Capítulo 12 - Colors

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"I felt it in my veins, just didn't know how to say it right..".

Steve fechou a porta e se virou em busca do interruptor. Não sabia o que esperar quando a luz iluminou o ambiente, mas com certeza não era aquilo. Bucky o encarava como se estivesse prestes a vomitar, ambas as mãos fechadas em punhos firmes, as veias no pescoço saltando visivelmente. Sua mandíbula estava fortemente travada, mostrando o quanto seu formato quadrado e coberto pela barba mal feita era imponente. Mas os olhos... os olhos chamaram a atenção de Steve, pois pareciam estar cobertos de chamas verdes, brilhando e oscilando.
Aquilo fez as pernas de Steve parecerem feitas de gelatina, então ele escolheu ficar no lugar.
- Hum, sobre o que... sobre o que você quer conversar? - Steve soltou tentando ao máximo disfarçar a gagueira e o nervosismo. Só depois de um longo segundo foi que percebeu o quanto a pergunta era ridícula. Ele não havia aprendido a lidar com situações tensas envolvendo assuntos pessoais, por isso sempre acabava se embaraçando.
Bucky levantou uma sobrancelha pra ele, momentaneamente relaxando. Estava aterrorizado, nervoso e enjoado de ter que passar por aquela conversa. A única coisa que o levara até ali foi saber e entender o quanto devia para Steve. Não podia simplesmente sair pela porta e nunca mais voltar. O outro tinha acolhido ele, lutado contra todos que tentaram capturá-lo e gastado tempo, juntamente com energia para ver Bucky bem e confortável. Parecia insuportável a ideia de dar as costas para Steve sem nem se dignar a pedir desculpas. Mas havia esquecido como ele era. Havia esquecido que mesmo querendo manter uma pose durona, dizer o que tinha que dizer e ir embora, que isso seria impossível. Lá estava Steve Rogers, depois de tudo que acontecera, com as mãos tremendo, o rosto esquentando pouco a pouco e tropeçando nas palavras. O destemido Capitão América achava que ninguém jamais duvidaria de sua posição de liderança, porém Bucky era capaz de ver através disso. Ele conseguia vislumbrar o pequeno Steve do Brooklyn, doente e indefeso, pronto para lutar com qualquer um em nome de uma causa maior. Era esse mesmo garoto que o encarava agora, o que fez Bucky murchar involuntariamente.
Seus punhos foram desfeitos por comandos de seu cérebro e ele sentiu os ombros sendo desprendidos. Engoliu em seco antes de falar, notando os olhos de Steve no seu pomo de adão:
- Acho que você sabe a resposta pra essa pergunta - Bucky buscou em sua mente a referência e conseguiu soar o mais sarcástico possível diante da situação - A não ser que tenha esquecido.
O alívio tomou conta da atmosfera, quando Steve soltou uma risada nasalada. Ambos estavam nervosos, isso era notável e mesmo assim, de frente um pro outro, com apenas alguns passos de distância a familiaridade os guiava.
- Não, não esqueci - Steve falou desviando seu olhar para o tapete, depois para a cama desfeita e depois para os próprios pés - Onde você esteve?
Pensou em falar que ficou o dia inteiro em agonia, se perguntando se o outro estava bem, mas afastou a ideia.
- Eu... precisava pensar - a mão humana de Bucky começou a suar e ele a enfiou no bolso. Era difícil se concentrar, quando tudo que sua mente registrava era o quanto Steve ficava adorável agindo daquela maneira, tímido e inseguro - Pensar sobre o que eu fiz e em uma maneira de me desculpar.
Steve levantou o olhar imediatemente. A estática corria solta no meio deles, Bucky dando um passo pra frente, puxado por uma força que não dizia respeito a algo tão banal quanto a vontade própria.
- Se desculpar? - perguntou Steve, tentando esconder a incredulidade.
Havia passado um dia inteiro pensando no ocorrido. Na maneira como Bucky o olhou antes de beijá-lo, como parecia que algo tinha tomado conta de seu corpo e ele simplesmente o tomou. Sem pedir, sem dar nenhuma pista ou ao menos aplicar gentileza. Steve se lembrava de cada milésimo de segundo. De se sentir arrebatado e depois surpreso, tudo isso logo dando lugar para o medo. Medo daquela sensação estranha, de algo que ele nunca, jamais havia sequer imaginado e agora como parecia besteira que tivesse ficado tão horrorizado. A amizade deles não passara por tantas coisas, para ser abalada por algo tão banal? Ele desconfiava que parte de seu comportamento fosse por estar enraizado numa época onde aquilo com certeza não seria tão banal. Mas por algum motivo, seu coração estava em paz. Ainda achava a situação um pouco esquisita e queria saber o que levara Bucky a agir daquela maneira, contudo, só de poder vê-lo tão de perto já era o suficiente pra acalmar todo o seu ser.
- É, bem... eu não devia ter agido daquele jeito - seu tom era firme e mesmo assim era evidente como cada palavra saía com dificuldade, depois de passar por vários obstáculos - Mais precisamente, eu não devia ter feito o que eu fiz. Eu só...
Bucky não conseguia encontrar as palavras, uma forma de dizer o que claramente não sentia. Ele queria mais que tudo ser inundado por arrependimento e horror pelo ato, mas no fundo tinha plena consciência que a única coisa que o deixara tão mal fora a reação de Steve e não o que havia feito. Ele não se arrependia. Ali, olhando pra ele há apenas alguns passos, Bucky honesta e profundamente, não apagaria o beijo se pudesse e aquilo também o assustava.
Nesse meio tempo, Steve queria gritar com ele. Queria berrar a plenos pulmões que estava sufocando de tanta confusão e angústia e que não achava que aquilo tivesse nada a ver com o beijo em si. Sua mente ficou dormente com o fluxo de pensamentos que precisava por pra fora.
- Deve ser tudo que está acontecendo, sabe? - Bucky acrescentou, uma pequena ruga se formando entre as sobrancelhas - Deve ter sido minha forma de reagir diante das terapias e desse ataque surpresa... Me desculpa se você acabou sendo a vítima, eu realmente não sei dizer porque fiz aquilo - ele deu uma risada sem graça no final, enfiando a mão de metal no outro bolso.
A mentira deixou um gosto amargo em sua boca e ele logo percebeu que não era o feito em si, mas para quem ele estava mentindo. Não era capaz nem de manter os olhos nos de Steve, porque sabia que ele lhe conhecia como a palma de sua mão.
Mas o outro não identificou nada além de uma desculpa tímida e embaraçada. Devia esperar por isso. Sabia que por mais que Bucky tivesse passado pelo inferno, sua personalidade levava a melhor sempre. Ele voltara no meio da noite para se desculpar, porque não iria conseguir dormir com a culpa.
- Não precisa se desculpar, de verdade, eu não estou bravo e nem chateado - Steve disse, deixando sua boca se moldar num sorriso seguro - Nós já passamos por tantas coisas. É como eu vivo te dizendo... nada vai nos separar.
Bucky levantou os olhos lentamente e assentiu.
- Aquilo nunca mais vai acontecer. Nunca mesmo. Pode ficar tranquilo.
Na cabeça dele, o mínimo que podia fazer era assegurar ao amigo que jamais seria tão invasivo e imprudente. Não devia deixar suas emoções tomarem conta de suas ações, esse era um dos aprendizados que carregaria para toda a vida. Só gostaria de saber porque Steve fazia daquilo uma piada. Era só estar perto dele, que qualquer chama de autocontrole, se tornava uma faísca ridícula.
Steve sentiu as palavras de Bucky como um soco no estômago. Não entendeu o motivo, mas algo dentro dele não gostou nada do "aquilo nunca mais vai acontecer". Aquilo o que? Ser tomado pela emoção? O beijo? Por que seu cérebro registrou os dizeres, mas não compreendeu a intenção por trás deles?
- Tudo... tudo bem - gaguejou em resposta, sentindo a necessidade de olhar para os próprios pés.
A situação era tão desconfortável e não pelo motivo que deveria ser. Ambos pensavam que a razão para estarem tão tensos, fora o beijo inesperado e esquisito. Quando, na verdade, o real motivo era a negação silenciosa que eles escolheram apresentar. Na cabeça de Bucky, ele não se arrependia de ter feito o que fez, mas achou que Steve precisava de suas desculpas pra poder seguir normalmente. Na cabeça de Steve, ele não via razão para desculpas e nem achava o acontecido grave o bastante para isso.
Mas ao mesmo tempo eles estavam confusos, então escolheram não falar mais nada. Um acordo mútuo e silencioso.
- Era isso que eu vim falar, não queria te incomodar - Bucky deu um passo para frente em direção a porta e instintivamente, Steve deu um pra trás.
Ambos ficaram parados, enquanto a dor tomava os olhos de Bucky, fazendo o coração de Steve se despedaçar em mil pedaços. Fora um reflexo totalmente inocente, ele ia sair do caminho para o amigo passar, mas soube imediatamente que parecera outra coisa. Parecera que estava se esquivando do outro.
- É melhor eu ir tomar um banho e tentar dormir. Boa noite.
Bucky falou com tanta rapidez, andando apressado até a porta e abrindo-a com um puxão. Saiu e se foi tão rápido, demorou apenas um segundo, tudo que Steve foi capaz de fazer se resumiu a um suspiro derrotado.
Não dissera boa noite e agora estava se sentindo pior do que quando Bucky tinha entrado ali mais cedo.
Precisava desesperadamente consertar o que fizera.

