durante uma das suas ultimas visitas que recebi de Robb antes de sair do abrigo, ele me pediu para que pensasse em algumas palavras a serem ditas a Tyler durante o funeral. Eu não havia preparado nada. Nem ao menos escrito uma linha. Meu nome foi anunciado para dizer as ultimas palavras ao meu irmão, subir automaticamente no altar, fui recebido por um abraço singelo do Reverendo, antes dele me posicionar no local onde eu devia ficar.

Pude ver os rostos das pessoas que lotaram a igreja. Nenhum jornalista presente. Mas eu sabia que eles estavam do lado de fora. Olhei para o lado, onde o corpo sem vida de Tyler esperava paciente para que eu dissesse algo para ele.

- Eu... – engoli em seco. – Eu não tenho palavras bonitas para serem ditas. Não tenho certeza se ele está me ouvindo?

- Ele está com Jesus meu filho. Ouvindo com orgulho o que você tem a dizer. – sussurrou o Revendo a poucos metros.

Apenas concordei com aceno discreto.

- Eu não estou preparado para dizer adeus. Nunca estive e nunca estarei. Mas eu sei que você seguiu em frente, então eu tenho que deixa-lo partir. Mesmo que isso parta o que sobrou do meu coração em mil pedaços. – olhei para Liz secava as lagrimas com as costas de sua mão. – Eu só queria saber para onde você está indo. Você prometeu cuidar de mim, para sempre. Então eu quero que você me desculpe por todas as vezes que eu não fui um bom irmão e agradecer por você ter sido a minha família. – coloquei minhas mãos tremulas dentro do bolso do blazer. – E Jesus... O céu agora tem o melhor de mim!

Desci do altar, me juntando a minha amiga no primeiro banco.

- Você foi muito bem, querido. – Karen acariciou meu rosto.

Ao fim da cerimônia na igreja, uma grande quantidade de pessoas veio dar os pêsames. Respondi a quase todos com um sorriso forçado e um "muito obrigado" sussurrado. Alguns conhecidos da escola apareceram, falando o quão horrível era a perda de alguém e que sabiam como eu me sentia. Basteira, ninguém sabe como eu me sinto. Roger foi o ultimo a se aproximar de mim.

- Você mandou bem lá em cima. – disse ele no meu ouvido.

- Obrigado. – me livrei do seu abraço, voltando para perto de Liz. – Não pensei que você viesse.

- Você não tem pensado muito em mim nas ultimas semanas. – respondeu ele com sarcasmo.

- Desculpa se meu irmão foi morto e não deu tempo de bajular você!

- Por que você não me contou? – perguntou Roger, olhando para o caixão.

- Sobre o que? – acompanhei o seu olhar.

- Como sobre o que? Seu pai foi preso, seu irmão morto e o outro e um foragido. Você devia ter me dito o que sua família era composta por criminosos. – ele ergue uma sobrancelha.

Cerrei os punhos ao lado do corpo. Liz apertou meu pulso, olhando para o seu pai a poucos metros de nos.

- Não era da sua conta, Roger. Assunto de família. Não me intrometo na sua e nem pergunto pela sua mãe alcoólatra.

- Ela não é... - ele respirou fundo. – Ok. Não quis ofender!

- Me dê licença. O meu dia vai ser muito longo.

Todos partiram quando desceram o caixão na cova e lacraram a sepultura.

- Vamos espera-lo no carro. Demore o tempo que precisar. – disse Karen, puxando Liz e o marido para longe.

Encarei a terra recém colocada sob meus pés. "Tyler Carter. Para todo o sempre!" As palavras marcadas na pedra de mármore foram escolhidas por Robb. Sentei ao lado da sepultura em completo silêncio. Eu não havia mais nada a dizer para o meu irmão, desejava poder ouvi-lo mais uma vez. Mas estranhamente eu sentia como se ele estivesse presente. Por cerca de uma hora, eu apenas ouvia o barulho dos galhos de uma arvore próxima sendo agidos pelo vento. O sol começava a se pôr no horizonte, jogando seu brilho alaranjado sobre a lapide.

- Você vai voltar algum dia? – perguntei ao vazio. – Íamos viajar juntos e foi sozinho, seu filho da mãe. – deslizei os dedos sobre o seu nome. – Não vai se esquecer de mim. Tchau, Ty.


No Limite do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora