Capítulo 11 - Catch Fire

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"I will fight to fix up and get things right, I can't change the world but maybe I'll change your mind..."

Steve não era capaz de mover um músculo sequer. O mecanismo que puxava ar para os pulmões, fazendo seu sistema trabalhar, havia entrado em pane. Seus olhos ardiam por estarem arregalados há um certo tempo, as mãos caídas ao lado do corpo e a boca aberta, eram um claro sinal de que ele estava em choque.
Não entendia, não conseguia processar o que acabara de acontecer. Sua mente se mostrava totalmente anuviada, um borrão completo de imagens e confusão.
Como era possível que aquilo tivesse realmente acontecido? pensou. Devia ser um truque de seu cérebro exausto, algo que não tinha outra explicação senão ter sido um sonho muito, muito confuso.
Mas só que não fora. Aquilo que mal conseguia se obrigar a pensar havia realmente acontecido.
Aos poucos a compreensão foi tomando o lugar da surpresa que o arrebatou, suas pernas fraquejaram violentamente e ele tomou apoio no veículo mais próximo. Com os pensamentos ele teria que lidar, mas seu coração o impedia de se mover. Estava completa e encarecidamente tomado por todos os sentimentos que nunca achou que dirigiria a Bucky. Humilhação, vergonha, surpresa misturada com o que ele pensou ser pânico, não podendo esquecer claro da confusão iminente sobre o motivo daquilo ter acontecido.
O pior, era a culpa que queimava suas entranhas por ter deixado que o outro fugisse daquela maneira, sem nem se dignar a pará-lo e obter uma explicação. Deixara Bucky fugir com o rosto retorcido pela mágoa e o horror.
Parado ali, inutilmente respirando e expirando, encarando o vazio, Steve não sabia como se mexer, enquanto os lábios ainda formigavam pela sensação da boca que o tacara minutos atrás.



Quando bateu a porta, o baque ecoou por todos os instrumentos metálicos do ambiente, provocando um zunido prolongado em seu cérebro. Bucky estava cego pelas lágrimas e pela tontura repentina, portanto teve que tatear o caminho até a maca mais próxima. No percurso, derrubou uma das mesas, o barulho entrando por suas orelhas e corroendo as têmporas. Ele travou a mandíbula, segurando um grito de agonia. Se fizesse algum outro som exagerado, não iria demorar para descobrirem onde ele havia se escondido.
O colchão por baixo de seu corpo parecia uma nuvem, ao puxar a cortina para se fechar do restante do mundo, ele cruzou as pernas em posição de índio e enterrou o rosto nas mãos.
Não se lembrava de já ter se sentido tão consternado em toda sua vida e ao mesmo tempo incapaz de extravasar esse sentimento, por estar tomado por tanta humilhação.
Por que diabos fizera aquilo? Por que havia sido tão estúpido?
Odiava o fato das lágrimas estarem rolando por seus olhos sem que ele sequer notasse, aquilo só contribuindo para que se sentisse o ser mais patético do mundo todo. Não devia conhecer aquelas sensações, não devia estar com o coração apertado e dolorido, sua garganta não devia estar embargada e cabeça girando com o desespero.
Havia sido treinado e programado durante anos para ser um corpo inabitável de coisas tão ridiculamente banais. Steve tinha desencadeado tudo aquilo, toda a confusão e enxurrada de sentimentos inexplicáveis. Ele era a razão pela qual Bucky não conseguia discernir o certo do errado, os limites de obviamente não devia ultrapassar.
O resultado era ter que arcar com as consequências de suas ações imprudentes.
Porém, no meio de toda a avalanche de coisas ruins, ele não achou culpa dentro de si. Estava com o coração e o sangue limpos de qualquer sentimento de trapaça, qualquer possibilidade que existisse de ter se aproveitado da situação e da total alienação de Steve em relação às suas vontades. Havia agido por impulso, como se suas células, cada uma delas, se movesse em direção ao outro, porque não conseguiam ficar separadas.
Levantou o rosto lentamente, tomado pela claridade do dia que entrava pelas enormes janelas. Enxugou os olhos com a costa da mão humana, suas írises focadas nas folhas verdes que cobriam as montanhas do lado de fora e no movimento que elas faziam ao serem atingidas pelo vento impiedoso.
Como era ridículo estar ali, onde claramente não seria mais bem vindo. Preso por fechaduras e portas de aço, num lugar do qual não parecia haver escapatória.
Com o passar dos segundos, a dor lancinante foi deixando seu coração e uma enorme decepção tomou seu lugar, a cabeça não doía tanto, adormecida pela triste verdade.
Tinha estragado tudo. Tinha estragado a única chance que tinha de recuperar seu melhor amigo e sabia, em seu âmago, que não poderia consertar aquilo.



- Alguém sabe me dizer onde estão o Sr. Barnes e o Capitão?
A tempestade ainda fazia alarde do lado de fora da mansão, mas a sala onde se encontravam abafava qualquer som exterior. Podia ser considerado como algo relaxante, ver as gotas de chuva batendo no vidro grosso e escorrendo lentamente, as nuvens cinzas encobrindo boa parte das montanhas verdes. Não naquele momento.
- Não faço a menor ideia, era para eles terem vindo logo atrás da gente - Natasha torceu o nariz, como se um mal cheiro estivesse a incomodando, os braços cruzados no peito e a posa ereta, demonstrando que algo no ambiente não lhe era bem-vindo.
Claro que todos sabiam o que era.
Uma das muitas salas que T'Challa não utilizava, agora servia como uma espécie de sala de interrogatório. Uma cadeira de metal, crua e gelada, fora disposta no meio do carpete perfeitamente branco e o recém capturado "invasor", estava sentado ali, mãos e pernas atados.
O mais próximo dele era Clint, que encostado em uma pequena estante, permanecia segurando o arco e flecha, mesmo que apontando para o chão, numa pose defensiva. Sabia que não era o único ali que achava o comportamento do prisioneiro um tanto atípico.