~ v ~

Dessa vez, o pesadelo foi diferente. Mais claro e mais intenso. As amarras que o prendiam na cadeira desconfortável, esfolavam seu pulso humano fazendo sangue pingar grosso no chão. O de metal não absorvia qualquer tipo de dor, mas o impedia de mover o ombro. Seus olhos ardiam devido a luminosidade refletida diretamente em seu rosto, escurecendo o resto da sala. Tentou abrir a boca e descobriu que não era capaz de emitir nenhum som, um provável efeito de estar sonhando. Mas se estava de verdade flutuando no inconsciente, como podia assimilar as dores provocadas em seu corpo? Era fácil distinguir cada membro que possuía, pois todas as partes doíam. Sentia como se tivesse levado uma surra, tudo dolorido e fisgando. Ao apertar as pálpebras procurando algo no escuro, ouviu o som metálico quebrar o silêncio imaculado. Algo se arrastava no breu, sem nunca alcançar a luz.
Abriu a boca novamente e ouviu um ruído fraco escapar dos próprios lábios, fazendo-o afundar ainda mais na cadeira, em frustração.

Quem quer fosse no escuro, voltou a produzir o som estridente. Soava como uma cadeira sendo arrastada e prostrada para ser usada por alguém.

Bucky começava a entrar em êxtase, buscando algum fio de consciência para se agarrar, quando um pigarreio o puxou de volta para o sonho. Estreitou os olhos, se concentrando bem no limite do círculo que a luz criava. Houve uma oscilação, algo emergindo das sombras e ele se viu encarando um par de bicos de sapatos sociais. Masculinos. O material brilhava na luz amarela, cintilando nas irises castigadas de Bucky.

- Ora, quem o deixou nesse estado? - perguntou uma voz austera, alta e grave.

Será que pertencia ao dono dos sapatos? Ele não sabia dizer, sentindo um peso indescritível descer da cabeça até os ombros.

- Perdão senhor, nós não sabíamos...

- Não sabiam? Deviam ter perguntado a mim. Questionado a mim - a maneira como ele dava ênfase nas palavras, machucava os ouvidos de Bucky que pareciam aguçados demais, captando cada suspiro - Olhe para o estado dele e me diga se é possível tirar algum proveito?

- Senhor... - a pessoa que respondia ao homem dos sapatos luxuosos, tinha um tom amedrontado, minúsculo. Do tipo que, se você não está fazendo contato visual, consegue imediatamente imaginar que ela está de cabeça baixa e murmurando acanhada.

- Não me venha com "senhor"! Dêem um jeito nele, consertem-no, não quero saber! Eu quero ser capaz de falar com ele, entendeu?

Bucky viu os pés virando para outra direção, os bicos desaparecendo na escuridão, o solado arrastando no chão empoeirado. Sua cabeça doía de tal forma que era impossível ficar de olhos abertos, então ele os fechou.

O homem imponente dissera que haviam feito algo com ele. Algum tipo de procedimento que fora longe demais.

Tinham lhe dado uma surra, só isso podia explicar as dores lancinantes que o atormentava. Pelo menos achava ter lutado contra os executores, já que seu pulso humano se encontrava em carne viva. Mas não podia aguentar mais. A exaustão puxava-o para uma escuridão mais densa e a consciência se tornou uma ideia distante.

Praticamente sumindo enquanto ele se afogava, veio aquela voz de novo, por um milésimo de segundo, Bucky pensou conhecê-la.

- Cuide dele. Quero o soldado acordado quando eu voltar. Se ele vai ficar nesse estado novamente, preciso ter algumas respostas primeiro.

- E se ele não aguentar? - questionou a segunda voz, cautelosa.

- Não me importo. Se morrer, vai ser mais um experimento que deu errado. Podemos jogar o corpo dele no abismo e dessa vez ninguém irá procurar, nem mesmo o americano inútil...

Bucky foi puxado bruscamente de volta, por uma dor que tinha certeza ser real. Sentou-se de súbito, os olhos se arregalando, o peito subindo e descendo num ritmo rápido e descompassado.

Olhando ao redor, foi atingido pela luz da manhã que entrava através das cortinas mal fechadas. O lençol cobria seu corpo suado somente da cintura pra baixo e mesmo assim, agora estava todo emaranhado em suas pernas. Aos poucos assimilou o fato de que aquilo havia sido apenas um sonho. Um pesadelo rápido e perturbador, mas que não passava disso.

Virando a cabeça dolorida para o criado mudo, viu o despertador marcando sete e meia de uma manhã excepcionalmente ensolarada. Ficou encarando o aparelho, achando-o surreal. Era quase bizarro que há pouco tempo não tivesse sequer um teto para morar e uma cama para dormir. Bucky sofrera todos os tipos de desgraças que um ser humano podia aguentar. Durante anos se concentrara em ser invisível, se esconder nas sombras e jamais ser visto por alguém que pudesse entregar seu paradeiro. Acostumou-se a morar em lugares pútridos e afastados, deitar a cabeça onde quer que fosse e estar sempre alerta. Andava de cabeça baixa evitando olhares ou cumprimentos. E nunca, jamais, em qualquer hipótese se dava ao luxo de ficar em um país por muito tempo. Viajava por terra quando podia e quando não, apenas se mesclava com as outras pessoas nas quais ninguém prestava atenção.

Não havia tempo para se sentir triste ou miserável, sua sobrevivência dependia de praticidade e isso ele sabia exercer. Mas agora era diferente. A pessoa - se é que podia chamar assim - que fora criada para ser, moldado e aperfeiçoado pela Hidra, tinha colocado outras em perigo. Ameaçara a vida de seres humanos que tentavam protegê-lo. Tentara matar Steve mais de uma vez. E apesar de tudo, fora acolhido e recebido da maneira mais civilizada que nunca pensou que fosse ser dirigida a ele. Um quarto, uma cama, um banheiro, roupas e até um despertador, ele possuía coisas agora. Mesmo coisas puramente materiais provocavam uma sensação de conforto nele, duvidosamente perigosa.

Afastando os pesares que ameaçavam acabar com sua manhã já perturbada, Bucky se livrou do lençol e caminhou em direção ao banheiro. Usava só uma cueca boxer e o vento arrepiou os pelos de suas pernas.

Ligou a ducha morna, deixando-a lavar os resquícios de suor e desespero que tinham vindo junto com o pesadelo. A única coisa na qual pudera se apegar durante todo o tempo que ficou fugindo, foram os sonhos. Bons ou ruins, ele sempre sonhava e isso o ajudava a se sentir humano. Coisas que não se lembrava, mas que o inconsciente trazia à tona o acordavam no meio da noite, como sabia que acontecia com várias outras pessoas.

Por algum motivo, ficou se perguntando se Steve passava pelas mesmas coisas. Se os pesadelos também o despertavam no meio da noite ou se isso o impedia de sequer dormir. Uma leve ideia de que talvez Steve estivesse sonhando com ele foi o suficiente para fechar o chuveiro com violência.

Ia parar com as ilusões e ignorar as peças que sua própria mente queria pregar. Tinha coisas mais importantes com o que se preocupar, a vida ficara mais complicada ao mesmo tempo que se tornara confortável. Prometeu se concentrar em tudo, menos nos sentimentos conturbados que nutria por Steve.

Ao sair do box, sentiu os ombros pesarem com cansaço. Não dormira absolutamente nada na noite passada, girou tantas vezes na cama e quando finalmente apagou, teve o pesadelo horrível. Os nervos começavam a reclamar de estarem despertos a tanto tempo, sem nenhum tipo de descanso intenso.

Caminhou pesarosamente até o guarda-roupa, escolhendo peças aleatórias e secando o cabelo que pingava no tapete. Percebeu que devia ter ficado muito tempo no banho, pois logo que terminou de se vestir, alguém bateu na porta.

- Que ótimo, achei que fosse ter que te acordar. O café tá na mesa.

Natasha tinha um sorriso largo, um daqueles que definem o termo "de orelha a orelha". Vestia uma roupa casual, os cabelos molhados pingando na camiseta de algodão. Bucky sabia que ela era linda, atraente e intimidadora, conseguia associar a imagem dela a outras de mulheres com quem já havia cruzado. Por meio de relatos de Steve e flashes de sua própria memória, descobrira que fora um homem de muitas conquistar, muitas mulheres e todas passageiras. Tinha uma leve sensação, quase um pressentimento no fundo da mente, de como deveria agir. Seu corpo se apropriando da memória muscular, sorriu suavemente e assentiu.

- Vocês acordam cedo - comentou despreocupadamente, fechando a porta atrás de si.

Natasha andava a seu lado no corredor, as mãos balançando ao lado do corpo, a postura sempre ereta. Bucky tinha os mesmos costumes, a mesma maneira de se portar e ficou imaginando se Steve também percebia isso... Steve.

O pensamento o fez pisar mais vacilante, os ombros ficarem tensos e a expressão se moldar em desespero. Por um momento havia esquecido dos eventos embaraçosos envolvendo o melhor amigo, seus esforços concentrados em agir naturalmente na frente de outras pessoas. Agora as imagens voltavam com tudo, a dúvida esmagadora pesando nas costas.

