Capítulo 9 - Elastic Heart

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"And I will stay up through the night and let's be clear, won't close my eyes. And I know that I can survive, I'll walk through fire to save my life..."


- Ok, eu dei as cartas, então o Scott joga primeiro.
- Isso aqui não é Uno, Barton.
- Vamos tirar na sorte.
- Tirar na sorte, quantos anos você tem?
- Ah não - Steve resmungou, fechando os olhos em uma demonstração de impaciência. Estava sentado no sofá, com as pernas ligeiramente abertas, um dos cotovelos apoiado no móvel e o outro na coxa, uma de suas mãos segurava as cartas que havia recebido e a outra se mantinha fechada num punho, uma tentativa desesperada de controlar seus impulsos. Impulsos dirigidos à pessoa sentada ao seu lado.
Bucky observava tudo com uma sobrancelha levantada, procurando entender como um bando de adultos podia se comportar como adolescentes bêbados algumas vezes. Após o jantar - que estava maravilhoso, por sinal, ele descobriu que sentia muita falta de uma comida caseira - haviam se sentado na sala de estar, alguns no chão e outros nos sofás e poltronas. A mesa de centro virara uma espécie de apoio para apostas e jogatinas, tinham até conseguido encontrar uma toalha verde para imitar o ambiente de Cassino. Sam e Scott ficaram extremamente excitados ao arrumar as fichas e o baralho, recebendo uma revirada de olhos de Natasha e um suspiro debochado de Maria Hill. Bucky não entendia o motivo de estarem tão eufóricos por causa de um jogo, pensando que só podia ser porquê eles nunca tinham feito aquilo. Não devia ter muita diversão naquele lugar, a não ser dormir, comer e treinar. Mas de alguma forma, mesmo que todos eles parecessem malucos e aquela situação mais do que bizarra, gostava de estar ali. Sentia sua perna esquerda formigar com uma quentura inquietante, pois era o lado que estava perto de Steve. Sentados num sofá de dois lugares, eles não tinham escapatória, a não ser ficar bem próximos e com certeza estavam mais do que bem com isso.
Aproveitou que Wanda brigava com Scott sobre as cores das fichas e arriscou uma espiada para Steve. Um sorriso incrédulo no rosto ao observar os amigos discutindo, os olhos estreitados devido a perplexidade, acabando assim franzindo um pouco a testa.
Se lembrou do jantar, da caminhada tortuosa do corredor dos quartos até a cozinha e em como Natasha falara que ele "teria todo tempo do mundo para ser grato", mas que àquela hora era para refeição. Ficara imensamente bravo com a atitude intrometida dela e não era capaz nem se saber a razão por trás disso. Durante o jantar, ficaram sentados na mesa um de frente para o outro e não houve conversa, mastigação ou elogio referente ao tempero da comida que desgrudassem seus olhos um do outro. Queria perguntar para Steve se ele estava familiarizado com aquela sensação. Queria saber se ele também sentia essas coisas. A urgência de querer estar perto, a ansiedade ao se falar e não saber o que dizer, com medo de soar estranho ou precipitado, a leve dormência nas pernas ao receber um sorriso ou uma risada. Será que estava ficando louco novamente? Será que sua mente havia ficado completamente perturbada e incapaz de funcionar corretamente? O que mais achava esquisito, era o fato de que todo o resto parecia estar normal. Conseguia andar, falar, se mexer, pensar e discernir as coisas umas das outras. Por que então, tratando-se de Steve, tudo em seu sistema entrava em pane? Buscou na mente para saber se quando eram jovens também sentia aquelas coisas, mas não teve sucesso. Tudo que via se limitava a imagens e um rosto em específico, mesmo assim as sensações que captava tinham a ver com ele, seus costumes, suas manias, coisas que falava e como agia. Sentimentos direcionados à outras pessoas ainda era algo obscuro, só podia se contentar com o que sentia no presente.
- Bucky, você vai jogar? - Ao ouvir seu nome sendo chamado, ele virou a cabeça na direção da voz melodiosa de Natasha e negou lentamente.
- Agora não, prefiro ver vocês se engalfinhando primeiro - respondeu tentando soar o mais relaxado possível.
- Viu? Não sou o único que acha vocês um bando de crianças - Steve comentou, apontando com as cartas para o amigo a seu lado.
- Calem a boca e observem bem a minha vitória - Sam disse num tom exageradamente presunçoso, fazendo Wanda revirar os olhos.
- Não sou boa no pôquer, mas pode ter certeza que vou fazer o possível para ganhar de você - ela se dirigiu a ele sem sequer um olhar.
- Começa logo com isso, antes que eu desista - foi a vez de Maria perder um pouco de sua intocável paciência.
- Vamos lá - Steve se endireitou no sofá e esticou o leque de cartas que havia feito a frente do rosto. Os outros pareceram obedecer seu comando - como sempre - e se aproximaram da mesa, demonstrando concentração.
O único que não ia jogar era Bucky, aproveitando esse privilégio para tirar uma lasquinha e observar Steve, enquanto ele sorria espontaneamente. Algo em seu semblante havia suavizado, toda sua atenção sendo direcionada para o que acontecia na mesa de pôquer. Por um instante, como um lampejo ao acender e apagar a luz rapidamente, sua mente foi inundada por uma imagem colorida. A lividez da memória o assustou de tal maneira, que deixou um arquejo escapar, sendo arrebatado pelo pequeno filme que implorava para ser assistido.

"Qual é, se eu não te ensinar, quem vai?"
"Já passou pela sua cabeça que talvez, mas só talvez, eu não queira aprender?"
Bucky revirou os olhos e continuou dando as cartas. Seu gesto foi automático, sabendo que jamais conseguiria perder realmente a paciência com Steve.
Os dois estavam sentados na cama do mais novo, um de frente para o outro, com um montinho de cartas separando-o. Bucky, no auge dos seus 20 anos, tentava convencer um extremamente teimoso Steve de 17, que saber jogar cartas era algo essencial para qualquer ser humano. Não importava gênero, cor, tamanho ou idade, manusear um baralho era requisito mínimo para todos. Quando falou isso, recebeu um olhar incrédulo de Steve, que bufou e disse que não precisava daquilo, lutar na guerra e salvar vidas com certeza era um departamento com maior importância, despertando seu real interesse.