Além dos detalhes básicos que já haviam assimilado, como a postura militar, a roupa incrivelmente grossa e impecável, o corte de cabelo cirúrgico e a pele branca sem marca alguma, algo a mais se destacava. Quase como se fosse um robô, seus olhos permaneciam vidrados num ponto invisível que não abrangia nenhum dos presentes. Era como se tivessem desligado suas funções e ele estivesse adormecido. Maria arriscou-se em dizer que podia ser um androide, mas Natasha conseguiu identificar uma respiração, quase imperceptível.
- Não podemos ficar esperando por eles - T'Challa demandou e deu um passo à frente de onde estava, perto de uma das amplas janelas. A sala em que se encontravam tinha um grande espelho que dava para o corredor, o que servia para quem estava do lado de fora, poder ver o que se passava dentro - Se o resto de vocês quiser esperar lá fora...
- Vamos ficar - quem falou foi Wanda, mesmo permanecendo há uma certa distância, tinha sua atenção voltada completamente para o forasteiro.
Clint perdeu a pose de vigia por um breve segundo ao ouvir a voz dela, seus olhos indo em sua direção, procurando qualquer sinal de desespero ou que iria haver uma fuga iminente. Ao invés disso, encontrou algo semelhante a resignação. Ela não ia sair dali, fosse por orgulho ou curiosidade e ele ficou feliz de ver o quanto a amiga havia evoluído.
- Ótimo - T'Challa não olhava mais para os companheiros e sim para o corpo quase sem vida a sua frente - Quem é você?
Sua perguntou ecoou pelas quatro paredes da sala, batendo nos vidros temperados e entrando na cabeça dos Vingadores. Contudo, não pareceu surtir nenhum efeito em quem deveria.
- Não costumo ter paciência para perguntar a mesma coisa muitas vezes. Se não colaborar conosco, podemos te obrigar.
- Podemos? - Scott sussurrou para si mesmo, mas devido a acústica perfeita do ambiente, todos ouviram.
- Usar de tortura com um objeto semi-inanimado não vai me impedir de dormir à noite - Natasha se encontrava prostrada ao lado de T'Challa, os braços fortemente cruzados mostrando o quanto estava se contendo.
- Talvez não, mas não nos faz melhor do que ele, certo? - Scott rebateu e a Viúva Negra virou o pescoço minimamente para poder lhe lançar um olhar endurecido.
- Vou fingir que não disse isso - ela sibilou.
- Chega! - T'Challa os repreendeu sem tirar os olhos do prisioneiro, que aparentemente estava alheio à cena que se desenrolava - Foquem a energia de vocês em descobrir uma forma de fazê-lo falar.
Maria Hill se aproximou sorrateiramente, a atenção focada nos métodos que havia aprendido ao longo dos anos. Fosse com Fury ou qualquer outro superior, tinha escutado inúmeras vezes que o melhor jeito de arrancar informações não chegava a ser através de tortura e sim de insistência. Perseverar na mesma pergunta várias e várias vezes, podia soar irritante e inútil para a maioria das pessoas. Mas uma pequena mudança no tom de voz, na abordagem e na resistência, tinham a capacidade de fazer quase qualquer um ceder.
- Quem é você e o que quer? - a pergunta saiu firme e convicta, como uma ordem. Ninguém se atrevia a respirar quando o sujeito levantou os olhos quase mecânicos para encará-la. Até a própria Maria ficou surpresa, mas se conteve para não deixar transparecer.
Ele não disse absolutamente nada, o olhar mecânico focado em apenas um ponto no rosto da mulher a sua frente. A mudança foi mínima, mas ainda assim eles puderam notar como a testa dele pareceu enrugar levemente, unindo as sobrancelhas por um milímetro, uma expressão de dúvida, de alguém que está intrigado. O restante do rosto permaneceu impassível e assim ele ficou. Concentrado no que quer que fosse que Maria havia despertado em seu estado vegetativo.
- Bom, isso foi um avanço, certo? - Clint comentou mantendo a pose o semblante sérios.
- Duvido muito. Tudo que conseguimos foi uma mudança facial praticamente imperceptível - T'Challa cruzou os braços ainda cobertos pelo traje do Pantera e tocou o queixo com uma das garras. Estava pensando, procurando alguma estratégia ou caminho pelo qual sua mente ainda não tinha viajado.
- Significa que estamos chegando perto de arrancar alguma coisa dele - Sam falou depois de muito tempo em silêncio, pela sua aparência os outros sabiam que estava perdido em suas próprias preocupações.
- Não necessariamente - Natasha eliminou a pouca distância e se pôs na frente de Maria, os ombros curvados para a frente sutilmente, os olhos estreitos e um sorriso convencido foram dirigidos especialmente para o invasor - Мы знаем, что вы Гидра, но не роботы, они должны быть хорошо обучены, чтобы выглядеть как они. Чего они хотят с нами? Почему именно здесь? "Sabemos que vocês são da Hidra, mas não são robôs, então devem ser bem treinados para parecer que são. O que querem conosco? Por que vieram até aqui?"
Todos se surpreenderam ao ver que, quando Natasha usou de outro idioma para falar com ele, o homem - se podiam chamá-lo assim - se virou imediatamente. Foi como se algum botão tivesse sido ligado dentro dele, algum mecanismo ativado e agora ele estivesse prestando total atenção. Não causou nenhuma alteração em sua postura ereta ou na simetria de sua face, mas os olhos negros e vazios pareciam suplicar para que ela continuasse falando.
- O que você está dizendo? - Scott sussurrou, mas Wanda fez um sinal para ele ficar quieto.
- Ответьте на вопрос. "Responda a pergunta" - Natasha falou novamente, abandonando o sorriso e demonstrando seriedade.
Porém, um a um, eles foram percebendo que o momento havia passado. Natasha, numa tentativa de blefar e obter respostas, agora não podia dizer se fora o uso da palavra Hidra ou o fato de estar falando em Russo, que havia desencadeado aquela reação.
- Если вы не ответите охотно, мы можем заставить его. "Se não responder por vontade própria, podemos obrigá-lo."
Mas embora o resultado tenha sido um salto diante do que haviam conseguido até aquele momento, o invasor não estava mais disposto a colaborar. Seu rosto ficara congelado naquela expressão de dúvida que as palavras de Natasha tinham formado.
- De certa forma sabemos que o seu blefe funcionou - Clint murmurou soando mais mal humorado do que antes.