- É força do hábito - ela respondeu indiferente, fazendo as curvas pelos corredores como se estivesse ali há mais tempo do que Bucky.

Pensar naquilo fez seu peito fisgar um pouco. Havia chegado há tanto tempo na mansão, mas passara boa parte dele na criogênia, de forma que não conhecia quase nada do lugar. Algo como uma ansiedade quis brotar em seu peito, seu subconsciente ditando-lhe palavras e vontades que deviam pertencer às suas células. Elas queriam ficar ali, na mansão, conhecer as paredes e os corredores, as salas ocultas e os quartos desocupados. Ele se sentia ansioso para familiarizar-se com o ambiente, por mais desconfiado que estivesse de que talvez esses sentimentos tivessem mais a ver com Steve, do que com a casa em si.

O cheiro veio logo seguido dos sons, invadindo as narinas e os ouvidos de Bucky ao cruzar o arco que os separava da sala/cozinha. A mesa permanecia intocada, enquanto os moradores se espremiam ao redor do balcão, Wanda, Maria e Scott estavam sentados, ao passo que Clint e Sam ficaram em pé. O único que não sorria abertamente era Scott, com a aparência de uma criança contrariada, ele cutucava na panqueca em seu prato.

Bucky tentou, sem sucesso, ignorar a pontada de decepção ao notar que Steve não se encontrava ali. Nem na cozinha e nem na sala.

- Ah, bom dia pra vocês dois - Clint saudou-os levantando o copo que segurava e Natasha foi rapidamente se prostar ao seu lado.

Por mais que todos o tratassem de forma acolhedora, lhe passando segurança e certeza, Bucky ainda achava difícil se comportar no meio deles, ainda mais sem o apoio moral de Steve. Respirou fundo, um sorriso receoso se abrindo em seus lábios. Wanda, que havia virado parcialmente no banco para encará-lo, pareceu ter notado quando ele enfiou as mãos nervosamente nos bolsos e o chamou com um gesto.

- Anda, vem comer antes que esfrie - apontou com a cabeça para um prato no meio da bancada, sua metade cheia de ovos mexidos e pedaços de algo que ele achava ser bacon - Ou antes que acabe.

Bucky viu ela olhar desafiadoramente para Sam, que deu de ombros e voltou a comer. Tomando o banco do lado esquerdo de Wanda, esticou o braço de metal e encheu um dos pratos com uma quantidade razoável de tudo que tinha ali.

- Nossa, você come pouco - comentou Scott, ainda mastigando.

- Ele está sendo educado - Maria rebateu, a boca escondida pelo copo de suco.

- Na verdade, é tudo fingimento pra vocês não me acharem um monstro - Bucky brincou e ficou levemente surpreso quandos todos, até Natasha, caíram na gargalhada. Ele mesmo acabou rindo um pouco, fazendo uma nota mental de se acostumar com aquele tipo de reação.

- Pode comer à vontade, qualquer coisa a gente faz mais - falou Clint, que tinha um braço protetor em volta dos ombros de Natasha.

Olhando ao redor, Bucky diria que todos estavam tranquilos. Um bando de amigos que deliberadamente moravam juntos, dividindo tarefas e se divertindo nas horas das refeições. Mas um buraco enorme em seu peito o impedia de escanear o ambiente.

Pigarreou, ensaiando uma voz inocente e despreocupada antes de dizer:

- E o Steve? Não vem comer?

Pensou em adicionar algo como "ele está treinando" ou "ainda está dormindo, talvez?", mas pelos olhares de todos sabia que ele era quem devia saber essas coisas. Desde que acordara, podia quase ler a mente dos outros moradores gritando "você e Steve pertencem um ao outro", de um jeito quase obssessivo. Quem respondeu foi Sam, depois de engolir o que mastigava e pigarrear.

- Não sabemos, acho que ainda deve estar dormindo ou chateado com a gent... ai!

Além de não ter sido nada sutil em seu movimento para chutar a perna de Sam, Maria assumiu uma expressão endurecida de advertimento e praticamente o fuzilou com o olhar.

- Chateado com vocês? Mas por que? - seus olhos acompanhavam sua voz alterada, histéricos e procurando uma resposta nos rostos dos presentes - O que foi? O que vocês não estão me contando?

Como um anjo vindo em seu socorro, Wanda suspirou, repousando a pequena e delicada mão no balcão gélido. Ela tomou a iniciativa, mas não conseguiu levantar os olhos para ele.

- Bucky, Steve nos fez prometer que seria ele a contar - as palavras saíram da boca dela carregadas de incerteza. Ele identificou o fio de ansiedade nelas, demonstrando que ela queria lhe falar a verdade.

- Só me fala o que é. Estão me matando de preocupação - Bucky se voltou para os outros e um a um eles foram abaixando a cabeça, culpa estampada em suas expressões - Depois... depois eu me resolvo com ele.

Natasha assentiu lentamente, apoiando os dois braços na superfície onde o resto do café da manhã esfriava. Intocado. Algo dentro do peito de Bucky parecia inchar a cada segundo, tomando uma forma incômoda ao pensar o que Steve diria sobre aquilo. Pelo olhar que os outros tinham, o assunto devia ser grave e ele quase quis dizer para deixarem pra lá. Mas e se fosse realmente importante? Se tivesse a ver com ele e Steve? Se fosse alguma coisa com a qual ele, Bucky, pudesse finalmente ajudar?

A curiosidade quase fazia seu peito explodir, quando Maria pigarreou desconfortavelmente e lhe lançou um olhar inseguro.

- Ele vai ficar uma fera - ela murmurou, continuando dessa vez mais alto e claro - Nós tentamos interrogar o... o prisioneiro. Foi um fracasso, ele sequer piscava diante das nossas tentativas. Até... meio que o ameaçamos, não deu certo. Então, a Natasha tentou algo diferente. Ela falou com ele em outro idioma, em Russo pra ser mais específica. E ele, bem, deu indícios de que estava entendendo.

- Indícios? - Bucky a incentivou, se enclinando levemente em direção a ela, a ansiedade corroendo seu interior.

- Sim, era como se ele estivesse absorvendo as palavras, mas não passou disso. Logo depois que Natasha fechou a boca, ele parou de se mexer ou demonstrar estar prestando atenção - disse - Nós desistimos, achamos melhor tentar depois e íamos saindo da sala quando...

- Quando?

- Quando ele disse uma coisa, em Russo, como ela havia falado com ele. Era uma máquina falando, não parecia sequer humano ao emitir son...

- Ora, o que ele falou? - Bucky sabia que a própria voz havia saído balançada e alta demais, exasperada. Seu coração dava sinais escandalosos de vida, ribombando com força, pressionando as costelas. Pode senti-lo dando uma vacilada diante do que Maria disse a seguir.

- Ele disse que falaria somente com o soldado - ela deixou o ar pesado escapar, os ombros caindo em desistência, parecia arrasada - Desculpe, mas acho que não precisamos perguntar para saber a quem ele de referiu.

O ar escapou de seus pulmões de maneira brusca. Num segundo estava ali e no outro não era mais capaz de sugá-lo. As palavras cortaram-no asperamente, pautadas pelo tom de arrependimento na voz de Maria. Bucky não a culpava, como poderia? Não sentia raiva dos outros que se negavam a olhá-lo diretamente nos olhos. Mas algo dentro de seu peito o sufocava esmagadoramente. O medo. O terror das implicações que aquela simples frase trazia. E como o bom soldado treinado que era, mascarou os sentimentos atrás de uma expressão neutra, assentindo lentamente para que todos soubessem que havia escutado. Podia sentir os próprios ombros tão tensos que uma dor aguda foi enviada espinha abaixo, incomodando-o.

- E... - as palavras se encontravam afogadas no mar de sensação que teimava subir por sua garganta, presas junto com a bile e forçando-o a pigarrear para conseguir expeli-las - Quando eu posso ir até lá?

Viu a expressão de culpa dos outros se transformar em choque em menos de dois segundos, olhos arregalados o encaravam de volta, quase como se esperassem ele rir e dizer que estava brincando. Bucky entendeu a reação como parte do cenário que haviam criado para ele ali dentro. Era o "danificado", o recém-capturado que precisava de atenção. O amigo de Steve que sofrera lavagem cerebral e se tornara instável. E viu no rosto de cada um que achavam que ele próprio pensava daquela maneira.

Mas havia se cansado. Não queria mais ser tratado como um instrumento quebrado ou um necessitado que devia ser manuseado de forma cautelosa para não causar mal a si mesmo e aos outros. Se iria ficar na mansão, se iria retribuir tudo que arriscaram por causa dele, teria que ajudar. Teria que, acima de tudo, abdicar das próprias necessidades para que os outros pudessem ficar em segurança.

- Bucky, nós não estamos pedindo nada... - Wanda havia se virado totalmente no banco, de modo que agora estava de frente pra ele, uma das mãos estendidas em sua direção e a outra espalmada no balcão as juntas esbranquecidas.

- Sei que não estão, mas quero fazer mesmo assim - Bucky girou o pescoço até ter olhado nos olhos de todos os presentes, ignorando a dor no peito por não ter encontrado um par em especial - Se ele diz que só vai falar comigo, então eu falo com ele. Quero ajudar.