Apesar do tempo e das coisas pelas quais haviam passado, Bucky nunca deixava de se admirar com a coragem e o caráter inabalável do melhor amigo. Steve podia ser pequeno, magro e às vezes indefeso - isso por que ele comprava briga muito mais do que caras 3 vezes maiores que ele -, mas isso não o impedia de ser a pessoa mais íntegra e destemida que Bucky conhecia. Mesmo sentado ali, as pernas raquíticas cruzadas em posição de índio, o tronco coberto por um casaco antigo e grande demais para sua estatura, recém curado de um dos piores resfriados que tivera na vida, ele era capaz de parecer tranquilo e forte.
Por esse e outros motivos, Bucky estava ali, sentado e paciente, usando um mísero jogo de baralho como desculpa para poder estar perto de Steve e tentar animá-lo. Queria, e muito, poder entrar debaixo das cobertas e protegê-lo do frio, passar o resto da tarde conversando e cochilando, sabendo que era disso que o outro precisava. Mas não iria ajudá-lo a melhorar, então estampou seu melhor sorriso encorajador ao terminar de distribuir as cartas.
"Será que você pode pelo menos fingir que quer aprender?"
"E por que eu faria isso?" apesar de se sentir contrariado, Steve deu um meio sorriso e pegou o leque em suas mãos fracas. Gostava tanto de ter Bucky por perto, que podia engolir aquela chatice.
"Porque você é meu parceiro. Não quero jogar com outras pessoas" respondeu, despreocupado, olhando também para o que tinha em mãos, deliberadamente evitando a expressão de desgosto a sua frente.
"Tem que parar de ser tão dependente de mim" Steve ironizou, tossindo sofregamente logo em seguida.
Bucky observou o amigo cobrindo a boca com a mão, ouvia o barulho que o pulmão fazia, como se não aguentasse mais aqueles espasmos. Era uma tosse carregada, fazendo-o imaginar o quanto devia estar doendo.
Suspirou pesadamente e buscou os olhos azuis de Steve, tocando seu pequeno ombro com a mão firme.
"Como se isso fosse possível" murmurou, quase para si mesmo, contudo Steve o ouviu perfeitamente.

Teve sorte que os outros permaneciam entretidos no jogo para prestar atenção nele, pois após a lembrança atingi-lo com tudo, foi obrigado a fechar os olhos com força e colocar a mão na cabeça ao sentir uma dor lancinante no lado direito. De repente, seu corpo começou a pegar fogo, um desespero impiedoso atingindo-o em cheio. "Agora não, agora não, por favor", repetiu para si mesmo no meio da onda de sensações. Queria gritar, correr dali e se encolher numa pequena bola de ossos até sua dor ir embora. Queria principalmente que tudo sumisse e pudesse abrir os olhos. Aquela agonia fazia-o ter uma amostra do que era sua vida há alguns anos atrás, quando ainda o prendiam a uma máquina de choque para fritar seu cérebro e exatamente como naquela época, não sabia como parar.
"Por favor, aqui não..." repetiu, apertando a lateral do crânio com mais força.
Começava a sentir um suor frio escorrendo por sua testa, ao mesmo tempo que algo quente e seguro tocou-o. Não soube onde era, só que estava por cima da roupa, mas o contato fez com que ficasse menos difícil o ato de se concentrar.
Alguém o chamava ao longe, mas a dor fazia força do outro lado, tentando puxá-lo para a escuridão. Deus, como queria desmaiar para não sentir mais aquilo.
- Bucky? - A voz falou, mais perto dessa vez, uma lufada de ar morno soprou muito próxima de seu rosto, fazendo com que seus olhos abrissem imediatamente, arregalados.
- Steve! - Exclamou ao notar um par de íris azuis a sua frente.
- Ei, o que aconteceu? - perguntou, a fala carregada de preocupação.
Ao vislumbrar o ambiente ao redor, percebeu que todos haviam parado o que estavam fazendo para observá-lo. Teve vontade de sair correndo, mas o que mais chamou sua atenção era o que o prendia ali. Voltando ao normal aos poucos, seu sistema nervoso registrou o que o trouxera de volta. Steve mantinha uma mão em sua coxa. Não próximo ao joelho e certamente não de um jeito leve, confortador. Ele estava realmente apertando, com garra e convicção. Bucky sentiu um novo tipo de dor quando notou também que sua mão estava mais para cima do que deveria. Engoliu a saliva com tanta força que chegou a incomodar a garganta.
- Eu... nada - mentiu, não convencendo nenhum dos outros e recebendo um olhar de Steve que dizia "sério que vai tentar mentir para mim?" - É verdade, eu só... senti uma dor de cabeça.
Deu de ombros encarando os amigos, ninguém pareceu se convencer, mas sabiam que não cabia a eles discutir.
- Tome um remédio então, você atrapalhou o jogo e eu estava ganhando - Sam falou, emburrado, voltando sua atenção para a mesa.
- Você é tão sensível - Natasha brincou - Mas ele está certo, James, talvez seja melhor ir tomar um remédio e descansar.
Tentou fingir que a menção de seu nome não o havia afetado, porém sabia que Steve ia perceber. Ao olhar para ele novamente, viu que o observava de cima a baixo, ainda o tocando firmemente. "Isso não está realmente melhorando as coisas...", pensou.
- Eu vou com você - Steve estabeleceu, sem esperar um segundo sequer que pudesse dar a chance de Bucky protestar. Levantou-se do sofá, o que levou os outros presentes a deliberadamente ignorar qualquer indício de gravidade na situação, voltando ao que estavam fazendo. Por não quererem discutir ou deixar Bucky desconfortável, eles escolheram parecer indiferentes. Ele, então, suspirou derrotado e ergueu-se nos calcanhares, seus passos arrastados para seguir Steve que já estava no corredor.