- Isso é ridículo. Qual o sentido de tê-lo aqui, se não vamos descobrir nada? - Sam disse, indo lentamente em direção a saída.
- Alguém pode tentar buscá-lo - Wanda respondeu.
- De qualquer forma, fizemos um progresso. Vamos mantê-lo aprisionado, enquanto pensamos no que fazer a seguir - T'Challa fez um sinal para deixarem aquilo de lado e ao caminhar para fora da sala, acrescentou: - Devemos descansar para depois resolver o que fazer. Ninguém está em condições de argumentar.
Os outros, em silêncio, trataram de segui-lo para fora do recinto, contudo pararam bruscamente em seus movimentos, quando uma voz que não pertencia a nenhum dos heróis, áspera e monótona, partiu da figura na cadeira de ferro:
- Я буду говорить только к солдату.
Seis pares de olhos viraram ao mesmo tempo para encara-lo, mas nada havia se alterado. A fala viera claramente dele e como um robô obediente, ele se desligara de novo.
- O que foi isso? O que ele disse, Srta. Romanoff?
Algo que não era muito comum na visão de ninguém que a conhecesse superficialmente, estava acontecendo ali. Natasha parecia um tanto hesitante, um quê de medo brilhava em suas írises. Deixou a triste constatação se alastrar por suas veias, ao responder a pergunta estampada no rosto de todos os amigos, mesmo tendo sido T'Challa a se pronunciar:
- Ele disse: "Falarei somente com o soldado".


As horas pareciam passar mais devagar dentro da mansão, isso Maria havia descoberto rapidamente. Talvez fossem as paredes cruas e o chão gelado, a paisagem lá fora que nunca mudava ou a falta do que fazer na maior parte do tempo. Na primeira vez que entrara ali, obrigara sua mente a registrar o lugar como uma espécie de "bunker". Apenas um refúgio no qual poderia esperar pelo próximo passo.
No entanto, por conta dos eventos recentes e de um ataque num local que todos julgavam ser extremamente seguro, ela desconfiava que ninguém sabia qual seria o próximo passo. Não esperava ordens ou tarefas, mas com certeza a completa falta de apoio e liberdade, começava a se tornar sufocante.
Eles não tinham o que fazer ou pra onde ir, porque ninguém queria eles em lugar nenhum. Atrás das grades, talvez.
Ser uma fugitiva da lei podia ser insuportavelmente angustiante, mesmo estando do lado certo.
- Desculpe-me por fazê-la esperar.
A porta fez um clique quando T'Challa a fechou, isolando os dois na sala de reuniões.
Maria que se encontrava parada perto de uma das janelas, os braços cruzados, já vestida com uma roupa casual, apenas deu de ombros e ficou esperando que ele dissesse alguma coisa.
A Alteza não parecia estar minimamente abalada com o que havia acontecido. A única indicação de sua habitual "seriedade", era a calça social, que vinha acompanhada de uma camiseta simples.
- É incrível como essa casa pode ser silenciosa, mesmo estando cheia de outras pessoas - ele se encaminhou para o assento na cabeceira da mesa e acomodando-se, um sorriso convidativo indicando para que ela fizesse o mesmo.
- Estou bem aqui - respondeu e olhou de forma a mostrar que estava prestando atenção.
O jeito distante e profissional não enganava T'Challa, que conseguia ver nitidamente a inquietação estampada em seus gestos rígidos. Maria procurava ser forte e estar sempre de prontidão, afinal esse era seu trabalho, mas ninguém era capaz de esconder os verdadeiros sentimentos por muito tempo.
- Pois bem, você disse que queria falar comigo, sou todo ouvidos - T'Challa cruzou as mãos em cima do tampo gelado de vidro, se inclinando levemente para frente.
- O que eu quero realmente saber é, onde vamos manter o "prisioneiro"? - ela descruzou os braços brevemente para fazer as aspas com os dedos, logo voltando a posição original.
- Posso saber o motivo de sua preocupação?
- Não sei o que esperamos que aconteça, mas mantê-lo aqui parece perigoso. Ele claramente não vai falar com alguém que não seja Bucky e sabe lá Deus o que ele pode fazer daqui de dentro.
- Ele não pode fazer nada, Srta. Hill, por isso está preso - a voz de T'Challa veio carregada de uma complacência controlada - E quanto ao que compete ao Sr. Barnes, não acredito que ele está apto para lidar com um interrogatório agora. Muito menos se ele for o interrogador.
- Precisamos dele. Entendo que esteja passando por uma situação delicada, mas se sua presença for necessária para extrair informações do inimigo, creio que aceitaria de bom grado.
Maria não gostava muito do olhar das pessoas quando falava aquilo que elas precisavam ouvir. Havia aprendido a lidar com isso, com a mandíbula travada, o olhar endurecido e a respiração pesada. Nem todos concordavam com aquilo que devia ser feito, mas ela sabia que por mais doloroso e torturante que fosse, era para um bem maior. O bem de todos.
- Acho que concordamos que a saúde física e mental do Sr. Barnes, não diz respeito somente a ele.
- Bucky é grande o bastante pra decidir o que fazer, sem pedir permissão a ninguém - Maria tentou manter o tom calmo, sabendo a que o outro se referia.
- Me arrisco em dizer que o Capitão seria um escudo humano muito difícil de penetrar. Acredite, já tentei chegar ao Sr. Barnes e passar pelo amigo não é fácil. Mas não é só isso - T'Challa se recostou no material macio da cadeira, um suspiro cansado escapando de seus lábios - Duvido muito que o nosso prisioneiro queira ter uma conversa amigável sobre o tempo com Bucky. Muito provavelmente, ele foi o motivo da invasão e não para bater um papo.
Quando ela ia responder, uma batida na porta chamou a atenção dos dois. Não foi surpresa que ao "pode entrar" de T'Challa, fosse Steve a aparecer no arco que os separava do resto da mansão.
- Ah, Capitão...
Não passou despercebido pelos dois que já estavam na sala a expressão no rosto dele. Tinha ensaiado antes de entrar, respirado fundo cinco vezes e forçado o sorriso mais apropriado diante da situação em que todos se encontravam. Mas o que acontecera a ele pessoalmente não parava de dançar na frente de seus olhos e cutucar seus pensamentos. Todas as vezes que tentara pensar em outra coisa, o rosto de Bucky deformado pela mágoa aparecia em sua mente e ele sabia que a própria expressão era de total desolação.