- Pode ser uma armadilha, entende? - Clint apoiou os cotovelos na bancada, as sobrancelhas unidas expressando as dúvidas que se passavam em sua mente.

- Eu sei que existe essa possibilidade, mas se não falarmos com ele aí o que acontece? Ele continuará preso até quando? - questionou Bucky escutando o ranger das juntas mecânicas ao bater o braço de leve no mármore.

- Até conseguirmos alguma pista do lugar de onde ele veio ou o que eles querem - simplificou Maria. Porém, era nítida a expressão de receio em suas feições, como se ela não acreditasse realmente em tal possibilidade.

- Sabem que isso não vai ocorrer, ele quer falar comigo e...

- E se ele for como o Zemo, ahn? E se ele veio até aqui para fazer sei-lá-o-que com a sua mente de novo, na esperança de que você mate todos nós? - o tom que Sam usou foi calma e contemplativo, livre de acusação ou mágoa.

Contudo, Bucky sentiu a onda ardente e impiedosa de arrependimento misturado com vergonha. Sempre soube que o que quer que a Hidra tenha implantado em sua mente, ainda estava lá, na espreita esperando a chance de se libertar. Por esse e outros motivos havia escolhido voltar para a criogênia, se esconder das ameaças que podiam fazê-lo se tornar "aquele" cara novamente. E ainda assim, era impossível apagar o que fizera quando se permitiu ser capturado e explorado. Lembrava-se nitidamente do rosto azedo e ansioso, das palavras de Zemo, muito bem treinadas no Russo que o assombrara por tantos anos. As palavras para acordar o Soldado Invernal. Colocara a vida daquelas pessoas na sala em perigo, jamais esqueceria isso. E só a ideia de que talvez pudesse fazê-lo de novo, era nauseante.

- Podemos ficar de prontidão, do lado de fora esperando para ver o que acontece durante o interrogatório - Natasha sugeriu, dando de ombros como se a ideia fosse simples.

- Não sabemos o que ele é. E se puder nos bloquear? De escutar ou ouvir? - Scott perguntou, parecendo envergonhado do questionamento. Mas depois do primeiro segundo, todos começaram a considerar isso como uma possibilidade.

- Digamos que eu tenha meus meios de impedir que isso aconteça. Resta saber se o Sr. Barnes ainda estará disposto a colaborar.

Todos se viraram ao mesmo tempo para o arco da sala de estar. T'Challa estava parado, os braços cruzados e a lateral do corpo apoiada no batente lustroso. Não havia sorriso em seus lábios ou o olhar sempre tão amigável. Fora tomado totalmente pela seriedade estrategista, vestindo o manto invisível do Pantera Negra.

- Meios? - Maria levantou a sobrancelha pra ele, que assentiu sem responder verbalmente.

- Por mim tudo bem. Quando vocês estiverem prontos - Bucky teve consciência das palavras saindo de sua boca, mas era como se outra pessoa estivesse falando.

- Vou transferi-lo para a sala de interrogatório, assim que estiver tudo pronto, venho buscar você - T'Challa abandonou o apoio do arco, endireitando o corpo e ajeitando o terno - Prepara-se.

Havia um toque de gentileza em sua voz, mesmo que o olhar lançado a Bucky tenha sido neutro. Não arriscou se virar para os outros presentes depois que T'Challa foi embora, seu estômago havia encolhido a ponto de o deixar tonto. A ideia de tomar café pareceu assustadora e ele conseguiu apenas ficar parado, ouvindo as louças sendo depositadas na pia. Queria que Steve estivesse ali. Queria que a única pessoa capaz de entendê-lo pudesse ajudar a descongelar o gelo que havia se formado em suas veias.

~ v ~



Steve cruzou o corredor, com o frio na barriga incomodando seus sentidos. Mais uma vez, contudo, não tinha ninguém no corredor. Respirou aliviado, ouvindo os próprios passos ecoando no chão de concreto formando uma trilha na direção da sala de treinamento. Não sabia se tinha alguém lá ou não, mas no meio de tudo resolveu arriscar, achava que teria uma síncope se ficasse mais cinco minutos trancado no quarto.
Depois que Bucky saíra de seu aposento, com o semblante magoado e ferido, Steve não fora capaz de encarar nem o próprio reflexo. Fechara a porta e as cortinas e tentou dormir, sem sucesso algum no ato de sequer fechar os olhos. A mente ficou turbulenta, o estômago afundando toda vez que lembrava da maneira como Bucky havia olhado em sua direção, como se Steve tivesse pegado seu mundo com as mãos e o destroçado.
Logo após a noite mal dormida, se seguiu uma manhã cinzenta e preguiçosa, da qual ele não queria se libertar e assim ficou afundado no colchão, escondendo o rosto envergonhado nos lençóis. Negou veementemente quando Natasha chamou-o para tomar café da manhã, sem levantar mais do que quinze centímetros a cabeça do travesseiro.
Sentia falta de Bucky. Queria poder olhar para o amigo e simplesmente esquecer tudo de estranho que se passava entre eles naquele momento. A perspectiva de que o futuro fosse ser dessa maneira, lhe causava ânsia de vômito e não parava de pensar nessa possibilidade.
Com o passar das horas, a inércia o incomodou e saiu da cama arrastando os pés, seguindo a voz no fundo da mente que dizia "uma hora vai ter que encará-lo".
Agora, andando pelos corredores gelados e silenciosos, sentia um medo infantil o assolar, temendo encontrar alguém e ter que explicar o motivo de ter ficado a manhã inteira e parte da tarde, trancado no quarto.
Mais do que tudo, temia encontrar Bucky e de qual seria a reação do amigo. Mas já estava quase nas escadas da sala de treinamento quando ouviu passos, perto demais para que pudesse se esconder a tempo. A voz que os seguiu, contudo, não foi a que esperava.

- Steve? - virou-se para ver Wanda vindo em sua direção. As roupas com tons de vermelho misturado ao preto, o cabelo preso num rabo de cavalo alto e uma expressão confusa no rosto, como se a visão de Steve fosse esquisita a seus olhos.

- Ahn, oi - ele respondeu, mesmo que não houvesse necessidade. Enfiou as mãos nervosas nos bolsos e tentou sorrir para ela.

- O que você está fazendo aqui? - Wanda deu mais alguns passos vacilantes, agora ambos estavam frente a frente, iluminados pela claridade que entrava por uma das enormes janelas ali presentes.

- Eu estava indo para a sala de treinamento - deu de ombros, esperando que ela não notasse o nervosismo na voz ou como sua boca tremia levemente - A casa toda está silenciosa. Imaginei que estivessem lá...

A frase dele foi morrendo aos poucos ao ver o olhar de Wanda mudar de confuso, para surpreso e depois se desviar dos deles, procurando esconder o terror final. Steve não era a pessoa mais perspicaz do mundo. Desconfiava que no meio dos amigos, era como uma criança de seis anos cercada por adultos de trinta e dois. Todos pareciam captar olhares, piadas e ditados, sendo ele o único a parecer sempre sério e alheio aos acontecimentos. Tinha melhorado com o passar dos anos, graças a internet e à Sam, se tornara apto a entender expressões, ler olhares e até enxergar por trás de gestos corporais. Pôde ver que naquele momento, Wanda estava escondendo algo que nem sabia que devia esconder. Sabia que podia ser qualquer coisa, que não seria muito educado pressioná-la, mas algo em seu interior repuxou as palavras antes que ele pudesse impedi-las.

- Wanda, o que foi? - uma de suas mãos saltou do bolso, estendendo-se na direção da garota e repousando em seu ombro. Ela foi murchando lentamente dentro do toque.

- Ah, Steve, achei que você soubesse... Da última vez que ouvi, eles não conseguiam te encontrar, mas Sam foi até seu quarto e pensei que... pensei que... - Wanda gaguejava exasperada, as mãos gesticulando na frente do corpo.

Steve sentiu o peito afundar, sendo esmagado pela tensão que as palavras confusas da amiga deixaram em sua mente. Teve que fazer um esforço tremendo para fazer a próxima pergunta.

- Onde ele está? Aconteceu alguma coisa com ele?

Mais rápido do que esperado, ela negou com a cabeça, o rabo de cavalo balançando como um pêndulo.

- Ele está bem, prometo - disse - Pelo menos desde a última vez que o vi.

- Como assim? - Steve tinha noção de ter apertado um pouco mais a mão no ombro magro de Wanda e de que manteve os olhos arregalados em desespero, mesmo quando ela assegurou que o outro estava bem. Não era suficiente.

- Ah... - algo na expressão dela mostrava desistência, um acordo do qual ele não tinha conhecimento sendo quebrado - Nós não íamos contar, eu juro, mas Bucky ficou pressionando e aí...

- Wanda, por favor, eu te imploro, só fala de uma vez.

