Capítulo 3

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Dentro da universidade, Augustus se concentrou nos estudos e deixou os garotos um pouco de lado. Um soco no nariz ninguém esquece facilmente. Por sorte ele não tinha quebrado o nariz, mas parecia que em seu interior algo havia se quebrado. Sua confiança e autoestima ficaram abaladas por meses e aprendeu a tentar se controlar. Jurou que não olharia mais para os garotos do colégio que fossem heterossexuais. A vontade era mais forte, mas ele tentou, até que uma hora acabou se acostumando a não olhar para ninguém. Ao mesmo tempo em que progredia nos estudos, a vida pessoal de Augustus parecia regredir. O rapaz vivia solitário e se não fosse por Graziela, era capaz que suas únicas companhias fossem as plantas do jardim de sua casa.

A família de Augustus cultivava diferentes espécies de ervas em casa. Todos os membros da família Cornacchini aprendiam desde novos sobre o poder das plantas, fazendo com que os mesmos só visitassem médicos em último caso. No grimório que ficava escondido na biblioteca do pai de Augustus estavam escritos diferentes feitiços, rituais e descritas diferentes espécies de plantas. Augustus aproveitaria o curso de biologia para estudar melhor a natureza e quem sabe comprovar cientificamente alguns efeitos das plantas. O rapaz participa de rituais com sua família desde pequeno. Diferente da maioria dos praticantes da bruxaria dos dias atuais, ele vinha de uma família. Criado e desenvolvido com a magia, durante os anos ele presenciou ótimos momentos: viu plantas se curarem e crescerem quando estavam doentes e quase morrendo; acompanhou suas tias prepararem poções para diferentes doenças e melhorarem em uma velocidade incrível, que nenhum remédio da atualidade conseguia alcançar; aprendeu sobre os elementos e a importância da natureza. Foram tantos momentos que seria impossível relembrar cada um deles.

Toda quarta-feira, Graziela e Augustus se encontravam numa lanchonete da universidade. O local não era muito visitado pela maioria dos estudantes e esse era o que mais encantava os amigos. Eles gostavam de um lugar onde podiam conversar a vontade.

Na manhã daquele dia, Augustus teve aula de biologia celular. Acompanhado de seus colegas e professor da universidade, o rapaz foi para o laboratório. Antes de entrar, ele colocou o jaleco branco e olhou para o celular. Nenhuma mensagem e nenhuma ligação perdida. Ele tinha esse péssimo hábito de olhar para o aparelho, mesmo sabendo que não tinha muitas pessoas que pudessem ligar para ele. O professor entregou umas lâminas de vidro e pediu para os alunos observarem as células de uma bromélia. Como de costume, Augustus estava ansioso para se encontrar com Graziela e não estava prestando muita atenção na aula. Ele olhava para o relógio velho pendurado na parede do laboratório de um em um minuto, como se isto fosse fazer o tempo passar mais rápido. O menino tentava lembrar se no livro das sombras da família havia algum feitiço para adiantar o tempo, mas acreditava que não. As pessoas costumavam exagerar nos filmes e seriados, e muitos tinham uma visão distorcida da bruxaria, não só referente aos feitiços e rituais, como também aos costumes e crenças. O professor atendeu cada um dos alunos individualmente e perguntava para eles o que enxergavam no microscópio e após isso, pedia para cada um desenhar o que via e nomear cada uma das estruturas e suas funções. Augustus fez o desenho com pressa para que pudesse sair logo da aula. Entregou para o professor e se despediu com um sorriso no rosto.

Augustus saiu do laboratório e percorreu cerca de 200 metros até chegar à lanchonete que costumava frequentar. Olhou para os lados para ver se a amiga estava chegando e não via ninguém, exceto a funcionária que estava limpando uma mesa. Olhou para o celular novamente e não tinha nada. Augustus não conseguia esconder a decepção. Ele odiava comer sozinho. Decidiu não desistir fácil e comprou 2 copos de cappuccino. Levou as bebidas para uma mesa e ficou esperando a amiga tentando manter a calma. O rapaz inspirava e expirava o ar lentamente, mas não parecia estar fazendo muito efeito.