- Desculpem o atraso - Steve pigarreou, ao fechar a porta atrás de si. Tomou um lugar qualquer na mesa, onde podia olhar para Maria Hill em pé e T'Challa em seu posto usual - Estava... bom, acredito que no dia de hoje não seja preciso inventar nenhuma desculpa.
- Nós entendemos perfeitamente, Steve. Não precisa se preocupar - Maria esboçou um sorriso fraco, que logo se desfez ao perguntar: - E Bucky?
Por mais ridículo que pudesse parecer, ouvir o nome dele ser pronunciado em voz alta levou uma onda de choque e culpa por todo seu corpo, fazendo-o escapar do disfarce momentaneamente.
- Não... não sei, acho que está no quarto - se amaldiçoou internamente por ter soado tão falso.
- Deixe-o descansar. De todos nós, ele deve ter sido o mais afetado pelo ataque - T'Challa comentou, assentindo na direção do Capitão.
- E o invasor? - perguntou Steve, ansioso por mudar de assunto.
- Estamos mantendo-o prisioneiro, numa área da mansão que não será alcançada tão facilmente. Em relação a bagunça no estacionamento... meus homens estão resolvendo agora mesmo - a explicação de T'Challa parecia ter sido ensaiada, como se já tivesse repetido as mesmas palavras várias e várias vezes.
Steve concordou lentamente, seus olhos desviando para as mãos nervosamente cruzadas no colo. Havia ido até o quarto para substituir o uniforme do Capitão América por roupas comuns. Contudo, sentia-se extremamente sufocado pela calça jeans e camiseta branca. Uma sensação forte de gritar e rasgar as peças, indicava a frustração que tentava dominá-lo.
- Como pode ver está tudo sob controle - a fala de Maria chamou a atenção de Steve, que levantou os olhos um pouco desolados e a viu trocar um olhar hesitante com T'Challa - Mas...
- Mas o que? - Steve incentivou, observando como a face dela se moldava em algo bem próximo de pena. Seu peito de repente ficou ainda mais apertado do que estava há alguns minutos.
- Mas nós não conseguimos arrancar nada dele, nenhuma informação útil ou que nos ajudasse a descobrir de onde veio - T'Challa tinha a aparência de um pai que tentava controlar as palavras de seu filho na frente de outras pessoas. Maria não gostou da interrupção, pela maneira que o encarou - A Srta. Romanoff, através de um blefe bem elaborado, conseguiu arrancar uma mínima reação dele ao se referir a Hidra.
Steve não ficou surpreso, estando acostumado a ter todas as coisas ruins de sua vida relacionadas à organização. Porém, bastou um rápido olhar para os amigos e ele percebeu que não era só aquilo.
- O que mais? - sua voz saiu rouca, afetada pelo medo de descobrir o que eles estavam escondendo.
Maria respirou fundo, o peito prensado pelos braços cruzados, subiu e desceu antes de falar:
- Acontece que o blefe de Natasha não foi totalmente em vão. Ela conseguiu arrancar algo útil dele sim - uma última olhada na direção de T'Challa foi o que ela precisou para completar - Ele respondeu, em Russo, que só falaria com o soldado.
Se seu coração estava apertado, a garganta arranhada e o corpo anestesiado por todos os tipos de emoções conflitantes, nada disso se comparava ao pesar esmagador que atingiu Steve em cheio. "De novo não, por favor, de novo não", foram as palavras que explodiram em sua mente ao assimilar o que Maria havia dito.
Claro que não esperava uma grande reunião para descobrir a quem o invasor se referia. Era tão ridiculamente óbvio que Steve não conseguia se forçar a ficar bravo, só sentia tristeza e ansiedade, um leve sentimento de impotência que há muito tempo não experimentava.
O instinto que era inteiramente reservado a Bucky tomou espaço, empurrando violentamente pro lado as outras sensações. Não importava se estava chateado com o amigo, se estava confuso ou até se estava assustado de pensar na próxima vez que iria vê-lo. Tudo agora se resumia à sua proteção.
- Nós pensamos que... bem, eu cheguei à conclusão de que Bucky não iria negar ajuda para... - a fala de Maria muito bem elaborada e carregada de compreensão, foi cortada bruscamente.
- De jeito nenhum! - Steve imediatamente sentou de forma mais ereta, a indignação tomando conta de seus traços faciais, uma das mãos espalmadas na mesa - Não podem estar falando sério!
Nenhum deles pareceu minimamente assustado com sua mudança de humor repentina. Pelo contrário, T'Challa deixou um sorriso compreensivo se espalhar por seus lábios, alternando seu olhar entre Steve e Maria.
- O que foi? - perguntou o Capitão, sabendo que soava hostil, mas não se importou - Não estão achando que simplesmente vou deixar usarem ele dessa maneira, ou estão?
- Steve, nós entendemos sua preocupação, mas ele já é bem grandinho pra precisar que você diga o que ele pode ou não fazer! - Maria falou de forma rápida e convicta, não deixando espaços para Steve a interromper novamente.
Todavia, ele estava indignado demais para formular uma sentença. Não acreditava que seus amigos estivessem sugerindo algo daquele tipo. Simplesmente não era capaz de assimilar o fato de que estavam dispostos a colocar Bucky naquela situação. Justo Bucky que estava passando por um trauma mais complexo do que qualquer um ali podia imaginar. Ele que passava por sessões de terapia, treinamentos intensivos e crises de adaptação que nem mesmo os médicos foram capazes de explicar. Como podiam esperar que ficar frente a frente com algo tão instável e perigoso, não fosse fazer um mal imensurável para ele?
- Você o trata como um bebê.