Ela pareceu finalmente enxergar o quanto Steve ficara perturbado de uma hora pra outra. Como só a ideia do possível perigo em que Bucky pudesse estar, havia o deixado à beira do abismo, se segurando para não surtar. Em outras circunstâncias, teria até feito uma brincadeira ou pedido para que ele explicasse esse sentimento obviamente conturbado, mas naquele momento se limitou a assentir e prosseguir com a verdade:

- Na hora do café da manhã, ele perguntou onde você estava e alguém deixou escapar que talvez estivesse bravo com a gente, por isso não foi se juntar ao resto do grupo. Bucky quis saber o motivo e nós... nós não fomos capazes de esconder muito bem, ele acabou lendo no rosto de cada um que havia algo que não estávamos querendo compartilhar - ela suspirou pesarosamente antes de continuar - Maria falou a verdade pra ele, Steve. Sobre o prisioneiro e sobre o que ele havia revelado, que só falaria com o soldado. Não foi culpa nossa, ele tinha o direito de saber...

Steve desviou os olhos dela para o chão a seus pés. Para o escuro do concreto e as linhas disformes que o moldavam, interligadas com as paredes da mesma cor, sem vida alguma. Sentiu-se flutuando no espaço limitado do corredor, como se saísse do próprio corpo e olhasse para baixo, do teto alto e iluminado, para as duas pessoas no corredor.

- O que ele disse? - questionou, mesmo sabendo que a resposta seria de seu total desagrado, mas já deixando cair a mão que segurava Wanda.

- Ele quis ajudar - ela respondeu, insegura e de repente muito pequena - Ele disse que faria o possível para ajudar, por isso perguntei onde você estava indo - nessa hora Steve prendeu a respiração, voltando a olhá-la - T'Challa mandou que levassem o prisioneiro para a sala de interrogatório, Steve. Bucky vai falar com ele.

As últimas cinco palavras foram a alavanca que seus pés precisavam. Sem olhar para trás para se ela o seguia, deixou que eles trabalhassem o mais rápido possível. Nem percebeu que estava correndo, que cruzara a sala de estar e passara em frente a ala hospitalar. Deixou os joelhos se curvarem escada acima e não parou até chegar único lugar no qual deveria estar.

~ v ~



- Tem certeza que quer fazer isso?

A pergunta de T'Challa foi tão repleta de cautela, que Bucky achou difícil olhar para ele. Ao invés disso, se dignou a assentir e entrou na sala.

Havia prometido para si mesmo ser corajoso. Engolir qualquer medo ou receio que poderiam afetar a sua atuação, era o que iria fazer. Afastou para o fundo da mente o enjoo que se acumulava em seu sistema digestivo, achou que se não pensasse, não ia vomitar. Estava parcialmente certo, a frieza tendo carregado suas pernas moles até ali.

Contudo, agora estava sendo inundado por todas as sensações ruins, ao ouvir o clique da porta de aço sendo fechada, trancando-o no espaço assustadoramente gelado.

A sala de interrogatório era o que Bucky chamaria de "minuciosamente claustrofóbica". O espaço era amplo, o chão lustroso parecia um espelho e uma das paredes fora composta totalmente de vidro, dando vista para o céu coberto por nuvens e as oscilações de verde das copas das árvores. Mas as mesas no ambiente, se mostravam estrategicamente desprovidas de qualquer decoração, seus tampos impecáveis e brilhosos, absorvendo a luz do dia. As paredes sólidas e brancas não tinham quadros ou estampas, como um fundo falso de um ensaio fotográfico. Sem tapetes ou alguma mancha aparente, o toque final do lugar era o ar surreal que a temperatura criava. Era como estar em um sonho, um sonho bizarro e duvidoso, não fosse pela figura fortemente atada à cadeira de metal no meio da sala.

Bucky deu alguns passos na direção dele, chegando mais para perto do conjunto de mesa e cadeira que o aguardavam. Os olhos do prisioneiro não o acompanharam, ele não aparentava ter conhecimento da presença do outro e nem ao menos de respirar. Nunca pensara que pudesse ser tão desconfortante estar na presença de alguém assim, esperando um comando, desligado da realidade que o rodeava. Mas de novo, imaginou que devia ser desse jeito quando ele mesmo era colocado na máquina que "fritava o cérebro" e depois fica à mercê das vontades da Hidra. 

Pigarreou pelo que pareceu a milésima vez naquele dia e se sentou, o ruído da cadeira sendo arrastada perfurou seus ouvidos, fazendo-o tensionar mais ainda os ombros.

Imediatamente, os olhos da criatura se voltaram para ele. Um choque passando pelo corpo antes inerte, quando finalmente ganhou a vida que tanto lhe faltava.

- Я ждал тебя "Estava esperando você" - uma voz fria e cortante anunciou, arrepiando todas as partes visíveis e invisíveis da pele de Bucky.

Seu coração pulou uma batida, causando um desconforto imediato no peito, mas ele não vacilou. Permaneceu com os braços apoiados na mesa, o olhar grudado no homem a sua frente. Plenamente consciente de que os outros o observavam pelo vidro falso, Bucky respirou fundo, endireitando a postura e endurecendo a feição. Vestiu a máscara do soldado invernal, agradecido por saber que Steve não podia vê-lo, temendo que o outro se assustasse ao ver a expressão que havia adotado. Mas não podia ser fraco ou gentil, não quando a vida de todos ali dependia dele.

- Я здесь. Скажите нам, что вы хотите. "Estou aqui. Fale o que quer" - Bucky jamais iria esquecer aquele idioma, desconfiava que as palavras estavam grudados nas paredes de suas células e por mais perturbado que pudesse parecer, gostava do som da própria ao falar em russo. Era algo que dominava muito bem e não se sentia envergonhado. Quando não houve resposta do outro, ele falou novamente - Лучше остановить с этим нелепым молчание. Я не такая, как другие, и вы это знаете, так что я попросил, чтобы поговорить со мной, не так ли? "É melhor parar com esse silêncio ridículo. Não sou como os outros e você sabe disso, por isso pediu para falar comigo, não foi?"

O rosto inanimado ganhou vida novamente numa fração de segundo, a bochecha lisa e perolada, esticando medonhamente até formar um sorriso presunçoso que não foi espelhado pelos olhos.

- Вы оружие "Você é a arma" - ele disse no tom robótico e frio, desprovido de qualquer divertimento, contrastando com a expressão - Я здесь, потому что вы думали, что вы могли бы уйти "Estou aqui porque você achou que podia fugir".

- Что это значит? "O que isso quer dizer?" - Bucky se inclinou minimamente pra frente, esperando que talvez o prisioneiro fosse se retesar novamente, mas agora ele parecia ter recebido os comandos certos e falou novamente:

- Вы принадлежите к ним. Вы не можете убежать или спрятаться. Они создали его, и вы должны вернуться. "Você pertence à eles. Não pode fugir ou se esconder. Eles o criaram e você deve voltar" - os olhos aparentemente artificiais, brilhavam em tons de azul. Pareciam focados em Bucky e mesmo assim olhavam através ele.

- Они? Вы говорите о гидры? "Eles? Está falando da Hidra?" - algo dentro de Bucky se remexeu em desconforto, sentiu-se observado por olhos intrusos. Olhos que ele não podia ver e que não pertenciam a ninguém dentro da mansão.

- Вы знаете, кто я говорю о ... киллера "Você sabe de quem eu estou falando... assassino".

Por mais que tentasse ignorar, aquela palavra, dita naquele tom, enviou uma onda de pequenos espinhos pelas veias de Bucky. Fechou as mãos em punhos firmes, a respiração começando a ficar pesada demais, ardendo nos olhos que não queriam piscar.

- который. вы. Вы хотите? "O que. Você. Quer?" - seus dentes estavam tão trincados, que dóia falar ou fazer qualquer movimento que mexia com mandíbula.

- Это не то, что я хочу, это то, что им нужно. Его владелец хочет его обратно и как он всегда должен ему подчиняться. "Não é o que eu quero, é o que eles precisam. O seu dono o quer de volta e como sempre deve obedecê-lo."

- Что мои друзья с ним делать? "O que os meus amigos tem a ver com isso?" - Bucky não achou uma definição melhor para se referir aos outros e o prisioneiro não deixou passar despercebido, seu sorriso se alargando mais ainda no rosto assombroso.

- Ваши "друзья" препятствия на пути того, кто хочет, чтобы его обратно. В то время как они защищают вас, они должны быть устранены "Os seus "amigos" são obstáculos no caminho de quem o quer de volta. Enquanto eles te defenderem, terão que ser eliminados" - não havia sequer um traço de emoção em sua voz, era como se as palavras estivessem sendo digitadas ou escritas num papel, sem carregar qualquer tonalidade.

- Они не получат его. Вы пытались и не удалось ... "Eles não vão conseguir. Vocês tentaram e fracassaram..."

A risada foi tão estridente, que os ouvidos de Bucky pinicaram. Demorou alguns segundos para ele perceber de onde viera o som, mesmo que o rosto não tivesse mudado nem um milímetro.

- Не стоит недооценивать силу Hydra. Вы наш, и мы будем иметь его обратно. "Não subestime o poder da Hidra. Você é nosso e iremos tê-lo de volta."

Bucky perdeu a batalha para os próprios nervos, o último fio de controle se esvaindo completamente, quando ele levantou bruscamente, a cadeira caindo com um baque agudo no chão. Socou a mesa de metal com força, o braço biônico deixando um amassado irreversível.

- Я не принадлежу к вам! Я не принадлежу к Hydra или кому-либо "Eu não pertenço a vocês! Eu não pertenço à Hidra e nem a ninguém!" - o grito de Bucky não causou a reação que seria esperada de um humano. O prisioneiro apenas meneou a cabeça em sua direção, um movimento computado que serviu para tirá-lo mais ainda do sério.