Eles caminharam lado a lado, os pés movendo os corpos mecanicamente, contudo Steve sentia seu coração torcer e contorcer ao imaginar o que estava se passando dentro de Bucky. O que era essa dor que o assolava tão esporádica e intensamente? Ou seria o tempo todo e somente em alguns momentos ele não era capaz de fingir? Sentiu que por mais que os dois estivessem conversando mais abertamente, seus papos mais descontraídos que antes, não sabia totalmente de tudo pelo que o amigo passava. Não conseguiu formar uma teoria mais concreta, pois logo chegaram em frente a porta do novo quarto de Bucky. Ele parou, receoso e olhou uma vez para a madeira retangular que o separava de um esconderijo quase completamente seguro, um suspiro exausto escapou de seus lábios. A vontade de se esconder fez sua mão humana coçar e formigar, sua nuca queimando pela encarada de Steve.
- Você devia tomar alguma coisa - sugeriu o outro, lembrando-se do que Natasha havia dito.
- Sabe que ela estava zombando, não sabe? Remédio nenhum vai fazer efeito em mim, a não ser que eu tome uma cartela ou uma injeção de morfina - Bucky falou com a voz arrastada, um tom de escárnio por trás da constatação. Tomar o soro do super soldado era considerado uma dádiva para quem via de fora. O qual maravilhoso era não poder ficar bêbado ou doente? Ter força extraordinária e velocidade triplicada? Quem não tinha vontade de ser uma super pessoa, ultrapassando limitações tão mundanas e derradeiras, quanto um resfriado ou uma ressaca.
O que estava escrito nas entrelinhas, era que certas lesões consideradas permanentes ou não, tinham danos dificilmente reversíveis. Não se apetitava com o fato de sua mente ser um caso perdido. Certamente não diria isso em voz alta, mas Steve deve ter lido sua expressão, seus ombros caindo lentamente enquanto a testa se moldava em vincos profundos, as sobrancelhas quase unindo-se.
- Mal não vai fazer - disse de um jeito exageradamente forçado e otimista, o que fez Bucky parar de respirar por um segundo.
Com o peito apertado por uma sensação de afeto arrebatadora, assentiu e olhou para os próprios pés. Steve não perderia as esperanças tão facilmente.
- Isso é um sim? Posso experimentar um pouco o que é a sensação de cuidar de você? É o mínimo que eu posso fazer.
As palavras de Steve enviaram um arrepio que desceu pela espinha dolorida de Bucky. O assalto que as memórias provocaram em sua cabeça, fez seus olhos se arregalarem e o equilíbrio vacilar. Pode contemplar as lembranças de anos atrás, quando não havia espaço em sua vida, em seu coração para nada que não fosse a saúde e o bem-estar de Steve. Suas crises de asma, as doenças que o assolavam semanalmente, muitas vezes quase rompendo o fino fio que o ligava ao mundo, deixavam-no de cama, indefeso e irreversivelmente enfermo. Mas Bucky estava lá, na cabeceira de sua cama, sentado no chão para não balançar o colchão ou com a cabeça de Steve precariamente deitada em seu colo. Nunca o deixara passar por nada daquilo sozinho, pois o sofrimento de Steve sempre significara seu próprio sofrimento. Cuidara dele o máximo que podia, até se tornar, ironicamente, aquele que mais precisava de cuidado e atenção.
- Não está tendo outro ataque, está? - a voz preocupada e receosa o acordou do transe. Piscando algumas vezes, Bucky manejou um sorriso de lado.
- Ataque? É assim que chamamos agora? - perguntou, todo jocoso e relaxado, quando Steve jogou um braço por seu ombro, guiando-o para longe de seu novo quarto.
- Se já está brincando, é porque não está tão ruim.
- Não posso nem fazer um drama? Para receber um mimo, pelo menos - Bucky tentou não parecer muito decepcionado quando Steve deixou o braço cair, soltando-o. Sua risada suavizou a melancolia, ele parou em frente a uma porta apenas alguns metros a frente do quarto de Bucky, que levantou uma sobrancelha para ele.
- O que? Achou que eu ia deixar você dormir longe de mim? - por mais que parecesse descontraído, um tom de sarcasmo em sua voz, Steve mantinha os ombros eretos, seus lábios tremendo levemente.
"Ele não sabe fingir", pensou Bucky, sorrindo mais abertamente. Indicou a porta com a cabeça e ao que o outro a abriu, ele seguiu atrás. A primeira coisa que o atingiu foi o cheiro. Não era exatamente um cheiro de nostalgia que o levou diretamente para o passado, mas uma mistura, de algo ligeiramente familiar, com um novo cheiro arrebatador. O ar estava leve e carregado de um cheiro intenso, um pouco de amadeirado misturado com algo mais áspero e acentuado. Sua mente ingênua, trabalhou freneticamente para tentar reconhecer, mas imediatamente soube que não conhecia aquele cheiro. Era um aroma sem nome, um perfume. Provavelmente estocado em algum lugar por ali, se misturando com outros odores.
A parte disso, o ambiente se preenchia de objetos aleatórios, alguns em cima da cômoda, outros colorindo as paredes. Ele queria assimilar tudo, gravar cada detalhe e se apegar á eles, contudo, sua cabeça voltara a doer com certa intensidade, impedindo-o de pensar direito.
- Acho que tenho alguma aspirina por aqui - Steve foi até a cômoda e começou a revirar as gavetas.
Bucky não conseguia pensar no motivo que levara ele a estocar aspirina em seu quarto, como se fosse um humano frágil e que precisava daquele tipo de analgésico. Não perguntou, porém, seus olhos se desviando para as costas de Steve, os ossos oscilando com seus movimentos, causando ondulações por baixo da camiseta. Acabou por entender que o homem a sua frente parecia uma escultura, mesmo por cima da roupa, suas formas eram tão visíveis que atraíam seu olhar como imãs.
E mais uma vez, não entendeu onde seu cérebro queria chegar com aquilo. Por que ficava olhando para Steve daquela maneira? Pior, por quê quando o fazia, seu estomago se revirava de um jeito doloroso e aquecido?
