Capítulo quatro: Feito de Musgo Roxo

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Manhã.

- Olha o que eu achei. – Vitória falou chegando com umas sementes.

- De que é isso? – Micaela perguntou.

- Eu não faço a menor ideia. Encontrei por ai. Achei que tu por já ter feito agropecuária saberia.

- Deixa ai em cima que depois eu dou uma olhada.

- Certo. – Ela colocou em cima da geladeira. – O que você está fazendo? Que roupas são essas?

- Percebi que tem poucas roupas de mulheres aqui. Dividi as que eu achei pra nós três.

- Deixou as mais feias pra mim. – Ellen falou chegando com água do poço.

- Sem criar caso, Ellen. Achei que a gente poderia pegar essas blusas aqui de xadrez e fazer alguma coisa pra elas ficarem mais femininas pra nós.

- Tipo oque?

- Sei lá. Cortar, Amarrar, não sei mesmo. Ou podemos usar assim mesmo.

- De jeito nenhum. Isso é uma afronta à moda. – Vitória falou.

- Gente. – Falou Daniel chegando.

- Que susto. – Falou Micaela.

- O que vão fazer com essas roupas? Pensando em virar fazendeira?

- Engraçado.

- Não. Vamos customizar as roupas masculinas e transforma-las em femininas. – Vitória falou.

- Essas roupas não deveriam ser minhas? – Ouvem palmas lá fora.

- Quem é? – Micaela falou.

- Fiquem aqui. Eu vou ver.

Daniel foi lá fora e logo volta.

- Pedro. – Daniel falou.

- Eu disse que acharia vocês. – Falou ele. – Então... Bela casa.

- Não é não. – Ellen falou. – Mas é o que conseguimos arranjar.

- Mas ela é ótima.

- Pedrinho. – Vitória falou dando um abraço nele. – E então? Como estão às coisas por lá?

- É... O Afonso ainda fala sobre aquela noite. Ele tem andado meio nervoso e desconfiado.

- E se ele nos achar? – Daniel perguntou.

- Acho que nem Deus sabe o que ele fará com vocês. Mas acho que vocês não tem o que temer. Estão bem distante deles.

- Mas ainda acho que todo cuidado é pouco. Não queremos ser pegos por ele. – Vitória falou.

- Exato. E nem eu. Por isso eu vou indo. Porque se eu demorar ele pode desconfiar mais ainda.

- Pedro. Porque não fica aqui? Conosco?

- Bem que eu queria. Mas não posso. O Afonso me caçaria, me mataria e não sei o que ele faria com vocês... Bom. Vou indo nessa. Mas eu volto. Mais tarde.

A cada momento naquela casa e naquela cidade era uma tortura. A incerteza sobre voltar pra casa era uma tortura. O medo era uma tortura. Eles não sabiam o porquê daquela cidade ser assim. E porque aqueles homens serem maus.

Vitória preparava o jantar em silêncio. Na companhia apenas de suas lembranças e seus pensamentos.

- Está pensativa. – Daniel falou chegando.

- Pensando na vida. No futuro.

- Hmm. Eu não penso no futuro. Posso começar a criar expectativas e a ter esperanças demais e depois acabar me frustrando.

- Sei bem como é. Eu sonhava tanto em casar, ter filhos, formar uma família, ser feliz. E agora estou presa em uma cidade fantasma e sem nem saber se vou sair daqui. Isso sim que é frustrante. – Ela fala um pouco triste.

- Sabe o que é mais frustrante?

- O que?

- Essa fome que eu tô sentindo. Esse jantar sai ou não sai? – Daniel perguntou rindo.

- Ridículo. – Ela riu e saiu andando. Mas foi impedida por um balde no meio do corredor. – Quem pôs isso aqui?

- Não fui eu. – Micaela falou da sala.

- Nem eu. Eu tava aqui contigo. – Daniel falou.

- Ah, tá certo. Ele veio sozinho pra cá. – Falou ela um pouco alterada.

- Fui eu. – Ellen falou aparecendo. – Eu tinha ido buscar água. Foi mal. Aliás, eu acho que precisamos de mais. Mica me ajuda?

- Ai meu Deus que dor nas minhas pernas. – Micaela falou.

- Deixa de preguiça, vamos enquanto o jantar não fica pronto.

Longe de casa.

- Acha que voltaremos pra casa? – Micaela perguntou.

- Sinceramente eu não sei. – Ellen falou.

- Porque isso tinha que acontecer justamente conosco? Eu tinha tantos planos pra minha vida.

- Só você? Eu também tinha. Terminar minha faculdade, arranjar um emprego, crescer profissionalmente, ser bem sucedida.

- Tinha que ter algo pra nos privar de tudo.

- Será que tem mais gente aqui?

- Eu não tenho a menor ideia.

- Acho que é melhor voltarmos. Minha barriga está roncando.

- Vamos.

Chegando em casa, Micaela e Ellen veem Vitória e Daniel do lado de fora.

- Ei estranhos. O que estão fazendo ai? – Ellen perguntou.

- Ai gente. Que bom que vocês chegaram. – Vitória veio ao encontro deles aos prantos.

- O que houve? Você tá bem? – Micaela perguntou.

- Sim. Estamos. Mas nós não estamos sozinhos. Tem alguém na casa. – Daniel falou.

- Como assim? Fiquem calmos. Vamos sentar aqui.

Micaela pegou o balde com água e ofereceu a ela.

- Bebe a água. Tenta se acalmar. O que vocês viram? – Micaela perguntou.

- Eu estava na cozinha, preparando o jantar. Quando eu vi um vulto, eu pensei que não fosse nada. Mas ai, quando eu estava colocando as verduras na água quente eu o vi, olhando pra mim. Era um menino, japonês. Ele estava lá, com os olhos fixados nos meus. A única coisa que eu fiz foi gritar. Gritar bem alto e correr para fora. Gente! E se for um espírito? – Vitória estava apavorada e o tom de sua voz começou a assustar os outros também.

- Um espírito? – Daniel perguntou.

- Eu não vou entrar mais lá. Nunca mais. – Micaela falou assustada.

- Calma gente. Calma. – Daniel falou tentando acalmar a situação. – E se não foi ninguém? E se foi apenas coisa da sua imaginação?

- Tá me chamando de maluca? – Vitória perguntou.

- Não. Claro que não. Só acho que...

- Você não acha nada. – Ela falou com a voz alterada. – Eu pude ver ele me olhando com um olhar de ódio. Como se ele quisesse que saíssemos da casa.

- Vamos entrar.

- Não vou. – Ellen falou. – Dani. Eu acho que eu também ouvi algo ontem a noite.

- Deixa de coisa, minha gente. Vamos logo.

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