A fala de T'Challa não pareceu uma acusação e sim uma afirmação, como um conselho de alguém que não espera nada além de um "obrigado por se importar". Steve não achou em si a capacidade para dizer aquilo, mesmo sabendo que era verdade. Bucky era um homem adulto, traumatizado ou não, com memória ou sem, ele era capaz de andar com as próprias pernas e se cuidar sozinha. Sabia até que, provavelmente, ele iria querer mesmo ajudar, se contassem a verdade. Mas não havia discussão quando o assunto era proteger um ao outro acima de tudo. Podia não se lembrar dele, de todos os momentos e das vezes em que o bem estar de Steve fora sua única prioridade e ainda sim, Steve sentia quanto estava perto dele aquele instinto protetor. A necessidade de se colocar na frente ou ao lado, nunca atrás ou longe demais que não pudesse intervir em situações como essa. Era mais forte que ele e qualquer esforço que não estava disposto a fazer.
- Eu não o trato como um bebê. Mas vocês sabem que isso é irracional, pelo menos por enquanto. Bucky passou por muita coisa recentemente, não podemos colocá-lo numa sala com alguém que tentou matar a todos nós, só para conseguir respostas - avaliou a reação dos outros diante de suas palavras e sem esperar por interrupções, continuou: - Ele não sabe disso ainda, sabe?
Tentou ignorar o notável crescimento da culpa dentro do peito, por ter passado boa parte do dia dentro do quarto, se escondendo do amigo que agora tinha que proteger.
- Não, vocês dois desapareceram após o ataque - Maria comentou, sem desconfiança ou questionamento. No momento estava mais concentrada em achar uma argumento para contradizer Steve - Mas acho que até você concorda que ele deve saber.
- Sim, mas não agora - o tom estava o mais calmo e controlado que era possível, por mais que Steve estivesse tomado por exasperação - Podem esperar até amanhã? Vocês falaram que o prisioneiro está contido. Eu... - sua garganta de repente ficou seca demais, o desespero para sair dali voltando com tudo - Eu falo com ele.
Os dois entenderam que não havia o que discutir. Não seria de outro jeito, não quando o assunto era Steve e Bucky. O mundo tinha descoberto isso da pior maneira.
T'Challa apenas assentiu e Maria desviou o olhar para a janela, procurando esconder a resignação em seu rosto. Steve entendeu aquilo como um aviso e se levantou sem dizer mais nada. Se acha que sua vida estava complicada, em um dia percebeu como não podia estar mais enganado.


A noite chegou sorrateira e lentamente, minguando a luz fraca do dia e substituindo por um breu inquietante. As folhas nas copas das árvores não balançavam, o que indicava a falta do vento. Também não havia nuvens no céu ou estrelas. Quase como uma projeção, uma paisagem artificial do lado de fora da janela do quarto de Wanda.
Ela estava sentada na beira da cama, os pés descalços tocando o chão gelado, os cotovelos apoiados nas coxas e o cabelo desajeitadamente moldado em um coque. O uniforme havia sido substituído por um pijama qualquer, mesmo não estando com sono.
- Sei que provavelmente vai me bater por perguntar, mas está tudo bem?
Clint se encontrava parado na soleira da porta que ela havia esquecido de fechar. O visual casual acompanhado por um sorriso hesitante, os braços cruzados no peito.
- Está certo. Eu vou te bater - Wanda respondeu virando-se pra ele, fingindo uma cara de brava que o fez rir.
- Não me culpe por me preocupar - Clint deu de ombros e adentrou o quarto, sentando-se na cama ao lado dela.
- Eu não o culpo, mas já lhe disse milhões de vezes que não sou mais a garota ingênua que conheceu em Sokóvia - lançando pra ele um olhar repreensivo, Wanda se obrigou a sorrir um pouco, acolhendo o braço que Clint passou por seu ombro.
Por mais que fosse forte e tivesse certeza absoluta disso, não podia negar que se sentia confortável com o instinto paternal que ele direcionava a ela. Era bom poder contar com aquele tipo de atenção e de apoio, quando sentia tanta falta do irmão.
- Não é por você ser criança. Por mais que eu tenha uma certa idade...
- ... uma certa idade? - Wanda levantou uma sobrancelha inquisidora, mesmo que ele não pudesse ver.
- Sim, não muita, mas uma certa idade - Clint colocou ênfase na palavra "certa" e depois soltou uma risada cansada - Também fiquei assustado. Assustado de pensar que cheguei a achar que esse lugar fosse seguro.
- Não existe tal coisa - Wanda falou em voz alta o que vinha pensando há muito tempo, que tirava seu sono e boa parte de sua paz - Vão nos encontrar independentemente de onde tentemos nos esconder.
- Eu queria muito poder discordar disso, mas esse ataque só serviu para confirmar minhas suspeitas - os olhos de Clint percorriam os desenhos de um dos muitos quadros no quarto de Wanda. Formas geométricas, paisagens artificiais e pessoas sem rostos. Pra ele aquele ambiente tinha muita informação, mas parecia acalmá-la.
- Quanto tempo acha que temos? - Wanda se inclinou para o lado, deitando a bochecha no ombro malhado de Clint, esquecendo de toda a distância segura e papel de durona que deveria estar fazendo.
- Não sei. Eu diria que não mais do que uma semana, talvez duas.
- Por algum motivo esquisito, eu não estava preparada pra isso. Passamos tempo demais aqui, fugir agora soa assustador demais...
Ele não respondeu por longos minutos, até perceber que ela havia adormecido naquela posição. A respiração quase imperceptível, o rosto angelical completamente passivo. Não sabia o que ela estava sonhando e torceu para que não fossem pesadelos.
Por medo de sair dali e acabar arruinando o sonho de Wanda, Clint esperou no silêncio do quarto escuro até poder deitá-la sem risco. Pensou em acordá-la para jantar alegando que não faria bem ficar escondida ali e que os provavelmente teriam muito que discutir. Mas escolhei deixar com que pelo menos alguém tivesse um pouco de paz momentânea.




- Vai logo, chuta de verdade!
Sam entrou na sala de treinamento, se deparando com uma cena um tanto curiosa. As luzes estavam apagadas, toda a iluminação do ambiente provendo do brilho da lua que entrava pelas janelas. No tatame, Natasha usava roupas apertadas de treino, o cabelo amarrado com alguns fios soltos pelo esforço, os pés dançando ao desviar dos golpes de Scott. Ele, por sua vez, vestia apenas uma calça de moletom, descalço e suando por todas as partes visíveis do corpo.
- Estou chutando de verdade - resmungou ofegante, dando um soco sem esperança que Natasha bloqueou facilmente com a mão esquerda.