- Ah! - exclamou, virando-se com a cartela na mão - Não me olhe com essa cara - Steve se referia a expressão de Bucky, uma sobrancelha levantada, a boca moldada num sorriso irônico - Scott escondeu isso aqui.
- Hum, ele frequenta muito o seu quarto? - brincou Bucky, pegando a cartela que Steve lhe estendeu.
- Babaca - murmurou em resposta e foi até o criado mudo pegar um copo d'agua - Se eu te disser que as vezes eles brincam de esconde-esconde, você acredita?
Entornando o conteúdo todo do copo, Bucky engoliu dois comprimidos de uma vez, tendo absoluta certeza que aquilo não ia ajudar muito. Contudo, a vontade de agradar a Steve o superava.
- Acredito. Completamente - respondeu devolvendo-lhe o copo.
- Pois é.
De repente o ar se tornou tenso entre eles e Steve foi tomado por uma necessidade nada sutil. Seu corpo aos poucos sendo arrebatado por uma familiaridade forte demais. O homem a sua frente era aquilo que ele mais conhecia, algo de que sentira falta durante tanto tempo, que suas células estúpidas queriam estar perto a todo momento. Não podia simplesmente abraça-lo sempre que lhe dava na telha, tanto contato provavelmente assustaria Bucky, mas... um suspiro lânguido escapou de seus lábios e ele abaixou os olhos. Tantos dilemas e dúvidas, que quase não havia espaço para pensar em mais nada. Não que ele quisesse.
- Eu vou... Vou dormir - com a voz entrecortada, parecendo sair de seu próprio transe, Bucky anunciou.
- Já? - Steve ouviu seus lábios o entregando, o fio de ansiedade escapando, obrigando ele a dar uma tosse nervosa - Quer dizer, você devia ir mesmo. Pra... Passar a dor.
- Amanhã nós vamos nos ver, certo? Agora que moramos um do lado do outro? - Bucky tentou não soar como uma criança esperançosa. Falhando, claro.
- Mesmo que você ainda estivesse na ala hospitalar, nós iríamos nos ver. Então, sim - Steve enfiou as mãos nos bolsos rudemente, para que elas parassem de tremer. O que estava acontecendo com elas?
- Tudo bem... Boa noite - Bucky resmungou, os ombros caindo levemente, seus passos arrastando-se para a porta, ao que sua mão de metal alcançou a maçaneta, a voz de Steve o parou.
- Finalmente eu vou ter.
Mesmo com o tom de insegurança em sua voz, o sentimento de que talvez dissera algo errado tornando as palavras baixas, Bucky sentiu o peito inchar de alegria e sorriu para si mesmo ao sair.
Ele também teria uma boa noite, finalmente.
- - -

No minuto que fechou a porta atrás de si, Steve avistou Sam entrando no corredor, os passos tranquilos, uma das mãos enfiada no bolso e a outra balançando ao seu lado, a boca repuxada num sorriso sem dentes.
- E ai - cumprimentou parando a alguns centímetros de Steve.
- Já acabaram de jogar? - perguntou se encostando no batente da porta de seu quarto, sentindo-se extremamente leve.
- Acho meio difícil eles pararem tão cedo. Não, eu só poderia aproveitar uns minutos de sossego - confessou Sam, aquele ar pensativo tomando conta de sua expressão.
Steve tinha muitas razões para admirá-lo, quando ficou a par da história de Sam e viu que apesar do tempo ela não era tão diferente da sua, a amizade deles só se fortaleceu mais ainda. Mesmo assim, as vezes se pegava pensando se Sam não se incomodava de ter que aguentar tudo isso. Ele era um soldado, que havia decidido se distanciar dessa vida por seus próprios motivos. Por mais que alegasse estar cumprindo um dever, Steve tinha uma leve impressão que Sam escondia seus maiores receios. Contudo, escolheu não falar nada. Algo no fundo de sua mente, lhe disse que não iria demorar para suas dúvidas serem respondidas.
- Cansado? - perguntou Steve despreocupadamente, cruzando os braços.
- É... Acho que foi a tensão de hoje mais cedo - Sam estava com um daqueles olhares distantes, como se estivesse falando mecanicamente, pensando em outras mil coisas - Aliás, eu queria falar contigo sobre isso.
Steve não precisou responder, apenas se inclinou um pouco para a frente, para mostrar que estava ouvindo e esperou.
- Eu... Bem, não me leve a mal, ok? Você sabe de que entre todos que estão aqui, eu fui o primeiro a ficar do seu lado e faria tudo de novo, sem pensar duas vezes - Sam Wilson simplesmente não era uma daquelas pessoas que mentem ou enganam por meio de palavras bonitas, por isso Steve não se abalou com o que escutou, nem ficou duvidoso, apenas observou o amigo se recostar na parede, os dois agora na mesma posição, um de frente pro outro - Você não acha que nós estamos... Muito expostos?
O vinco que se formou na testa de Sam, foi espelhado por Steve, mas por motivos diferentes. Enquanto Sam se mantinha absorto em suas indagações internas sobre o assunto, Steve não fazia a menor ideia do que ele estava querendo dizer.
- Como assim? Nós estamos nos escondendo, como isso nos deixa expostos? - no minuto em fez a pergunta, Steve, com anos de treino, sua mente funcionando rapidamente para formar estratégias, percebeu o que o outro tinha dito.
Notando o entendimento tomar conta do rosto de Steve, Sam suspirou e abaixou a cabeça um pouco.
- Cara, eu sei que tanto você quanto o T'Challa se esforçaram muito para salvar a droga do meu traseiro e eu vou ser eternamente grato. Não existe nada que eu fiz, que não fosse fazer de novo, é só que na minha humilde opinião...
- Nós estaríamos melhores separados.