- Мы сделали вас "Nós fizemos você" - a frase saiu calma, simples e arrastada, como um domador de frente com um animal raivoso, querendo mostrar quem é que estava no comando - Мы вернули его к жизни. Мы дали все. Независимо от того, как часто пытаются убежать или увернуться, мы найдем его. Давайте копать яму после того, как отверстие, и вы никогда не можете быть скрыв..  "Nós o trouxemos de volta a vida. Nós o demos tudo. Não importa quantas vezes tente fugir ou se esquivar, vamos encontrá-lo. Vamos cavar buraco atrás de buraco e você jamais poderá se escond..."

Tudo aconteceu rápido demais, em menos de um segundo de explosão temperamental. Bucky, não aguentando mais ouvir uma palavra sequer, sentindo as lágrimas ardidas rolando pelas bochechas, pegou a mesa com uma das mãos e a atirou do outro lado da sala, tomando dois passos decididos na direção do prisioneiro. A única imagem que preenchia sua mente era a dele agarrando aquela coisa pelo pescoço e destroçando-o em pedaços, pisando no que quer que fosse o material que o compunha e cessando aquela voz demoníaca. Mas antes que pudesse chegar a tanto, uma mão voou na cabeça do homem sentado na cadeira, um soco forte e certeiro no crânio do prisioneiro. O impacto enviou o corpo, junto com a cadeira diretamente para o chão, fazendo um estrondo grave ecoar pelas paredes.

Bucky virou-se, surpreso pelos sons e as sensações que preencheram o ambiente. Seus olhos embaçados encontraram os de Steve, que parecia tão arrebatado quanto, a mão fechada em punho ainda parcialmente suspensa no ar, o peito subindo e descendo devido ao esforço.

- O que você fez? - a pergunta saiu arranhada, subindo pela garganta embargada de Bucky.

- Eu... - Steve deixou a boca aberta, sem conseguir formar uma resposta. Mas não foi preciso, pois naquele momento, através da porta escancarada por ele os outros entraram.

Natasha foi na frente, obstinadamente ajoelhando perto do prisioneiro caído. O restante se agrupou em volta de Bucky e Steve, ambos não pareciam estar aptos a falar ou se mover. Ficaram se encarando atônitos, digerindo o que acabara de acontecer.

- Ele está vivo... se é que isso pode ser dito dessas coisas - Natasha anunciou com a voz um tanto enojada. Clint foi até ela, pegando de leve em seu braço  assim que se levantou e os dois olharam para o estado em que a sala se encontrava agora.

- Bem, foi melhor do que todo mundo esperava, tenho certeza - Clint tentou amenizar o clima com um pouco de sarcasmo, mas foi tão efetivo quanto se ele tivesse ficado em silêncio.

- Alguém pode explicar o que ele falou? - Scott tinha os braços cruzados junto ao peito e olhar viajando pelos rostos na sala. Eles sabiam que somente duas pessoas ali entenderam o que havia sido dito naquela sala e uma delas não estava em estado de se pronunciar.

Natasha olhou para Bucky brevemente, esperando uma permissão que não veio. Queria saber se ele iria explicar ou se ela teria que fazê-lo, contudo, ele não prestava atenção nela. Seu único objetivo parecia ser ler o rosto de Steve e aliviar a própria angústia.

Ela pigarreou para que os outros se virassem em sua direção. Wanda foi a única a se demorar, ainda encarando o prisioneiro caído no chão.

- Ele disse que Bucky pertence à Hidra e que eles não vão deixá-lo escapar - disse da forma mais séria e profissional que conseguiu adotar - Que somos obstáculos no caminho.

Sam balançava a cabeça, incrédulo demais para responder diante daquilo. Todos os outros espelhavam sua reação, como se achando patético tamanha alegação. Para completar o prisioneiro permanecia inerte, caído na posição que o soco de Steve o deixara.

- Vou pedir que o levem de volta - T'Challa entrou no círculo que eles haviam formado, uma das mãos enfiada no bolso da calça, a outra pendendo ao lado do corpo, aquela que trazia o anel da realeza de Wakanda - Alguma objeção?

Diante da negação unânime, o Rei se foi, saindo da sala de interrogatório para chamar seus homens. Um clima de anuviação pairava no ar, impedindo que qualquer um deles quisesse dizer alguma coisa. Apesar de somente duas pessoas ali terem entendido a conversa que se passou dentro da sala, a tensão do que fora dito se espelhava em cada feição e cada suspiro. Até Steve parecia estar se livrando da raiva que o fez agir, deixando os músculos serem tomados pelos mesmos questionamentos presentes da mente de todos.

Bucky, por outro lado, era o único que estava sóbrio, livre de qualquer emoção no rosto lívido. Seus olhos encaravam o chão limpo e impecável, não o prisioneiro. Pareciam vazios, vítrios e opacos, sem o brilho que Steve sempre buscava neles. Os dois não se olhavam mais e aproveitando a deixa, Bucky se empertigou. O movimento foi brusco diante da inércia no ambiente e ele evitou demonstrar atençaõ em alguém, enquanto falava:

- Espero que isso tenha ajudado, mas se vocês não se importam eu vou... vou embora - a última palavra saiu desconvidada, quase carregada de mágoa demais. Prendeu a respiração por um instante, mas ninguém notou.

- Claro, nós entendemos - Maria assentiu freneticamente, tomando as rédeas pelos outros que obviamente não mostraram objeção.

Sentiu os olhos de Steve o acompanharem, perfurando suas costas e sua nuca, mas não parou e nem diminuiu o passo. Engolindo as próprias perturbações como aprendera tão bem a fazer, Bucky dobrou os joelhos mecanicamente a cada passo, rezando para conseguir chegar ao próprio quarto.

~ v ~

As bochechas começaram a esquentar no minuto que Bucky cruzou o arco da porta, deixando a sala de interrogatório. Steve esperou que ninguém notasse o tom vermelho que seu rosto adotou, ele mesmo sentindo tanta vergonha que quase começou a rir. Nunca entendera bem esse instinto do ser humano de cair na gargalhada quando algo terrível acontecia, nunca tendo ele passado por esse problema. Mas agora queria rir, queria se apoiar em algum lugar e rir escandalosamente tamanho o desespero que tomava seu peito.

- Steve, tá tudo bem? - Wanda inclinou a cabeça buscando seus olhos e relutantemente ele os levantou.

Deu de ombros minimamente, pescando um olhar duvidoso aqui e ali, daqueles que não haviam acreditado em seu gesto. Sam sendo um deles.

- O que deu em você, cara? Aliás, de onde você saiu? - Sam se voltou para a parede da sala onde ficava a porta, tentando achar alguma outra entrada.

- Ele passou do seu lado - Natasha levantou as duas sobrancelhas pra ele, como se fosse óbvia a sua informação.

- Passou?

- Passei - Steve forçou a palavra garganta acima, mordendo o interior da bochecha e engolindo momentaneamente a vontade de dar risada.

Scott não foi tão sutil e teve que abaixar a cabeça para esconder o largo sorriso que estampou nos lábios. Por mais que o clima parecesse cinco por cento mais leve, uma pessoa não havia ignorado a primeira pergunta de Sam.

- Você não respondeu a pergunta, Capitão - Clint tinha uma expressão obstinada, mantendo um dos braços em volta dos ombros de Natasha - O que deu em você?

Como explicar para seus amigos, algo que nem ele mesmo entendia? Como verbalizar o conflito de emoções que tomaram conta de seu corpo e o impulsionaram para dentro da sala? Para falar a verdade, nem ele mesmo se lembrava de ter entrado na sala e desferido o soco na cabeça do prisioneiro. Seus olhos haviam ficado cegos, encobertos pelo medo e pelo instinto protetor. Vira apenas duas coisas acontecendo: Bucky atirando a mesa longe, avançando enlouquecidamente e o prisioneiro com um terrível sorriso de escárnio no rosto sem expressão, o olhar de contentamento diante da reação que provocara em Bucky.

Tudo que viu foi uma situação que precisava ser impedida. Tudo que viu foi aquele dia em Berlim, o dia em que quase não fora rápido demais para parar o amigo. O dia em que Bucky poderia ter escapado por entre seus dedos se não tivesse deixado o instinto agir.

- Eu... - buscou no fundo da mente a habilidade que tão pouco dominava e mais uma vez sentiu o rosto esquentar - Achei que o prisioneiro pudesse fazer algum mal... como Zemo.

Talvez naquela mentira tivesse uma pitada de verdade, pois isso era mesmo uma possibilidade. Contudo, sem surpreendê-lo, ninguém pareceu comprar sua desculpa.

- Só isso? - Sam ergueu uma sobrancelha inquisidora pra ele, cruzando os braços com ainda mais força.

- É, o que mais seria?

