viii. anatomia do autor

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Ao adentrar o local, este que estava revestido em camadas de antipatia e falas da terceira temporada de Shameless US, eu e a equipe que ali fazíamos uma analítica investigação logo nos deparamos com o que a criatura em questão insistia em chamar de "centro sináptico", onde havia a maior concentração de trocadilhos do tipo que resultam em dor crônica e dor crônica que resulta em trocadilhos. Perguntamos aos médicos consultores e nenhum deles havia visto algo tão exorbitante como aquela estrutura de quatorze anos envolvida com pele cor de neve coberta de gozo celestial e apenas uma pitadinha de óleo para render tantas erupções vulcânicas próprias da Islândia que insistem em chamar de espinhas. 

A base do local, popularmente nomeada pés, era talvez a região que mais era ameaçada — o telhado de MFST insistia em direcionar e apontar o cano de disparo de 27,8% de seus trocadilhos à eles. Talvez eram de fato merecedores porém era exagero mesmo para os seres grandinhos de número 41 capazes de se defender e usar como escudo sua ausência de curva (sempre diziam que pés chatos eram bons para andar na areia, porém devo lembrá-los que a criatura em questão tinha pele cor de neve coberta de gozo celestial e apenas uma pitadinha de óleo e não ia à praia por vontade própria). Imagine o tipo de trocadilhos que uma mente tão ávida e sináptica e cruel pode fazer com as palavras, ideologias e pré-disposições "homossexualidade", "pé grande", "sapatão", "não sou chato mas meu pé sim" e o qual eu, pessoalmente, achei o mais asqueroso e de maior ataque pessoal: o ato de levantar o pé em direção de uma pessoa inocente e assim chamá-la de "sapatão".

Ligada aos pés temos pernas levemente "celuliteosas" que ligam joelhos que mais pareciam uma flanela do tipo que Kurt Cobain usaria, as cicatrizes que variavam de "bater das maneiras mais idiotas" à "cair de bicicleta e ser idiota e pobre demais para ir ao hospital" e "prática de esportes que acredite ou não um ser tão esquisito quanto esse é capaz de não falhar miseravelmente em" formavam algo bem próximo à uma estampa quadriculada de uma Festa de São João, bem para combinar com o nome, próprio de uma agricultora de subsistência no interior do Alagoas, Maria Francisca (outra piada recorrente pelo próprio ser místico nascido para ser estudado e desprezado chamado Maria Francisca contra o mesmo ser místico nascido para ser estudado e desprezado chamado Maria Francisca), até coxas capazes de ser confundidas com um botijão de gás, mesmo que o sujeito não pode deixar de agradecer pois sem elas não pareceria tão ameaçador durante um torneio de handebol (que acredite, ou não, era algo que a criatura de fato se excedia em, seja qualquer a crença de um olhar ainda não familiarizado com a fera).

Acima do que o tornava mais próximo de um FRANgoCISCA, suas coxas, havia algo que talvez em uma figura esteticamente mais agradável e hidratante e diversas consultas no dermatologista para se livrar de estrias (também semelhante à faixa de Gaza por dois motivos: 1) a largura; e 2) vermelhas como a faixa fica após um conflito regional) seria algo feminino e bonito de se apreciar. A última possibilidade é logo anulada após a próxima parada, também conhecida como barriga ou coisa molenga que já foi maior e possivelmente é consequência de um transtorno de ansiedade severo e anos de depressão infantil e comida boa ou ter gordura demais ou simplesmente ser sorvete com calda. Esse é o momento em que pulamos o que começa com "pei" e termina com "dos". Percebo que essa é o tipo de piada que a criatura faria, talvez tenha pego seu vírus. 

Depois de costas extremamente oleosas e talvez pertencentes a um nadador, cabelo satisfatório (se não contar com a fração encapada com coloração azul, uma possível consequência de um  Smurf ejaculando na parte de trás de sua cabeça), um rosto que com toda a honestidade que há dentro de suas exatas 0 horas de igreja mas 14 anos de pensar no próximo não vale a pena ser discutido por motivos grandiosas (e testa também!), olhos que certamente vieram com defeito: miopia é uma praga mas trás mais trocadilhos o que, de acordo com a criatura com gosto questionável, sempre vale a pena ("Tá vendo aquela Lua que brilha lá no céu?" "Não, sou míope."); chegamos, enfim, a estrutura oca que se esconde atrás do rosto já mencionado.

A estrutura oca era parte de um elaborado esquema que protegia os pensamentos, que se vistos seriam o fim e levariam a criatura à uma guilhotina, estimulava a área pré-frontal de um QI entre 130 e 143 estipulado na internet (coisa que prova não que tal abominação é capaz de entender um texto platônico sem dificuldades mas sim que possui habilidades quanto à fazer testes de lógica), a mesma estrutura também era o que tornava a criatura o que ela era — uma criatura—, diferentemente de qualquer outro humano que tinha a infelicidade de compartilhar um (quiçá dois) átomos de oxigênio por vez com ela, ou ele. 

Ele fazia parte de um grupo que já havia tentado ser incinerado durante o holocausto nazista, nem estou falando sobre sua linhagem judia ou indícios não-heterossexuais ou miopia cognitiva ou proximidade comunista na escala de direção política ou simplesmente sua condição ateísta de nascença de intelecto; estou falando de  qualquer um dos pensamentos esquisitos que o animal houvera acumulado durante as 1,4 de década experienciada, sendo que alguns deles transbordaram, seja com um papel e caneta ou tinta barata e telas mais baratas ainda.

Então, percebo, após sete parágrafos de auto-crítica mascarada de ironias e uma investigação tola que apenas tem graça dentro da minha cabeça, aquela mesma estrutura oca protetora de pensamentos de um ateu de etnia judia, de uma criatura que debate as próprias ideias, seja lá qual for minha verdadeira ambição quanto à encher o a jaula que habita meu peito de ar e esvaziá-la, talvez, na esperança de soltar os pássaros à natureza selvagem da noite fria e recheada de possibilidades que insiste em habitar tudo o que chamo de casa; percebo que sou hiperativa demais para escrever um texto de mais de mil palavras, me perco em minhas próprias frases, vírgulas e comparações sem fim ou lógica. Percebo que cada uma de minhas tentativas de me tornar algo próximo a alguém de verdade ou de mentira acaba por me fazer retornar à um espaço mental que impossibilita eu ser eu mesmo longe de mim, longe da privacidade sideral que toma conta de minhas quatro paredes que minha mãe, assim como a herdeira espiritual de uma chefe de tribo na polinésia tribal, incansavelmente trabalhara para conseguir. 

E assim — com pai sequelado, com mãe abalada e com irmão para aconselhar, com 1164 palavras nuas de idiotice histérica finita, às 20:43 de uma noite deprimente de domingo e uma agitação que toma forma por pensamento — os afirmo que existo.

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