Steve completou a frase pra ele, assentindo logo em seguida, mais para si mesmo. A constatação tomou conta de seu instinto protetor e começou a formar cenários intermináveis. Por que não pensara naquilo antes? Claro que, quando resgatou os amigos, só queria mantê-los a salvo e longe de qualquer perigo. Mas o que aconteceria se algum dia, as pessoas que os estavam procurando, os escontrassem ali? Todos eles? Poderiam lutar, fazer o que sabiam melhor e ainda assim, se perdessem, todos caíriam. Estar juntos, como Natasha havia dito uma vez, era o mais importante, porém, tinham noventa por cento de chance de esse fator ser a sua ruína.
Steve compreendeu que Sam trouxera esse assunto à tona, por causa do que haviam passado mais cedo naquele dia. Da visita ao centro, os homens observando eles, o medo que tomava conta quando alguém saía e os outros ficavam pra trás. O que será que os espera lá fora?
As pessoas nunca parariam de procurá-los e mesmo não estando acostumados com essa vida de fugitivos, teriam que se moldar a ela.
- Passamos tempo demais aqui, você não acha? - Sam observava Steve atentamente, vendo as próprias preocupações estampadas no rosto dele.
- Não sei o que dizer Sam - confessou, bufando com frustração - A única coisa em que eu consegui pensar, foi esse lugar. Até agora, me parece o lugar mais seguro para o qual nós podemos ir.
Quando deu por si, as linhas que ligavam sua mente ao resto do mundo, se enrolaram em volta do mesmo núcleo. Como sempre.
- Isso me faz pensar sobre o Bucky - Steve olhava para o chão lustroso a seus pés, mas através da visão periférica, pode ver Sam fazer uma expressão que dizia "vamos começar a falar dele? sério?" e tentou não sorrir - Ele era um fantasma, Sam. Ninguém sabia que ele existia, os que sabiam e acreditavam, passaram anos procurando-o sem chegar nem remotamente perto do que queriam. E quanto a nós? Todos sabem quem nós somos. Os renegados. Os desertores da Iniciativa Vingadores, que deveriam servir e proteger o país. Eu tenho... Um grande receio, de que se nós pisarmos pra fora daqui, cada um pro seu canto não vai ser muito diferente do que ir até uma delegacia e se entregar.
O eco das palavras pairou sobre eles, batendo nas paredes de concreto e ressoando nos ouvidos de Sam, que não respondeu de imediato. Ao invés disso, desviou seus olhos para o espaço vazio atrás de Steve, parecendo enxergar as possibilidades do que o amigo havia dito.
- Não podemos viver com medo - constatou Sam, fazendo Steve suspirar, o cansaço tomando conta de seus ombros.
- Não, não podemos.
O corredor em que estavam possuía uma janela alta, do teto ao chão que não tinha mais do que dois metros de largura. O céu lá fora era nublado, apesar do mormaço que Steve sabia estar presente nas montanhas. Tudo o que mais queria era poder ir até lá e respirar o ar denso, colocar os pés no chão e erguer a cabeça sem ter que temer por sua vida ou por aqueles com quem se importa.
Pensou em Bucky, na vida que ele tivera durante aqueles dois anos, fugindo, se escondendo, esperando quando seria a próxima vez que teria que mudar de lugar.
Soube, naquele instante, que tinham que agir. Mudar a situação na qual se encontravam. Ao fazer isso, contudo, jamais iria permitir que Bucky fosse obrigado a passar por aquilo de novo.


- - -

- Você está bem?
Clint se recostou na poltrona paralela a que Wanda estava encolhida como uma bola. As pernas cruzadas embaixo do corpo, um dos cotovelos apoiados no braço da cadeira, a cabeça descansando na palma da mão. O outro braço se mexia cautelosamente, enquanto ela brincava com a energia escarlate que saía de seus dedos finos, os olhos dançando com os movimentos.
Ao proferir a pergunta, Clint observou-a levantá-los lentamente até seu rosto, um sorriso cansado se espalhando por seus lábios.
- Essa virou uma pergunta muito comum aqui nesta casa - respondeu Wanda calmamente, a voz não afetada por sua expressão fatigada.
- Algo me diz que tem fundamento.
Conhecendo bem a figura, ela apenas endireitou a cabeça e respirou fundo para responder. Clint não iria desistir fácil e com certeza não aceitaria qualquer coisa que ela dissesse.
- É só um sentimento de perda e nostalgia que parece que nunca vai embora - Wanda confessou, desviando o olhar dele para o teto - A vida que eu tive um dia, as pessoas que deixei pra trás... Sei que se continuar pensando, isso vai me deixar maluca, mas é só que... - não foi capaz de terminar, sentindo aquela bola desconfortável se formar na garganta. A ardência nos olhos dizia que o choro estava a caminho.
- Não é crime admitir que sente falta de alguma coisa. Ou de alguém - Clint se inclinou um pouco, apoiando os cotovelos nos joelhos treinados, como se quisesse ir até ela e reconfortá-la - Todos sentimos - completou, soando cauteloso.
- Eu sei.
Wanda tinha a aparência de alguém que ficara acordada por horas a fio, sem piscar ou mudar de posição, o cansaço moldando suas feições resistentes. Clint sabia o quanto ela estava resistindo contra a vontade de chorar e se entregar à tudo que estava sentindo, tendo ele mesmo ensinado que havia certos momentos para demonstrar fraqueza. Aquele era um deles, sã e salva, debaixo de um teto com outras pessoas para protegê-la, Wanda podia se deixar tomar pela enxurrada de sensações que ameaçavam destrui-la. Mas ela não parecia ser capaz de se permitir um momento de tranquilidade.
Uma pontada de culpa cutucou seu coração, fazendo Clint suspirar derrotado e levantar de sua poltrona. Foi até Wanda e ajoelhou a seus pés, percebeu os olhos dela acompanhando seus movimentos e pegou sua mão fria e pequena antes de encará-los.
- Alguém já te disse que você é uma criança? - ele começou, tentando fazer com que sua voz soasse o mais calma e compreensível possível.
- Eu não sou... – sua fala foi interrompida, quando ela percebeu o jeito como ele a olhava. Aquela encarada de quem dizia “não foi uma pergunta”, imediatamente fazendo-a engolir as palavras e prestar atenção.
