xxii. cresce escutando que neguinho é bandido

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depois do que os livros de História

afirmam de pés (e lombadas) juntas

ter sido séculos após colonialismo e

imperialismo e

escravidão e

idade das trevas,

encontro-me cada vez mais aterrorizada.


aterrorizada com 

"sabe qual a diferença entre um preto e uma lata de lixo?" "a lata."

"jogador africano é fominha."

"sabe quando o preto de fusca foi para são gonçalo com um real no bolso?" "nunca. porque preto não é gente, fusca não é carro, são gonçalo não é lugar e um real não é dinheiro."


aterrorizada em olhar para os lados

na sala de aula branca do meu irmão

e ter apenas um negro (o filho da faxineira).


como os 1% no poder ainda não aceita

que preto é gente

e é pura bravura,

quando o simples ato de existir,

de encher os pulmões com ar,

é o maior de seus protestos?


e no fundo, sei que quem está aterrorizado mesmo não sou eu,

é quem não chegou na sala de aula do meu irmão.

é quem é gente que não é gente.

é quem tem carro que não é carro.

é quem quem mora em lugar que não é lugar.

é quem só tem dinheiro que não é dinheiro no bolso.


livra sua estrutura oca

que chamas de cabeça

do senhor de engenho confinado

em seu espírito pobre,

você é branco e eu sou branca

mas não sigo esse barranco. 

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