- De novo - ela ordenou e se afastou para poder deixá-lo respirar.
Entrando em um dos filetes de luz para poder ser visto, Sam cruzou os braços e sorriu abertamente.
- Que bom ver que alguém está se divertindo.
Os dois amigos viraram ao mesmo tempo para encarar o recém-chegado. Natasha, como sempre, demonstrou uma expressão presunçosa, levantando uma sobrancelha para o modo como Sam parecia achar aquilo engraçado. Scott aproveitou para dar de ombros e se jogou sentado no chão confortável.
- Eu não lembro de dizer que podia descansar - Natasha fingiu o repreender, mas apenas rolou os olhos, sentando ao seu lado. Bateu no espaço a sua frente, convidando Sam a se juntar a eles.
- Há quanto tempo estão aqui? - ele perguntou, cruzando as pernas em posição de índio.
- Algumas horas - Scott esclareceu, soando despreocupado - Pareceu um desperdício não aproveitar a injeção de adrenalina que recebemos hoje de manhã.
Sam analisou o argumento e descobriu que não tinha como discordar. Após tanto tempo sem nada para fazer, presos numa rotina incessante de levantar, viver e dormir, o ataque, por mais maléfico que possa ter sido, serviu para lembrá-los do que deviam estar fazendo lá fora.
- E quem melhor do que eu para dar uma canseira nele? - Natasha lançou um olhar sarcástico para Sam, antes de receber uma cutucada amigável de Scott.
- Não sei vocês, mas eu bem que precisava de uma noite de sono - comentou Sam, recebendo gestos de concordância em resposta.
- Acredite, eu tentei. Mas é impossível pregar os olhos com o tanto de coisas que precisamos pensar - Natasha resmungou revirando os olhos, como se fosse a milésima vez que estivesse dizendo aquilo.
- Não acho que precisamos pensar - falou Scott - Precisamos agir. De preferência longe daqui, o mais longe possível.
- Por que? - questionou Sam - Fugir e nos esconder em outro lugar não vai adiantar de nada.
- Se a Hidra nos encontrou aqui, podem nos encontrar em qualquer lugar. Mas isso não era nenhuma novidade - Natasha constatou dobrando as pernas novamente.
- Não se nos separarmos e ficarmos mudando sempre de lugar - Scott sugeriu, mesmo não parecendo muito confiante do que estava dizendo.
- Você ouviu o que elas e o Capitão disseram, se vamos voltar à ativa, não podemos nos separar - Sam manteve a voz paciente, embora seu olhar fosse duro.
- Juntos somos mais fortes - Natasha murmurou, mal mexendo os lábios, não querendo que os outros ouvissem o que havia dito.
Mas Scott ouviu e resmungou em resposta antes de se levantar:
- E juntos somos mais fáceis de achar.


- Você não vai comer?
O tilintar dos garfos pareceu ficar mais lento e Steve sabia qual o motivo. Seus amigos haviam parado o que estavam fazendo - por mais que a comida de Clint e Natasha estivesse maravilhosa - para prestar atenção na pergunta dirigida à ele. Foi só então que notou estar brincando com o mesmo pedaço de carne há um tempo, não havia tocado no purê ou nos legumes. Suspirou ainda sem levantar os olhos da comida.
- Não estou com fome - sua voz saiu mais áspera e baixa do que pretendia. A exaustão não devia estar só em seu corpo, afinal, seus gestos aparentavam estar lentos e monótonos. Só o movimento de levar o garfo até a boca era doloroso e requisitava uma força que ele não sabia onde encontrar.
- Oi? Depois do que passamos hoje de manhã, vai me dizer que não comeria um leão? - Clint perguntou genuinamente impressionado.
A verdade era que o dia parecia ter mais de vinte e quatro horas na percepção de Steve. Entre o acordar e o momento que se sentara na mesa para comer, ele sentia que haviam passado boas cinquenta horas. Fora de assustado para alerta e a postos, depois era como se houvesse tomado uma injeção de adrenalina e logo viera a surpresa, o horror de ter todo o seu mundo virado de cabeça pra baixo. Agora, ele estava total e completamente entorpecido, cansado de pensar nas mesmas coisas, andar nos mesmos círculos dentro de sua mente. Outra coisa que não ajudava em nada, era o fato de não ter visto Bucky mais. O dia todo. Desde a hora em que ele saíra correndo, Steve não vira nem sua sombra e tinha medo de ir até lá, no quarto onde ele devia estar se escondendo e pedir para vê-lo. O aterrorizava mais do que tudo o quanto precisava disso. O quanto estava disposto a esquecer o havia acontecido, não conversar nunca sobre aquilo e simplesmente pedir para o outro não ficar mais tanto tempo longe de sua visão. Ainda mais pelos motivos que o fizeram se afastar. Não estavam realmente brigados e mesmo assim o estômago de Steve afundava dolorosamente ao imaginar o que Bucky estava pensando dele.
- Steve? - uma mão foi abanada na frente de seu rosto, chamando a atenção para os olhares preocupados que os amigos lançavam pra ele.
- Sim, er... - tentou encontrar a voz no fundo da garganta arranhada, junto com sua habilidade miserável de mentir - Eu não estou com fome mesmo, só acho que... que vou pra cama.
- Espera aí, isso não tem a ver com o que falamos pra você, não é? - Maria descansou o garfo no prato com um estalido, sua expressão dizia que estava falando mais do que sério.
As únicas pessoas não presentes eram Wanda e Bucky, o restante estava concentrado na cena que se desenrolava. Verdade seja dita, ninguém esperava que Steve fosse ser o primeiro a perder o controle, por isso quando ele largou o garfo com mais força do que Maria havia feito, todos se sobressaltaram, até T'Challa.
- Em parte sim, já que eu consigo ver na cara de todos vocês o quanto essa parece ser a única saída - ele cuspiu as palavras como se o fato o ferisse fisicamente.
- Steve, essa é a única saída. Não temos o que fazer, se ele se recusa...
- Ele não tem que se recusar a fazer nada, é um prisioneiro - sua voz cortava o olhar sempre tão compreensivo que carregava.
Steve se impôs de uma maneira que somente o Capitão América conseguia fazer, altivo e convicto, mesmo com a voz elevada não parecia rude e sim certo do que estava falando. Os braços fortes, o tronco extenso e o rosto esguio, eram somente um adendo. Aquele homem na frente deles tinha a liderança correndo nas veias, a diferença se encontrava nos outros que agora pareciam menores.
- É um prisioneiro que não quer colaborar, então podemos fazer o que ele diz e nos beneficiar disso - Sam falava gesticulando com as mãos, como se tentasse propagar as próprias palavras.
- Claro, ele deve ter pensando "ah sim, agora vou ajudá-los" e pediu pra falar com Bucky, porque isso iria ajudar a quem mesmo? - Steve se assustou com a amargura em seu tom, nunca havia sido tão ácido ao falar com o amigo e Sam sentiu as pontadas o atingindo também - Desculpe, eu não... - se apressou em dizer, mas o outro apenas acenou com a mão.
- Já repetimos isso e acho que é bom reforçar. Sabemos o quanto o Bucky significa pra você, Steve, nós sabemos. Mas não é justo colocá-lo acima de tudo, quando precisamos da ajuda dele para o bem de todos.
Alguns dos presentes acenaram em concordância às palavras de Sam. Steve não tomou os gestos como ofensas, embora algo dentro dele tivesse se retorcido. Percebeu imediatamente o que fora. Estava sentindo vergonha. Absoluta vergonha ao constatar que mesmo entendendo o que Sam dissera, não podia e não conseguia imaginar colocar nada acima de Bucky.
- Talvez vocês estejam certos - disse ele - Talvez ele seja necessário e precisemos enfiá-lo na sala com um robô assassino pelo bem maior, mas não agora.
Pelo canto do olho viu que Natasha ia protestar, mas não permitiu.
- Eu disse agora não, Nat. Já havia falado isso para vocês dois - apontou com a cabeça para Maria e T'Challa que mantinham os olhares impassíveis - E como ninguém parece estar satisfeito, vou repetir. Quem vai contar pra ele sou eu e quando eu achar que ele está pronto para receber a notícia.
Steve arrastou a cadeira pra trás sem nenhuma delicadeza e se levantou, o sangue fervendo nas veias fazendo-as pulsar nos braços, pescoço e têmporas com mais intensidade.
- Creio que nenhum de vocês quer presenciar outro ataque igual ao que Zemo provocou.
Sem dizer mais uma palavra, ele deu as costas e saiu da sala. Os passos ecoando até todos terem certeza que ele havia mesmo ido embora.
- Isso foi... - Scott começou, contudo foi incapaz de articular algo explicando o que se passava em sua cabeça.
- Acho que nunca o vi agir dessa maneira - comentou Clint, cruzando os braços em cima da mesa e suspirando. Natasha espelhava seu estado consternado ao falar:
- Ele devia estar se segurando. Steve não explode daquele jeito sem motivo algum.
- Mas tem um motivo. Bucky é o motivo - simplificou T'Challa, se pronunciando pela primeira vez.
- Acredito que nenhum de nós jamais tenha visto Steve se comportando assim, porque nunca o vimos defender algo com tanto afinco como o faz quando o assunto é o Barnes - Sam tinha uma expressão assombrada, tentando encaixar as peças em sua cabeça.
- É estranho, porque durante todos esses anos nós ouvimos histórias sobre como o Capitão América ama sua nação e faria qualquer coisa para proteger o nosso país. - Maria disse.
- Ele nasceu numa época de guerra e seu único objetivo sempre foi proteger o próximo a todo custo, isso não mudou. Mas agora tem muitas outras coisas em jogo - foi a vez de Natasha expressar seus sentimentos - Não podemos ignorar o fato de que nos anos quarenta, Steve perdeu a família e ficou sem nada. Tudo que ele tinha era o Bucky. Foi um trauma perdê-lo para a morte e agora ele o tem de volta. Não acho que nenhum de nós possa imaginar o que isso implica.
- Ele não parece ele mesmo, disso eu sei - comentou Maria.
- Talvez nós só não conheçamos esse lado dele, o lado protetor.
Eles não conseguiam esconder a surpresa ao ver que era Natasha que tentava ser racional, justificando as ações do Capitão.
- Ele deve estar com medo de passar pela mesma situação de setenta anos atrás - continuou ela - Sabe, ser separado tão bruscamente da única coisa que lhe restou.
- Ora e nós não somos nada? - questionou Scott, não parecendo realmente ofendido e sim curioso.
- Não é a mesma coisa, Sr. Lang - foi T'Challa quem interveio, a voz carregada de calma e paciência - É como acreditar veementemente que o Capitão tinha a intenção de levar o Sr. Barnes para as autoridades quando foi até ele em Bucharest. Na verdade, no começo talvez essa fosse sua intenção, mas creio que ele não teria coragem.
- Eu também pensei isso. Assim que conseguimos trazê-lo naquela caixa de contenção horrorosa, notei nos olhos de Steve o quanto o fracasso havia abalado suas estruturas - Natasha comentou.
- Exatamente - T'Challa prosseguiu com sua fala - É mais forte do que ele. Não podemos exigir que Steve se desapegue de uma coisa que significa o mundo pra ele. Muito menos cobrar dele algo diferente de proteção total e imediata quando se trata de Bucky.
- Mas isso... - Maria tentou protestar e logo foi cortada.
- Nós já entendemos que ele é necessário. Mas por incrível que pareça, a escolha não é nossa e muito menos de Steve.
Como o que T'Challa dissera não tinha sequer contestação, os outros não responderam. E até Scott notou que não estava mais com fome.


Os ossos de Bucky protestaram quando ele tentou levantar da maca, provavelmente por estar naquela posição há muito tempo. Seus olhos ardiam mesmo na escuridão, o sal seco das lágrimas fazendo-os lacrimejar impiedosamente. Ele suspirou e conseguiu se sentar no colchão, apoiando os cotovelos nas coxas e enterrando as faces nas mãos.
"O que faria a seguir?", pensou. Não tinha como simplesmente voltar andando pela casa, assim que esbarrasse com alguém ia se entregar. Mesmo não podendo ver o próprio reflexo, sabia que estava horrível. Sabia que tinha olheiras e que os olhos estavam inchados de tanto chorar.
