depois do que os livros de História
afirmam de pés (e lombadas) juntas
ter sido séculos após colonialismo e
imperialismo e
escravidão e
idade das trevas,
encontro-me cada vez mais aterrorizada.
aterrorizada com
"sabe qual a diferença entre um preto e uma lata de lixo?" "a lata."
"jogador africano é fominha."
"sabe quando o preto de fusca foi para são gonçalo com um real no bolso?" "nunca. porque preto não é gente, fusca não é carro, são gonçalo não é lugar e um real não é dinheiro."
aterrorizada em olhar para os lados
na sala de aula branca do meu irmão
e ter apenas um negro (o filho da faxineira).
como os 1% no poder ainda não aceita
que preto é gente
e é pura bravura,
quando o simples ato de existir,
de encher os pulmões com ar,
é o maior de seus protestos?
e no fundo, sei que quem está aterrorizado mesmo não sou eu,
é quem não chegou na sala de aula do meu irmão.
é quem é gente que não é gente.
é quem tem carro que não é carro.
é quem quem mora em lugar que não é lugar.
é quem só tem dinheiro que não é dinheiro no bolso.
livra sua estrutura oca
que chamas de cabeça
do senhor de engenho confinado
em seu espírito pobre,
você é branco e eu sou branca
mas não sigo esse barranco.
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HOWL // poesia
Poesíaa forma mais crua de tudo que fui. (C) ITMEANSWAR, art on the cover "Saturno devorando a un hijo" (1819-1823), by Francisco Goya.