xxxi. narrativa de um judeu alemão no vale do remo no séc. 13

90 10 37
                                    


  Parte 1: OS HAKIM[1]

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

  Parte 1: OS HAKIM[1]

Ainda era cedo, conseguia saber disso não porque o sol pairava acima do quarto onde eu morava, mas sim porque minha mãe já havia levantado e acendido as velas com o resto de óleo que havia sobrado da semana passada.

"Elias, levante! A escola começa em trinta minutos."

"Estou acordado, ima[2]."

"Não perguntei se estava acordado, requisitei que levante em um pulo!"

Vivo com minha mãe há um pouco mais de doze anos, desde que fui colocado neste mundo, então sei quando ela blefa – e essa não era uma dessas vezes. Levanto-me aos tropeços e caminho até a parte em nosso quarto que meu pai costumava chamar de "ala leste", onde se encontra uma pilha diminuta com minhas roupas; de lá pego a primeira blusa, a primeira calça e o primeiro agasalho para cobrir-me.

A casa de banho de nosso quarto fica cinco passos desta pilha, e é lá que me troco todas as manhãs, exceto no shabat[3]. Troco de roupa o mais rápido que posso, brincadeira que faço há algum tempo com meu amigo Israel Tov.

"Alef, Bet, Gimel, Dalet![4]"

Sorrio quando termino de me trocar na quarta letra do alfabeto, duvido que Israel tenha feito melhor que fez na Mittwoch[5}.

"Filho, seus grãos já estão na mesa."

"Já me arrumei, estou tão pronto quanto um troiano."

"Anda estudando, sim? Continue assim, o rabino Shmuel disse que se caminhar firme com as duas pernas por tempo o suficiente se tornará um grande médico como eu e seu pai, e os gentios[7] serão obrigados a depender de você e o que..." –  ela apontou para minha cabeça  – "...você tem aí dentro."

"Esse é meu maior sonho!", proclamei com toda a convicção do mundo. "Com o dinheiro poderemos comprar esse andar todo de quartos só para você guardar suas jóias."

Minha mãe olhou para mim com os olhos marejados e temi ter dito algo errado, não tinha filtro, afinal, ainda era apenas um garoto, ainda nem tive meu Bar Mitzvah[8] .



[1] Hakim, médico em hebraico. A família de Elias é uma das famílias judias tradicionalmente compostas por médicos, inclusive algumas mulheres. Sua mãe era oftamologista. Eles atendiam as famílias das Coroas portuguesas, espanholas, francesas, antes de serem culpados pela aparição de doenças e morte de alguns pacientes; foi aí que pararam de atuar como médicos.

[2] מוטער, mãe em iídiche. Por mais que o íidiche (o hebraico já havia caído em desuso, voltado apenas na diáspora judaica após a 2ªGM) havia de fato sido proibido algumas vezes na Europa cristã e Israel (invasão de tropas inimigas), dentro das judarias (guetos judeus) se era permitido viver seguindo a fé judaica se pagasse os impostos (altíssimos, por sinal) e as crianças eram criadas falando íidiche e, nesse caso como a história é contada na Alemanha, alemão.

HOWL // poesiaOnde histórias criam vida. Descubra agora