Essa era uma técnica que aprendera com Bucky. Não sabia mentir, nunca fora bom em sequer tentar, o amigo sempre lhe dissera que o que o entregava eram os olhos. Steve desviava os olhos para qualquer lugar que não fosse os da pessoa a sua frente, assim como quando estava com vergonha. "De um jeito bobo, mas genuíno, você parece buscar a resposta no ar ao invés de fazê-lo dentro da própria cabeça", foram as exatas palavras que Bucky usara "Se não conseguir inventar alguma mentira imediata, a melhor coisa a fazer é devolver a pergunta" e diante disso, Steve perguntara totalmente confuso "Devolver a pergunta?". Lembrava-se de Bucky revirando os olhos, apoiando o cotovelo na mesa da pequena cozinha do apartamento deles, a palma da mão descansando o queixo livre de qualquer resquício de barba "É, Stevie. Se alguém pergunta 'por que você estava sem calças dentro de um frigorífico?' e você conta uma mentira ridícula do tipo 'eu estava querendo saber como uma vaca morta se sente', dificilmente a pessoa vai acreditar. Nesse caso, ela vai falar algo como 'que coisa idiota, por que alguém faria isso?' e é aí que você devolve 'por que alguém não faria isso?'. Pronto, você quebra as pernas dela e sua mentira está montada." "Isso funciona mesmo?" "Bom... na maioria das vezes não. Noventa por cento das pessoas vai achar que você é um idiota e não um mentiroso. Cinco por cento não vai acreditar e vai continuar te questionando. O outro cinco por cento, é composto de pessoas que vão ser pegas de surpresa e vão ficar se questionando se o que você falou faz sentido ou não. Até elas se decidirem, você pode sair furtivamente e se livrar de uma explicação mais ampla" "Uau... e como eu vou saber com que parte da porcentagem estou falando?". Bucky havia rido, os dentes brancos formando o sorriso jocoso e despreocupado que Steve tanto gostava, antes de falar "acredite Stevie, você vai saber".

Não sabia o motivo de ter lembrado daquele momento, a nostalgia da lembrança o atingiu com tudo no peito e a única coisa que o manteve em pé, foi ver que todos os amigos, sem qualquer exceção, estavam inclusos naqueles últimos cinco por cento.

Quis tanto sorrir, correr pelos corredores e perguntar se Bucky se lembrava da mesma coisa. Sentar com ele na mesma mesa bamba e precária, rir dessa estratégia minimalista que Steve nunca pensou ser capaz de dominar.

Como se fosse uma deixa do destino, os homens de T'Challa entraram na sala nesse momento, cortando qualquer possibilidade que os amigos podiam ter de continuar questionando-o. Foram em direção ao corpo caído, marchando silenciosamente.

Aproveitando o alívio cósmico, Steve se esgueirou para fora da sala, andando a passos largos pelo corredor antes que alguém pudesse pará-lo. Sua mente formada em volta do lugar para o qual ele deveria ir.


~ v ~

Bucky aceitou o conselho de Wanda, prendendo o cabelo num coque desajeitado. Ele nunca havia feito aquilo, então ficou alguns segundos em frente ao espelho, segurando o elástico preto que ela lhe dera, pensando que não podia ser tão difícil assim. O resultado não fora tão ruim, mas o que os outros chamariam de "franja", ficou balançando em ambos os lados de sua face e ele teve que colocar os cabelos atrás da orelha.

Logo depois, voltou para o que estava fazendo no quarto, encaixando perfeitamente mais um par de meias no canto esquerdo da pequena mala. Sabia que não deveria levar muita coisa, talvez não devesse levar absolutamente nada, mas a mera possibilidade de sair daquele país somente com a roupa do corpo era impensável.

Ao dobrar a última camiseta que iria levar, não conseguiu mais esconder o tremor na mão humano e parou, descansando o pano em cima da cama. Parecia que todos os seus nervos estavam gritando para que ele parasse de se mover. Sentia ela puxar o braço na direção da mala, querendo pegar todas as peças de volta e colocá-las no armário como Steve havia feito no início. Steve...

Era por ele que tinha que ir embora, por ele e pelos outros que arriscaram as próprias vidas ao mantê-lo ali. Estava na hora de colocar um fim naquela situação perigosa e Bucky via isso agora. Ele entendia que tinha que ir embora, sem drama e nem despedidas. Viver fugindo e se escondendo como fizera durante tanto tempo, longe num lugar onde não pudesse machucar absolutamente ninguém.

Mas a piada que era sua vida, não cansava de admirá-lo com as reviravoltas e por mais impossível que pudesse parecer, ele já tinha sentido os passos se aproximando no corredor. Quando a maçaneta da porta girou e ela foi aberta sem qualquer aviso, Bucky nem sequer virou. Nem quando sabia que o outro havia visto a mala em cima da cama ou quando sussurrou seu nome com tanta mágoa e desespero, que ele sentiu o coração se partir em mil pedaços.

Só quando Steve tocou seu ombro por cima da camiseta, chamando-o para seu olhar, foi que Bucky dignou-se a virar. Exatamente como ele havia previsto, o ar faltou no pulmão e o sistema nervoso começou a formigar.

- O que... do que se trata isso? - Steve apontou com a cabeça para o trabalho que Bucky tinha feito rapidamente. Era nítido como ele tentava não parecer vacilante, ambos os braços agora firmes nas laterais do corpo, cada músculo carregado de tensão.

- O que parece? - Bucky não quis ser grosso, pelo contrário, queria agarrar Steve e dizer que aquilo não era nada, apenas um deslize de sua cabeça confusa. Mas de repente se lembrou do episódio na sala de interrogatório e em como aquilo o deixara furioso - Vai querer terminar esse trabalho por mim também?

A confusão mesclou os olhos claros de Steve, apagando parte do brilho costumeiro deles. Demorou um total de cinco segundos até ele entender ao que Bucky se referia.

- Não me diz que você ficou bravo por causa daquilo? - a pergunta saiu carregada de incredulidade, provocando uma risada sarcástica em Bucky.

- Bravo? Não, nem tanto. Me senti mais como uma criança de seis anos que precisa de ajuda pra atravessar a rua - puxou o braço de metal que aparentemente tinha se esquecido que precisava funcionar e cruzou ambos diante do peito.

- Isso é sério? - Steve falou, quase desesperado demais - E por causa disso, pensou... pensou que fosse melhor...

Ele apontava com a cabeça para a mala em cima da cama. Na concepção de sua mente desesperada, aquilo era como uma bomba pairando entre os dois. Se ousasse se referir a ela diretamente temia que fosse ser o fim e não conseguia forçar os próprios lábios a formarem a frase "ir embora".

- No momento, parece a única coisa a se fazer, você não acha? - Bucky desviou a atenção brevemente para o amontoado de roupas, para depois voltá-los a Steve, vendo a expressão dele se derreter em desolação - Depois do aquela coisa falou, sobre vocês serem alvos por estarem tentando me proteger. E além do mais, não acho que você vá conseguir parar com isso. Digo, parar de me tratar como se eu fosse um bebê.

A amargura nas palavras surpreendeu a ele mesmo, que viu como o efeito delas deixou Steve. A mudança do desespero para a tristeza foi mais rápida do que Bucky pode acompanhar. "É inacreditável como ele tem a habilidade de remendar meu coração e ficar partindo ele em pedaços, toda hora", pensou ainda com a feição endurecida.

- Bucky, não foi minha intenção...

O rosto de Steve era a definição de desolado, as sobrancelhas inclinadas formando um vinco na testa, os olhos brilhando de arrependimento e os ombros caídos. Estava claro que ele não queria realmente que as coisas tivessem tomado aquele rumo, pela voz entrecortada, Bucky teve certeza do remorso de Steve e seu próprio coração amoleceu.

- Não quis te magoar ou fazer você se sentir uma criança. A única coisa que passou pela minha cabeça foi sua proteção. Eu fui... fui idiota, me perdoe - abaixando os olhos para as mãos estendidas, Steve se deixou afundar no colchão, sentando na superfície macia com um "unf" abafado.

Bucky suspirou derrotado, a postura ereta e desafiadora se desfazendo como costumava ser há tantos anos. Era sempre assim quando o pequeno e indefeso Steve se metia em alguma encrenca grande demais para seu corpo franzino. Depois de resgatá-lo, Bucky fingia absorver em silêncio as palavras desafiadores do amigo e lhe dava uma bronca por ser imprudente com a própria vida. Às vezes era capaz de se lembrar da sensação, o coração sendo prensado contras as costelas, o peito apertava e o estômago afundava com o medo de que talvez no dia seguinte Steve fosse levar uma surra da qual não haveria escapatória. De que o amigo com a saúde já tão deteriorada, não iria conseguir aguentar os socos dos quais ia atrás. Aquilo matava Bucky aos poucos e por isso o repreendia, inflava o peitoral e tentava passar o máximo de autoridade para Steve, que acabava abaixando a cabeça e dizia que não podia parar de ser quem era.

Mas naquela ocasião em especial, o rapaz que antes era pequeno, frágil e magrelo, havia se tornado um homem enorme, musculoso e autosuficiente. E contrário ao que um dia fora, dessa vez Steve apenas absorveu as palavras, demonstrando uma mágoa genuína através do olhar cabisbaixo. Mais do que se tivesse se colocado na frente do exército alemão para servir de muralha no fogo cruzado, a reação subsmissa dele acabou com as defesas que Bucky tentara construir ao confrontá-lo.

Andou arrastada e lentamente até a cama, sentando-se ao lado de Steve que levantou os olhos para ele.