- Não estou dizendo que você tem cinco anos de idade e precisa de alguém que segure sua mão para atravessar a rua. Mas sim que já passou por coisas, já viu desastres que outros que viveram o dobro jamais podiam imaginar – Clint afagou os dedos frágeis dela, mantendo o tom terno e compreensível que há muito tempo não usava com ninguém – Existem momentos para se agir com maturidade, como numa batalha, onde você deve se concentrar em dar o melhor de si para ajudar os outros a seu redor. Não num esconderijo, um lugar seguro. Aqui, você não precisa se segurar. Pode deixar todas essas emoções avassaladoras tomarem conta, ninguém irá te julgar.
Como se as palavras dele fossem um gatilho e seus sentimentos uma arma, Wanda sentiu o próprio peito doer em meio a uma explosão agonizante. Contudo, as lágrimas rolaram silenciosamente, deixando trilhas salgadas por suas bochechas. Ela só conseguia olhar fixamente para a mão segurando a sua, tudo estava embaçado.
- Eu... sinto falta dele – ela disse com a voz embargada, tão baixo que Clint quase não escutou. Pensou em perguntar se ela se referia a seu irmão, mas soube de imediato que não era somente isso.
- Visão – ele constatou e percebeu que Wanda sequer reagiu à menção daquele nome.
- É... Não sei o que dizer. Depois do que... Depois do que aconteceu com o Pietro, ele foi uma das poucas pessoas com quem eu conseguia conversar e que entendia pelo que eu estava passando – ela mordeu o interior da bochecha e usou as costas da mão para limpar as lágrimas do rosto – Não que ele entendesse por já ter passado por isso, mas era um consolo. Ele era capaz de descrever perda e dor, falar comigo e ouvir o que eu tinha para dizer, apenas... estando ali, eu acho, melhorava as coisas.
O discurso de motivação sumiu da mente de Clint, pois não era daquilo que ela precisava. Após estar acostumado em ser aquele que lhe dizia o que ela tinha que ouvir, para sair de um transe ou de uma posição de dúvida, ele notou o que era necessário ali. Não dizer nada.
- Sei que não somos inimigos, sei que ele não me odeia pelo que aconteceu e eu também não o odeio. Mas... – Wanda deu uma pausa para fungar, alargando os lábios em um sorriso melancólico, seus olhos um pouco vermelhos procurando os de Clint – Não é como se eu pudesse pegar o telefone e ligar para ele, certo?
O vento da noite uivou lá fora, avisando que a tarde estava dando lugar à escuridão. O interior da casa permanecia silencioso, por ser tão grande e espaçosa, os outros estando nos outros cômodos eram facilmente despercebidos.
- Eu descobri da pior maneira o quanto dói perder alguém para sempre, saber que aquela pessoa não irá voltar não importa o quanto você se esforce – nesse momento, ela apertou a mão dele com uma certa força, uma certa necessidade – Perder alguém que ainda está aqui, no mesmo plano que você, não poder ir até ele por conta de sua própria sobrevivência... é igualmente doloroso.
Clint se remexeu no tapete, esticando as pernas e se sentando no material felpudo, apoiou um dos cotovelos ao lado das pernas de Wanda, de forma que ficou mais fácil segurar sua mão. Eles se mantiveram ali, parados, respirando automaticamente, ambos olhando para as mãos entrelaçadas. Um sinal de segurança e apoio, diante de tudo pelo que haviam passado, entendendo que a amizade era plenamente capaz de mantê-los inteiros.
- Não vou voltar para a prisão, Clint. Nunca mais.
- Não vamos – ele levou sua outra mão para cobrir a dela, esperando que aquilo ajudasse a acalmar seu choro sofrido.

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O primeiro soco foi fraco, quase desanimado. O saco não saiu nem um centímetro do lugar com o golpe, o que o fez resmungar irritado. O segundo soco, ligeiramente mais forte emitiu um som abafado, o material protestando com o emprego mais agressivo da força saindo do braço de metal. O terceiro soco, com o braço humano, foi igualmente preciso e duro. Bucky abriu um sorriso ao sentir a adrenalina fluir por suas veias enferrujadas.
Havia acordado naquela manhã após uma noite mal dormida, a primeira em seu quarto novo. Se revirara nos lençóis durante cinco horas até conseguir pegar num sono de trinta minutos. Sua cabeça simplesmente não o deixava descansar, repassando memórias e sentimentos confusos que faziam seus nervos se remexerem. Dizer que Steve estava presente em todos era um eufemismo. Ele era todos os pensamentos. Ele preenchia todas as lacunas que Bucky tentava desesperadamente entender, como uma praga insistente que não ia embora. Devia ficar irritado, devia querer distância de Steve, porém só conseguia distinguir a necessidade de sua presença em casa impulso que tomava. Eventualmente, isso o esgotara de tal maneira, que desistira de dormir e levantara da cama.
Sem pensar no que fazia, vestiu uma calça preta de fleece, uma regata da mesma cor e um tênis esportivo qualquer. Não se importando se cruzaria com alguém no caminho, obrigara seus pés a levá-lo para um lugar que conhecera em seu “tour” pela mansão. A sala de treinamento. Quando chegou ao grande espaço retangular, não parou para analisar os materiais ou se havia mais alguém ali. Seus passos copiosos, levaram-no para a única coisa que o faria clarear a mente.
O saco de areia não iria responder, ele não bateria de volta, o que era de certa forma irritante. Mas Bucky continuou socando-o, mais e mais, até sentir um suor incômodo escorrer por sua têmpora esquerda. Batia com a mão metálica e a humana, nenhuma exaustão alcançando-o com força suficiente.