Passando as mãos nos cabelos embaraçados, Bucky olhou para a paisagem escurecida através da janela da ala hospitalar. Como de noite as árvores desapareciam na penumbra e tudo se transformava num abismo estranhamente convidativo.
Ele se viu saindo dali, do quarto, da mansão, levando apenas a roupa do corpo e se embrenhando na mata desconhecida. Usando todas as habilidades que havia adquirido de seu treinamento e sobrevivendo o suficiente para fugir para outro país. Deixaria todos para trás, não tinha nenhum bem material ao qual se apegar e poderia facilmente sumir, como havia feito durante dois anos seguidos.
Parando para pensar, ele não entendia por que aquela ideia não havia passado por sua cabeça antes. Era o mais óbvio e sensato a se fazer. Estar sem memórias de sua vida antiga não era nada, pois se tinha algo que ele se lembrava era que estava sozinho. Como sempre estivera. Se fosse embora e não olhasse para trás, àquela altura do campeonato era provável que os outros não fossem sequer reclamar. E depois do que havia feito, Steve talvez ficasse aliviado de ver que ele se fora.
Porém, descobriu imediatamente que só de pensar nessa possibilidade - não de ir embora, mas de qual seria a reação de Steve - sentiu uma onda de ansiedade que lhe provocou ânsia de vômito instantaneamente. Curvou o corpo e acabou expelindo água, por não ter comido nada o dia todo.
Seu estômago convulsionou algumas vezes, até ele conseguir se estabilizar e erguer o corpo, sentindo-se mais patético do que quando havia chegado ali.
Sofrer lavagem cerebral, cometer assassinatos a sangue frio por ordem de outras pessoas e ter seu mundo virado de cabeça pra baixo, não era nada comparado ao que ele sentia naquele momento. Não era capaz de entender a razão por trás do que tinha feito e nem da maneira que vinha se sentindo há dias. O frio na barriga, as crises de ansiedade, a saudade e a necessidade de estar perto, tudo se mostrava desconhecido em sua mente. Não era capaz de lembrar se já tinha sentido aquilo, se alguma vez na vida fora vítima de tamanha frustração e estranheza.
Com vontade de se encolher naquela cama até adormecer, Bucky tocou o chão com os pés inseguros e levantou. Ainda usava o traje completo do soldado invernal, assim ele caminhou para fora da ala hospitalar, sabendo o que deveria fazer.



Os números vermelhos marcavam duas e quarenta e sete da madrugada. Steve virou mais uma vez na cama, embolando os lençóis e ficando de barriga pra cima. Não conseguia fechar os olhos nem pra pensar, toda a exaustão anterior parecia ter se esvaído de suas veias após tomar banho e deitar usando apenas uma bermuda de malha. Havia contado cada linha irregular no teto de seu quarto, sentara para ler um livro e não conseguiu se concentrar. Caminhou pelo tapete felpudo, afundando os dedos no tecido macio e deitara de frente para a janela, esperando que a escuridão do céu o embalasse num sono profundo.
Nada. Absolutamente nada fora capaz de acalentar o turbilhão de pensamentos que giravam nas engrenagens de sua mente.
Apoiando os braços atrás da cabeça, Steve se perguntou onde Bucky estaria e se também pensava nele. Se todas as indagações que pairavam sobre ele, também o afligiam. Mas claro que o outro devia estar pior, afinal fora ele que tomara a iniciativa e depois saíra correndo ao receber a expressão horrorizada de Steve.
Ali, sozinho no escuro, ele mesmo não sabia porque agira tão mal. Claro que jamais iria imaginar algo sequer próximo do que Bucky tinha feito e por isso ficara sem reação, a surpresa mesclando seu rosto e assustando o amigo.
Só agora, quando já parecia tarde demais, Steve entendia que devia ter sido mais complacente e segurado Bucky por tempo o suficiente para que eles pudessem conversar.
Era nítido o quanto o comportamento de ambos fora infantil e de forma alguma digno da amizade que eles compartilhavam.
Junto com a batida seguinte de seu coração, Steve ouviu uma na porta e se sentou automaticamente.
Era provável que algum dos outros moradores também não estivesse conseguindo dormir e talvez após o ocorrido no jantar, tivesse ido até lá para checar sua situação. Mas como sabiam que ele estava acordado?
No pequeno filete de abertura embaixo da porta, Steve via somente escuridão. O sangue retumbava em seus ouvidos, enquanto ele envolvia a maçaneta gélida com os dedos quentes.
Por pouco não caiu de joelhos ao ver quem o esperava do outro lado do arco.
Nada mais parecia ter importância, o que havia acontecido naquela manhã conturbada, os pensamentos confusos, acessos de raiva e proteção. A angústia murchou como um balão furado por uma agulha. Ao encontrar o par de olhos claros de Bucky, todo o resto desapareceu.
- Será que a gente pode... conversar? - a voz do outro era rouca e arrastada, carregada de uma incerteza palpável.
Steve notou que Bucky ainda vestia o traje do soldado invernal, os olhos estavam um pouco inchados e vermelhos, moldados por olheiras sutis. Quis ferir a si mesmo ao constatar que o estado em que o outro se encontrava era sua culpa. Porém, estava tão aliviado e arrebatado, que foi capaz somente de assentir e dar um passo pro lado.
Estranhou quando Bucky passou tão perto a ponto de fazer uma brisa tocar sua pele e cada poro em seu corpo se arrepiou em resposta.
Steve desconfiava que Bucky pudesse ouvir seu coração batendo tão violentamente, que chegava a doer as costelas, mas fechou a porta devagar, os dois ouviram o clique metálico isolá-los do mundo, presos na escuridão.




N/A: ME PERDOEM PELA DEMORA GENTE SÉRIO :(
Eu sei que estou de férias da faculdade, mas o trabalho engole minha vida, fora as séries que tenho que colocar em dia. Foi mal mesmo, eu estava totalmente devastada de ter que escrever esse capítulo... Mas fear no more, já tenho todas as ideias para o próximo e vou tentar não demorar tanto pra escrever.
Aproveitem a leitura e comentem o quanto vocês me odeiam <3

My ImmortalOnde histórias criam vida. Descubra agora