Sozinha

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Dois dias. Dois dias desde que Lauren decidiu não pronunciar meu nome repetidas vezes como se fosse uma melodia; dois dias desde que um pedaço da minha esperança depositada nela, o meu resquício de liberdade, está se putrefazendo.

Creio que sou sensível demais, dramática e exagerada; porém as palavras de Lauren realmente me atingiram, pelo fato d'ela me conhecer e saber que minha alforria meio que depende de seu apoio.

Ontem retirei as pilhas da babá eletrônica, porque estava me sentindo uma invasora na privacidade de Lern. A maioria das vezes eu só escutei passos pesados, baques surdos, murmúrios, os típicos gritos de sua mãe. Depois, somente silêncio, vazio. Nem suas músicas se fizeram presente.

Hoje mamãe me obrigou a ir cuidar do jardim. Ela e sua 'incrível percepção', me disseram que quando Camila Cabello não está bem, o jardim também não. Se não me engano, a datar do aparecimento de Lauren e sua visão sobre Sinu, um sentimento de traição e falta de confiança tomou conta de mim acerca dela. Não que eu tenha passado a ignorá-la, porque me sentiria em um manicômio abandonado se assim fosse. Mas me tornei evasiva e consideravelmente petulante perante diversas situações.

Contudo, Sinu tem uma bolha invisível que a cobre toda vez que ela percebe algum clima estranho e desconfortável, o que a faz agir como se nada tivesse acontecido, como se tudo fosse normal.

Posterior a ter cuidado do jardim, libertar algumas dentes-de-leão, banhar-me com os mornos raios de sol, me dirigi para dentro de casa, esperando Sinu designar-me mais uma 'tarefa-para-animar-meu-humor'. Encontrei-a sentada em sua imponente poltrona com o óculos na ponta de seu nariz, concentrada em um livro qualquer. Ela me olha de soslaio e volta a se concentrar em sua leitura, com a irritante cara de 'tá tudo normal'. Me pergunto todos os dias como que ela consegue viver desse jeito. 

Bufo irritada e caminho para a cozinha.

"Camila?", paro no meio do caminho, bufando outra vez.

"Sim, mãe?"

"Volte aqui, por favor.", dou alguns passos para trás. "Você derrubou terra no carpete, filha.", olho para minhas mãos que seguravam as luvas e pá de jardinagem, sujas.

"Irei limpar. Mais alguma coisa?", pergunto seca.

"Sim, tire essas botas ou vai ter que limpar mais do que só o carpete.", olho para meus pés, depois para mamãe e encontro seu olhar cínico sobre mim. 

Aspiro todo ar de meus pulmões e depois solto pesadamente. Caminho até a porta pisando propositalmente na terra que estava no carpete e dificultando o meu próprio trabalho. Abro a porta e jogo tanto os objetos que estavam em minha mão, quanto as botas em meus pés, no canto da varanda. Devolvendo para ela o mesmo olhar com o qual estava me encarando e deixando os braços caírem livremente nas laterais de meu corpo.

Ela respira profundamente, meneando negativamente com a cabeça, "Sua atitude estapafúrdia me faz recordar de quando você tinha nove anos, Camila."

Rio sem humor, "Quiçá eu ainda tenha nove anos, mãe."

"Não, você não tem. Trate de recobrar sua decência e vá limpar a sujeira.", ela diz grossa e retoma sua leitura.

Estou tão cansada psicologicamente que prefiro não levar a discussão à diante. Vou até a lavanderia, mas não encontro a escova e/ou esponja para remover a mancha de terra. Relutante volto à Sinu.

"Não encontro a escova."

"Deve estar no andar de baixo. A última vez que utilizamos, estava em sua sala de canto."

"Oh.", exclamo baixinho, coçando a nuca.

"Algum problema?", ela pergunta sem muito interesse.

"Nenhum, já volto.", não era meu objetivo descer e escutar qualquer barulho que indicasse a presença de Lauren, ou que ela me percebesse.

Nenhum barulho meu, nenhum barulho vindo do duto, ótimo. Nunca agradeci tanto por ver uma escova de limpeza na minha frente. Pego o pequeno balde em que o objeto estava e caminho para fora da dispensa.

Todavia, uma voz que não era de Lauren, invadiu o ambiente.

"Não Sra. Clara, está tudo bem, ela está bem. Só não quer conversar agora.", me sento silenciosamente ao lado do duto.

"Entendo, Dinah. Qualquer coisa me ligue. Ela acha que não me importo, mas é completamente o oposto disso. As roupas preferidas dela ficam nesta cômoda.", escuto alguns passos.

"Okay, muito obrigada. Já já eu desço."

"Tudo bem, querida, fique à vontade.", escuto uma porta ser fechada.

"Se se importasse não a machucaria tanto.", Dinah resmunga, "Desnaturada."

"Dinah?", pergunto rindo baixo.

"Cabello?!", sua voz soa surpresa.

"Eu mesma. Era a mãe de Lauren? O que houve?"

"A mesma. O de sempre.", gavetas sendo abertas e fechadas e uma Dinah assoviando 

"O que é o 'de sempre'?", pergunto curiosa.

"A discussão insistente de Clara. Sobre qualquer coisa com a Laur, blá, blá, blá...", Dinah fecha outra gaveta e posso escutar o peso de seu corpo colidir violentamente no colchão da cama. "E você."

"Eu?", falo surpresa.

"Sim, senhorita.", ela continua assoviando.

"Mas o que tem eu?"

"Na verdade eu não sei. A gente saiu para beber ontem, Lauren exagerou nas doses e acabou falando de você. Balbuciou algo, para ser mais exata."

"Uh. Que algo?"

"Algo como: "Preciso... Camzi... Rosto." e depois cantou um trecho de uma música e apagou."

"Rosto?", ri. "Ela está bem?"

"Vai ficar, ela sempre fica."

"Cadê ela?"

"Está na casa da Mani. Vim buscar umas mudas de roupa. Ela precisa esfriar a cabeça, dar um tempo da Clara.", o assovio de Dinah já estava me irritando.

"Entendo, espero que ela fique bem..."

"Ela vai, não se preocupe.", Dinah me interrompe.

"Okay, eu já vou indo.", falo me levantando, "Ah... Dinah?"

"Hum?", murmura.

"Fala para a Lolo que eu estarei aqui quando ela voltar."

"Lolo.", Dinah dá uma risada, "Tudo bem Cabello."

Mundo Sucinto (Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora