Cara, parabéns se você conseguiu chegar até aqui. Sério mesmo. Esse negócio de nascer/crescer/morrer parece particularmente complicado depois de alguns anos.
A gente tá ali de boa, tentando encaixar a estrelinha no buraco certo de estrelinha na caixa de formatos, e percebe que é isso que faz a vida inteira. Uma longa aventura, tentando encaixar os blocos nos seus buracos certos, e errando de novo e de novo até conseguir.
E aí quando consegue, mais um formato esquisito para tentar encaixar.
Um dos grandes problemas, é que às vezes não existe ninguém pra nos dar um toque de o que fazer a seguir. Aí seguimos em frente, aprendendo e errando enquanto seguimos. A verdade sobre a vida é essa, no fim das contas: a gente não faz ideia do que está fazendo.
Não existe fórmula certa para se dar bem no processo todo de nascer/crescer/morrer. As pessoas mais velhas nos darão toques, irão brigar com a gente, te dizer "na minha época", mas nada disso vai servir de nada. O que vai servir? Fazer tudo errado e dar de cara no chão. Isso sim, vai servir.
A gente se conheceu assim: minha mãe costumava comer numa casa de massas artesanais, onde eu comprava potes de sorvete de vez em quando. Eu tinha uns nove anos de idade. O pote de um litro de sorvete custava menos de 5 reais.
Sempre via ela por lá, essa menina sorridente, filha dos donos do local. Ela parecia ter minha idade, o cabelo preto e liso, e a pele morena.
Eles moravam lá mesmo. De um lado, era o restaurante, do outro, a casa, e poucos metros dali, ficava o mar.
Estava morando com minha mãe há pouco tempo, e mudava de cidade e de escola o tempo todo, já que meus pais eram separados. Era uma rua calma, de um bairro calmo, entre duas cidades mais agitadas. Bem no meio dos morros que as separavam.
Aquela praia era minha paixão. Eu podia andar de um lado para o outro sem medo, e todos se conheciam na rua. Eu tinha algumas outras amigas, mas nenhuma foi como ela.
Os pais dela e minha mãe começaram a conversar, e acabaram marcando para que nós duas nos encontrássemos e virássemos amigas. E deu certo.
A gente podia passar uma tarde inteira sem fazer nada, apenas deitadas na rede da sacada, comendo tangerina e morrendo de rir a toa.
Conhecíamos outras crianças do bairro, e nos aventuramos por tudo de bicicleta, explorando cada canto, invadindo casas mal assombradas, descendo encostas de morro em folhas de coqueiros, nomeando todos os cachorros de rua.
Éramos as donas daquele lugar e nenhum canto era desconhecido. Até a localização das pedras do mar a gente sabia.
Logo atrás de onde eu morava, tinha uma casa semi-abandonada. Semi, porque ela tinha um dono, que a usava para plantar tomates, alface e coisas assim, além de criar galinhas. A gente não sabia disso, claro, já que nunca víamos ninguém por lá.
Na nossa cabeça, e de todas as crianças do bairro, era uma casa mal-assombrada. Dois andares, sem pintura, apenas no reboco, portas e janelas bloqueadas por tábuas pregadas e pregos nos muros.
Resolvemos invadi-la.
O muro tinha uma série de buracos, e em cada buraco, mais um monte de prego. O dono claramente tinha pensado que os furos poderiam ser usados como escadas, mas apenas pegamos um martelo (fomos bem preparadas) e arrancamos os pregos todos, pulando muro em seguida.
Era como se a atmosfera do planeta tivesse mudado instantaneamente. O que deveria ser uma casa simples e cheia de galinhas e alfaces, virou a coisa mais assustadora do mundo.
A gente sabia que a aquele som era apenas galinhas ciscando no andar de cima, mas nada impedia nossas mentes de fazer o barulho parecer assustador.
A gente entrou na casa pelo andar de cima. Escalamos o muro até a sacada, usando uma das pilastras. Fomos até a parte de trás da casa, onde um quintal gigantesco havia sido transformado em uma horta, com tudo quanto é tipo de coisa plantado, até maracujás.
Usamos o martelo e uma chave de fenda para removermos as tábuas de uma das portas e entramos. Lá dentro não tinha quase nada. Tinha uns artesanatos, uns sacos e nunca vimos as galinhas. Elas ficavam trancadas em um quarto separado, e de todas as vezes que invadimos o local (sim, foram várias), nunca conseguimos abrir aquela porta.
Com o tempo, o dono da casa (que nunca vimos e ninguém sabia quem era), começou a encher a casa de pregos e colocar avisos.
"Cuidado com o cão", foi o primeiro, mas não nos enganou.
Depois foi "Aqui tem dono". Oras, a gente já sabia daquilo.
As ameaças foram mudando de tom, mas também fomos crescendo e tudo terminou no dia que uma colega foi com nós e destruiu um dos artesanatos. Tinha deixado de ser uma brincadeira inocente. Nunca mais fomos lá.
Uma das coisas interessantes, é como as coisas são diferentes agora. Invadir uma casa me parece extremamente perigoso e de mal gosto, considerando a quantidade de avisos que o dono fazia para que não fizéssemos aquilo.
Mas aquele pequeno momento, onde uma das garotas destruiu algo da casa... foi o momento revelador. Aquilo não estava certo. Não era okay. Tudo tinha um limite.
Aquela foi a dica de que as coisas estavam começando a mudar. E depois daquilo, não pararam de mudar nunca mais.
Quando é que a gente deixa de ser criança e vira outra coisa? Pré-adolescente, ou adolescente ou seja lá como chamam aquela coisa de quando não somos nem uma coisa nem outra?
Eu nunca me esqueço de uma passagem da minha...
( ? ) infância
( ? ) pré-adolescência
( ? ) adolescência
Eu costumava ir todos os fins de semana na casa de uma amiga, para brincar. Bati palmas na frente da janela dela, como sempre fazia, e quando ela apareceu pela porta, nós duas nos encaramos por alguns segundos.
Havia algo acontecendo ali, naquele instante, enquanto a gente não tirava os olhos uma da outra.
Aí eu falei: Oi, Jéssica, vamos...
E não completei a sentença. Quem completou foi ela. Começou a rir e disse:
Brincar?
E a gente começou a rir juntas, como se aquela coisa de brincar fosse realmente uma grande baboseira.
E assim, nossa infância tinha acabado.
O problema é que não existe nada muito definido depois da infância. Não tem um período claro de transição entre ser criança e ser adolescente. A tal da "pré-adolescência" e o "ultra-jovem", acabam sendo mais um conceito que qualquer outra coisa. Não deveria né, mas a sociedade quer que você consuma, e vai consumir mais se crescer mais rápido.
A gente tá brincando de fazer bolo de lama em um dia, e no outro somos cobradas por nunca termos beijado alguém. Sendo jogadas em um mundo completamente novo, que pode nos consumir ou maravilhar.
Foi nessa época que eu comecei a me distanciar muito das amigas que tinha antes. Com o tempo, cada uma começou a gostar de coisas completamente diferentes umas das outras e o caminho natural foi a separação. Cada vez menos visitas, menos passeios, menos ligações.
Ainda acho engraçado quando encontro uma delas na rua ou até mesmo vejo fotos na internet, vendo o quanto crescemos e o quão diferentes somos hoje.
E isso não é algo negativo, é apenas algo comum. Não estamos apenas brincando de esconde-esconde, jogando videogame ou correndo pela rua. Entramos em contato com música, com política, com a sexualidade, com filmes, com a mídia... uma bomba gigantesca de coisas.
Aí uma série de fatores causa esse afastamento. Podem ser ideologias, gostos pessoais, mudança de escola ou de cidade... mas é inevitável.
Alguns amigos vão continuar para sempre, mas boa parte deles, inevitavelmente, se vai.
E você? Ainda tem alguma amiga ou amigo de quando era bem mais novo? Já pensou em talvez contatá-lo, nem que seja para dar um oi e perguntar: como vai a vida?
Talvez eu mesma devesse fazer isso agora.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Blog!
غير روائيDicas de escrita, como tirar proveito do Wattpad, novidades sobre Desmortos e Antes de Tudo Acabar e postagens variadas sobre a vida, o universo e tudo mais. To abrindo esse espaço para usar como blog. Um lugar onde a gente pode conversar melhor e...