Queria que aquilo surtisse efeito, queria que o esforço físico limpasse sua mente de todas as coisas que o atormentavam. O medo do mundo dos sonhos, de encontrar seu pai novamente. Ou Alexander Pierce. O pavor de se deparar com a imagem de um homem esquecido no espelho e não se reconhecer mais. O pânico de ter que viver como um fugitivo, escolhendo lugares, andando com a cabeça abaixada e aprendendo novos idiomas, para que ninguém nunca o encontrasse. O terror de se jogar no abismo que era Steve Rogers, da certeza e da dúvida que aquele ser trazia para sua já tão complicada existência. Do afeto, da necessidade e da familiaridade que encontrara depois de tanto tempo sem saber o que era aquilo. Doía de tal forma que Bucky arrancou a regata que usava sem perceber, voltando a socar o saco de areia repetidamente.
Seus pés iam para frente e para trás roboticamente, movimentos que ele treinara durante anos, mesmo que não se lembrasse. O abdômen malhado não sentia o desconforto da atividade repetitiva, então ele continuou. O cenho franzido, procurando ignorar os cabelos que grudavam na face, o líquido transparente que era seu próprio suor escorrendo pelo peito.
A dor não era nada comparada ao desespero. O vazio que experimentara por todos aqueles anos era certo, conhecido e confortável. Contudo, só a leve impressão de que havia achado alguém para preenchê-lo, o apavorava além da descrição.
O barulho que seus golpes faziam, ocultaram o som de alguém chegando por trás dele. Mas não demonstrou a surpresa, quando ouviu a voz melodiosa de Natasha tossindo à suas costas. Não parou o que estava fazendo.
- James? Estou interrompendo alguma coisa? – ela perguntou de uma maneira realmente receosa, o que o fez rir.
- Ahn... – dando mais um soco certeiro, ele se virou. Sabia que estava com a aparência nojenta e repugnante, mas Natasha não demonstrou aversão – Na verdade, eu estava quase acabando. E você pode me chamar de Bucky, por favor.
- Claro – levantando uma sobrancelha, ela fechou os lábios ponderando o que diria a seguir, saboreando as palavras antes de soltá-las – Todos irão se reunir daqui a pouco para uma discussão amistosa referente ao nosso futuro.
- Isso parece o nome que o governo daria para algum documento de paz mundial, ou sei lá – Bucky se abaixou para pegar a regata, não dando muita atenção para o suor que emitira, vestiu a peça e passou as mãos pelos cabelos.
Natasha sorriu e apontou com a cabeça para a saída.
- Pode ir se limpar, se quiser. Você tem quinze minutos.
Ele apenas assentiu, vendo-a sair da sala. O quadril se mexendo exageradamente com seus passos, o cabelo ruivo balançando como ondas no mar sereno. Bucky não sabia realmente o que pensar sobre aquela mulher, mas decidiu que isso não seria acrescentado à sua lista de preocupações.
No caminho de volta para o quarto, não encontrou ninguém e se sentiu mais decepcionado ainda, quando propositalmente desacelerou os passos em frente ao quarto de Steve, mas a porta permaneceu fechada. Ou o amigo não estava ali, ou ainda estaria dormindo. Engoliu aquela decepção maldita e sem fundamento, seguindo para seu quarto.

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A mesa oval era uma placa de vidro temperado, rodeada por cadeiras de couro preto, lustrosas e convidativas. As janelas, como no resto da casa, eram altas e largas, imponentemente mostrando o lado de fora, o céu claro e o verde que se destacava. O piso de linóleo brilhava com um espelho e um pequeno painel, indicava que aquela era a perfeita sala de reuniões. Bucky foi o último a chegar, para seu desgosto. Ninguém pareceu notar, contudo, apenas Steve, sentado em uma das cadeiras giratórias que se virou ao ouvir o menor som de passos adentrando o ambiente. Seu sorriso foi instantâneo, o que fez o coração de Bucky dar um salto estúpido dentro do peito. Ele procurou disfarçar com um aceno da cabeça, mas seus pés teimosos foram deliberadamente para o lugar vazio ao lado dele.
- Bom dia, não te vi hoje de manhã, está tudo bem? – antes que ele pudesse se sentar, Steve já estava disparando as palavras de preocupação em sua direção. Aquilo foi o suficiente para aquecer todo o seu interior.
- Sim, eu só... – Bucky sentiu os olhos inquisitivos de Natasha queimarem seu rosto, mas escolheu encarar Steve, descansando sua íris nas dele – Só precisava espairecer. Fui para a sala de treinamento.
- Ah, claro – Steve concordou brevemente com um dar de ombros, mas manteve sua avaliação no cabelo molhado de Bucky que respingava na camiseta branca. Uma vontade indescritível de passar a mão neles tomou conta de sua mão, mas ao ver um sorriso se espalhar nos lábios de Bucky, ficou repentinamente desorientado – Se precisar de alguém para bater, pode falar. O Scott está sempre à disposição.
A tentativa de descontração de Steve, ganhou uma expressão de confusão de Bucky, que franziu o cenho para ele, antes de ser chamado por outra pessoa.
- Ei, eu virei saco de pancada agora? – Scott se exasperou do outro lado da mesa, levantando as mãos em descrença.
- Você sempre foi – Sam resmungou, olhando para algo em suas mãos, que Bucky identificou como sendo um cubo preto e liso.
- Ah, agora é assim? Vou ter que começar a contar sobre o nosso primeiro encontro? – Scott se virou para o outro, com uma hostilidade fingida.
- Calma gente, tem crianças no recinto – Maria brincou de seu assento e Wanda riu junto com ela.
- Ótimo, vamos aproveitar que todos estão de bom humor e ir direto ao assunto – todos se viraram para ver T’Challa sentando na ponta da mesa, os braços cobertos por um terno negro cruzados em cima do material impecável. Seus olhos profissionais caminharam para constatar que estavam todos ali. De um lado, Steve, Bucky, Clint e Natasha e do outro, Wanda, Maria e Scott.
Nenhum dos que estavam ali se atreveu a sequer respirar atravessado quando a Alteza começou a falar, o que o fez sorrir apreciando o respeito que havia conquistado. Seu rosto se virou para Natasha, que assentiu em resposta.