Um rapaz se aproximou de Augustus, enquanto ele estava sentado sozinho.

− Posso me sentar com você? Odeio comer sozinho – disse um rapaz branco, de olhos castanhos e cabelos loiros escuros. O homem aparentava ter 24 anos de idade e era um pouco menor do que Augustus.

− Claro!

− Poxa, você deve gostar bastante da cappuccino – disse o outro olhando para os copos na mesa, deixando Augustus envergonhado.

− Eu tinha comprado para uma amiga, mas aparentemente ela não vem.

− Desculpa a grosseria, esqueci de me apresentar. Meu nome é Rafael.

− Prazer, Rafael. Meu nome é Augustus.

− Nome bonito. Combina com você.

− Obrigado. – Augustus respondeu sem graça.

Os dois ficaram conversando e descobriram que tinham diversos pontos em comum. Rafael estava fazendo um mestrado em biologia na área de botânica e morava próximo à universidade. Augustus contou sobre sua paixão pelas plantas, o que fez aumentar o interesse de Rafael nele. Os dois pareciam combinar, mas Augustus não demonstrou nenhum interesse em Rafael, exceto na carreira acadêmica. Rafael tinha o corpo normal, nunca fora um atleta, e passava tanto tempo envolvido nos estudos e pesquisas que não cuidava muito da sua aparência. Para ele, a beleza física era só um complemento, que um dia acabaria, portanto ele priorizava o seu interior. Mesmo não sendo um deus grego, Rafael era bonito e alguns consideravam sua inteligência afrodisíaca, mas Augustus não deu a mínima.

Augustus olhou para o celular e tinha uma chamada perdida da amiga. O rapaz se despediu de Rafael e nem deu uma brecha para que o homem o chamasse para um encontro. Rafael não sabia o porquê, mas sentia que valia a pena insistir e tentar conhecer melhor Augustus. Era uma intuição forte guiando o homem, porque se ele fosse ser racional, desistiria na hora, já que o rapaz mal olhou para ele.

− Onde você está? – Augustus disse tentando controlar a mágoa que estava sentindo.

− Estou presa na sala de aula. A professora passou um trabalho enorme para entregar hoje e preciso terminar. Você recebeu minha mensagem?

− Que mensagem?

− Mandei uma mensagem avisando. Imaginei que não tivesse recebido, já que você não respondeu.

− Não. Não recebi nenhuma mensagem.

− Me desculpe. Vamos marcar para amanhã?

− Amanhã não posso.

− Sexta-feira?

− Pode ser. – Augustus não tinha nada para fazer na quinta-feira, mas seu orgulho estava ferido. Ele sabia que a culpa não era da amiga e mesmo assim não conseguiu aceitar o convite de primeira.

− Então nos vemos na sexta. Preciso desligar agora, ainda falta muita coisa para fazer.

− Boa sorte!

Augustus girou a cabeça para trás e viu que o homem ainda estava observando ele. Ele tinha achado o sujeito bem interessante e percebeu a maneira que Rafael estava tentando flertar, mas Augustus sempre acreditou que não era possível gostar de alguém quando não havia uma química. Para ele, você conseguiria conquistar alguém, mas forçar os seus próprios sentimentos era praticamente impossível e desnecessário.

Certa vez, Augustus leu no grimório da sua família um capítulo sobre fantasmas. O livro dizia sobre a obsessão dos que já partiram em continuar atormentando e explicava que a melhor maneira de se livrar deles é deixando-os para trás. Em toda sua vida, Augustus nunca tivera observado um, mas desejava intensamente ter a oportunidade. Sua curiosidade era maior do que o medo. Para o jovem, toda experiência era válida. A avó de Augustus sempre alertara o rapaz: "Cuidado com os seus desejos. Eles podem ser realizados", e o mesmo não dava muita atenção.

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