Se eu tivesse morrido de amor

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Se eu tivesse morrido de amor, teria tido a chance de viver eternamente. Repetiu inúmeras vezes pra si, imitando um mantra Tibetano, agarrando-se a ele como se fosse sua única chance de sobrevivência. E era.

Foi numa sexta-feira de outubro que seus mundos pararam de girar, quando, na estação de trem, seus olhares cruzaram-se pela primeira vez. Não existia explicação melhor para o inexplicável que ocorreu ali.

Em plataformas opostas, o primeiro impulso foi largar tudo o que seguravam e atravessarem, mesmo que pelas linhas do trem, rumo ao encontro dos corpos. O coração não mede riscos quando o amor acontece.

O tempo parou. As pessoas que lotavam a estação tornaram-se borrões, a música que tocava nos fones de ouvidos, e ninguém sabe que ambos ouviam a mesma, deixaram de fazer sentido. Como imãs que se atraem, deslumbraram-se com um vislumbre do que poderiam ser juntos. E foram. Em alguma outra dimensão qualquer, suas almas encontravam-se e brindavam com o amor intangível, a felicidade de terem se reconhecido em terra.

As bocas secaram e entreabriram-se, gritando desesperadamente; mesmo que caladas. O coração congelou junto ao tempo e dissolveu, espalhando pétalas de rosas na corrente sanguínea.

O espaço entre as duas plataformas ilustrava o calvário da longinquidade, capaz de fazer as solas dos sapatos furarem ao ser percorrido e, os infindáveis milésimos de segundos que passaram entre os olhares trocados e a consciência da distância, eram desenhados por eras e eras. Já não fazia sentido estarem parados ali.

A angústia, com inveja, quis se fazer presente quando, por mera diversão, trouxe os trens vindos de direções opostas, a pararem e censurarem a visão de ambos. A aflição embrulhou o estômago e o tremor tomou conta do corpo. O que seria dessas pobres almas a privação de serem o que foram destinadas?

A chance de viver berrou, dando a força que os joelhos e as pernas imploravam. Correram e encontraram-se no saguão da mesma estação, frente a frente, um palmo de distância, como se fossem destinados a estarem ali. E estavam.

Se eu tivesse morrido de amor, teria tido a chance de viver eternamente. Era o que uma canção de amor qualquer profetizava através dos fones de ouvido já jogados no chão.


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