- A Srta. Romanoff me convenceu de que não podemos mais esperar para ter aquela conversa que as trouxe até aqui – T’Challa acenou com a mão na direção de Maria Hill para abrangê-la e continuou – Sei que alguns de nós preferiam que isso fosse adiado por mais um tempo – sua fala foi claramente dirigida à Steve e Bucky, pois ambos ficaram mais tensos de repente – Porém, se serve de algum consolo, o mundo lá fora não parou de girar.
Clint revirou os olhos, se contendo para não soltar nenhum comentário sarcástico e viu Natasha inclinar o corpo um pouco para a frente, sua voz saindo cheia de convicção e profissionalismo.
- Temos que falar sobre o nosso futuro como.... Os Vingadores.
Steve não conseguiu evitar a exclamação que escapou de seus lábios ao ouvir aquelas palavras. A incredulidade tomou conta de seu semblante e nem Bucky a seu lado, olhando com uma súplica iminente foi capaz de repreendê-lo.
- O que você quer dizer com isso? – foi Sam quem proferiu a pergunta.
- O que a Natasha quer dizer, é que o fato de vocês estarem fugindo, não os torna menos heróis do que aqueles que foram registrados – Maria explicou.
- Vocês não são criminosos – Natasha falou e logo depois se corrigiu – Nós não somos.
- Disso a gente já sabe – Wanda se inclinou também, numa pose um tanto defensiva – Aonde exatamente você quer chegar com essa história de futuro?
- Ela quer dizer que nós nos escondemos por tempo demais. Que está na hora de voltar a ação – Clint foi o primeiro a constatar o que estava escrito nas palavras mascaradas que haviam sido ditas, seu olhar desafiador se cruzando com os de Natasha – Não é isso?
- Você só pode estar de brincadeira – Scott exclamou, uma risada perplexa escapando de seus lábios.
- Você está sugerindo que nós... que nós devemos sair por aí salvando pessoas que nos abominam? – Sam indagou.
- Elas não abominam vocês – Natasha se apressou em dizer – Elas apenas estão com medo, porque não entendem o motivo de vocês não terem se registrado como os outros.
- Bem, se me derem um microfone e uma câmera, eu ficarei muito feliz em explicar para o mundo inteiro o motivo que me impediu de assinar aquele Acordo estúpido – Clint tinha uma amargura em sua voz, que fez T’Challa suspirar exausto.
Ele, Steve e Bucky, haviam sido os únicos a não se pronunciar. Os dois últimos em especial, por estarem terminantemente presos em seu desespero inevitável. A mera sugestão de voltar à ativa aterrorizando ambos, obviamente.
- Vocês não estão entendendo. O mundo precisa de nós. As coisas estão acontecendo exatamente como Steve havia previsto – Maria apontou para o Capitão com a cabeça e todos viraram para olhá-lo imediatamente, porém ele permaneceu estático, a confusão tomando seus traços.
- Ele disse que isso iria acontecer. Que o governo nos mandaria para lugares onde as pessoas não precisariam realmente de nós. Que precisaríamos ir para lugares onde o governo não acha que deveríamos – Natasha aparentava estar em um mundo só dela, falando mecanicamente e consigo mesma – Era sobre isso que queríamos falar com vocês quando chegamos. Lá fora, os Acordos transformaram os super-heróis em um grande Reality Show de aberrações.
Até Bucky passou a observá-la, a curiosidade encobrindo seu medo.
- Crimes e atentados, são uma grande oportunidade para o Homem de Ferro e seus seguidores mostrarem para as câmeras como amam e obedecem ao governo. Tudo o que falta, é o Secretário de Estado chegar e dar um tapinha na cabeça de seus cãozinhos por serem tão obedientes – ela deu uma risada irônica para prosseguir – Quem não está aplaudindo o grande avanço do Acordo, está nas ruas, em furgões blindados, caçando heróis ainda desconhecidos que se recusam a assinar os papéis e se registrar. Claro que eles não televisionam isso, mas virou um jogo para todos eles. Tirar gatos de árvores e impedir roubos de bancos, é para isso que servimos agora. Nada mais. Ninguém quer Os Vingadores salvando aviões se eles não estão registrados no maldito sistema.
- Eles estão... caçando os outros de nós? – Wanda perguntou com a voz baixa, carregada de horror.
- Sim, um a um. Os que se recusam a assinar, eles estão jogando na prisão balsa, que caso vocês não saibam, está funcionando a todo vapor – Maria informou, um olhar de pesar tomando conta de seu rosto.
- Isso é o de menos se você for pensar que existem tantas coisas horríveis acontecendo por aí, as quais passam despercebidas enquanto o governo faz sua propaganda de domador de super-heróis – Natasha falou, soando ligeiramente magoada.
- Temos que agir.
As cabeças dos presentes, até mesmo de T’Challa se viraram imediatamente na direção de Steve. As três palavras saíram de sua boca em meio a um sussurro, ele mantinha os olhos baixos, olhando seu reflexo distorcido na mesa. Algo em seu semblante dizia que o que quer que Natasha havia dito, o afetara de verdade. Bucky quis alcançá-lo com sua mão, confortar aquela expressão dura que tomara lugar no rosto de Steve, mas se conteve ao ver que ele estava prestes a falar novamente.
- Temos que voltar lá para fora. Agir em segredo e proteger essas pessoas – Steve vestiu aquele tom imponente e decisivo que há muito não via necessidade em usar – Vocês estão certas, temos que voltar a ser Os Vingadores.



N/A: JESUS AMADO!!! Desculpa a demora, eu estava na minha semana de provas e sem tempo nem para respirar. Foi mal MESMO. Mas então né, esse capítulo ficou grande e sem sentido, porque não aconteceu nada muito importante, poréeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem, contudo e todavia, eu vou confessar que AMO de paixão essa relação pai e filha entre a Wanda e o Clint, por isso achei necessário colocar isso aqui.
Also, essa história dos Vingadores Secretos que me agrada muito mesmo, ainda mais por toda essa pauta de Guerra Civil e tal (não vou entrar nisso aqui, prometo).
Enfim, acho que tem coisa boa e interessante vindo por aí, who knows.
Até o próximo capítulo e e e... desculpa pela demora de novo.

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