- Não precisa me pedir desculpa, eu te entendo - Bucky foi amolecendo aos poucos, sentindo os nervos relaxarem pela proximidade de Steve - Sei que no seu lugar eu faria a mesma coisa. Nós crescemos assim, a única certeza era que tínhamos um ao outro para proteger e é difícil se desapegar desse tipo de coisa, certo?

Virou o rosto para procurar algum tipo de compreensão no rosto de Steve, encontrando-o com a boca ligeiramente aberta, os olhos arregalados e as bochechas rosadas. "Ai merda", pensou Bucky engolindo a saliva que se acumulava embaixo da língua. Aquele calor imprudente, totalmente desconvidado, teimava em crescer entre suas pernas e formigar por seu sistema nervoso. Quase desmaiou ali mesmo quando Steve também fez o movimento de engolir, fazendo seu pomo de adão subir e descer, hipnotizando-o.

- Você... de onde tirou isso? - perguntou Steve, soando avoado, provavelmente alheio aos sinais que o corpo de Bucky estava dando.

- Não sei, algumas coisas simplesmente voltam pra mim em alguns dias em especial. Quando eu acordo, por exemplo, às vezes me pego lembrando dos dias em que dormíamos juntos, sabe? Quando você estava doente demais pra fazer qualquer coisa e nós apenas nos deitávamos em silêncio? - disse - Não faço a mínima ideia do porquê isso ocorre tão esporadicamente, mas é... reconfortante.

- Desde quando você usa palavras como "esporadicamente"? - Steve tinha um leve sorriso se formando nos lábios. Apoiou um dos braços fortes na coxa, destacando os músculos esmagados pela camiseta.

- Cala a boca, eu sempre fui extremamente intelectual - Bucky fingiu estar ofendido, incapaz de esconder o sorriso que também queria se formar em seu rosto.

- Isso não é uma memória, é um devaneio - falou Steve - Mas voltando, eu sinto sim que devo me desculpar, não foi justo esconder aquela informação de você. Só achei que fosse melhor não te impor certos esforços por enquanto.

- Eu sei, Stevie, sei que só pensou no meu bem. É só que eu quero poder me acostumar, sabe? - Bucky inclinou a cabeça na direção do outro, querendo absorver os traços de sua expressão e que Steve fizesse o mesmo - Quero poder merecer viver nessa mansão. Mesmo que seja temporário, mesmo que nós tenhamos que nos separar eventualmente. Quero que as pessoas parem de me ver como um objeto danificado, que foi precariamente remendado e que pode se partir facilmente - fez uma breve pausa para tomar o mínimo de fôlego antes de continuar - E principalmente, quero que você pare de me ver assim. Sei que todos os seus esforços são para tornar tudo isso o mais fácil possível pra mim e... - estendeu a mão de metal, retraindo os dedos, quase como se a visão do membro automático ainda o impressionasse - E eu gostaria muito se me deixasse participar. Digo, se me deixasse tentar agir normalmente.

Steve absorveu as palavras pouco a pouco, puxando o ar quente do quarto para dentro dos pulmões, num reflexo costumeiro. Mas não sabia se estava mesmo respirando, não tinha muita consciência do que fazia ali, sentado, os olhos focados nos movimentos que Bucky performava com os dedos biônicos. Sem pensar muito, Steve esticou a própria mão trêmula e a repousou no metal frio. Carregado por um instinto mais forte que sua mente, Bucky agarrou os dedos do amigo com os seus, fechando-os em seu aperto.

Era engraçado como aquele gesto podia parecer inapropriado para certas pessoas, como para alguns a intimidade que aquilo implicava tornava-o inadimissível para dois homens adultos o estarem praticando. Mas havia tanto naquele simples segurar de mãos, tantos anos perdidos, tantas lágrimas e aflições, segredos, dor, perda, luto, amizade, cuidado e amor, que apenas Bucky e Steve eram capazes de entender que não se tratava apenas de um "segurar de mãos" ou um "entrelaçar de dedos" e sim um "segurar de mundos". Um era o mundo do outro de um jeito que ninguém conseguia entender. Haviam saído de uma época totalmente diferente, arrancados das vidas nas quais nasceram, para serem jogados num universo cruel e impiedoso. Separados por esquemas maldosos e pela ironia do destino, reencontrados num turbilhão de acontecimentos decisivos. Ali, sustentando as próprias incertezas e ansiedades, eles seguravam muito mais do que as mãos. O aperto continha o alívio de dois meninos, melhores amigos de infância, que após se desencontrarem, perdidos em um mundo desconhecido por ambos, haviam achado o caminho de volta.

- Não posso prometer que vou parar de te proteger - Steve murmurou, sentindo os arrepios que o metal frio enviava por seu corpo. Ou talvez fosse a proximidade com Bucky, a eletricidade que dançava entre os dois - Jamais vou conseguir abrir mão disso, porque é um instinto e não uma vontade.

Bucky assentiu, encontrando os olhos do outro e prendendo-os nos seus.

- Mas posso prometer ser menos possessivo em relação as coisas que acontecem com você. Lhe dar o espaço para poder agir como bem deseja, se isso não me excluir, claro - sorriu fracamente, o corpo inclinado para frente dando uma visão perfeita dos lábios de Bucky espelhando os mesmos movimentos.

- Não vou te excluir. Nunca.

- Você é a pessoa que sempre manteve meus pés no chão, mesmo quando... quando eu tinha aqueles desejos incontroláveis de bater em caras que davam o dobro de mim - Steve confessou, soltando uma risada nasalada.

- Sei, você era um estúpido, isso sim - o tom de Bucky estava mais relaxado, flutuando pelos pensamentos novos que invadiam sua mente confusa.

- Eu tinha um complexo de herói imprudente, você tem que confessar.

- Na época eu não conseguia envolver minha mente ao redor do fato de que você parecia não ter limites - por um breve momento, os olhos de Bucky se desviaram para um espaço atrás de Steve, para nada em particular, apenas viajando pelo passado. Logo ele voltou a encarar o homem a sua frente, a expressão levemente sonhadora - Eu ficava tão bravo, tão... incrédulo, pensando que você era o ser humano mais idiota do planeta. Quer dizer, eu sabia da sua doença, eu vivenciava os sufocos pelos quais você passava e sofria tanto quanto. E no dia seguinte, você simplesmente ia lá e se metia em alguma briga, mesmo que no dia anterior estivesse de cama, tossindo sangue e incapaz de sequer abrir os olhos.

Steve se permitiu forçar as memórias pela própria mente, passeando pelas épocas difíceis na qual vivera, os momentos de agonia em que a única coisa que conseguia fazer era deitar a cabeça enferma no colo de Bucky e se perder na inconsciência. Quando sua doença atacava de tal forma, deixando-o a beira da morte várias e várias vezes.

- Eu achava que você tinha algum desejo de morrer - Bucky suspirou pesadamente, deixando o sorriso vacilar - Achava que apesar de não me contar, você estivesse cansado demais para continuar e aquele fosse seu jeito de desistir. Mas... - a maneira como olhou para Steve naquele momento, foi tão intensa que chegou a fazer o peito do outro doer - Um dia você voltou pra casa, lembra? No pequeno apartamento que dividíamos? Você estava sangrando por todas as partes, mal conseguia andar...

- Eu lembro.

- Me corrija se eu estiver errado, mas quase não era possível ver seus olhos de tão inchados - Bucky aguardou e quando Steve assentiu concordando, ele continuou: - No meio do rastro vermelho que descia das suas bochechas, eu podia ver as lágrimas e te conhecia o suficiente pra saber que não ia querer que alguém te visse chorar.

- Mas você não era qualquer pessoa...

- Não, certo? E você chorou. Eu pude sentir quando te ajudava se limpar que não estava chorando de dor ou humilhação, seu choro era um lamento de impotência, porque sua condição física não o permitia fazer mais. Não o permitia ser aquele que você nasceu pra ser - Bucky levantou a mão humana, hesitante e gentilmente esticando-a até a bochecha esquerda de Steve, tocando a pele quente e enviando um choque de formigamento por todo o corpo dele - Esse homem grande, alto e forte que você é agora, é meramente um reflexo do seu interior. Mesmo quando era pequeno e de certa forma, indefeso, Steve Rogers sempre foi maior do que todos nós. Eu soube disso naquele dia e ainda posso ver através de tudo isso - olhou para o peitoral, para as pernas e voltou para o rosto - Posso ver sua alma.

De repente, o ar ficou denso, difícil de respirar e os reflexos sumiram da concepção de Steve. Ele sentia a cabeça começar a girar, incapaz de formular uma resposta. Não sabia o que era aquilo, aquela sensação entorpecente que seu sistema nervoso teimava em apresentar perto de Bucky. De uma hora para a outra, suas terminações nervosas começaram a responder de forma débil ao ficar tão próximo do outro, tão próximo que podia sentir a respiração quente e doce de Bucky batendo em sua pele sensível. Ia desmaiar, sentia o corpo desfalecer aos poucos dentro daquele toque.

- Buck, eu... - começou pelo que devia ser a milésima vez desde que o amigo saíra da criogênia, procurando as palavras certas para dizer algo que nem sequer entendia.

Nunca na vida se sentira daquela maneira, nem quando pensara estar sendo arrebatado por um sentimento novo e inimaginável, agora via que era apenas uma fagulha perto do incêndio que podia experienciar.
Perto de Bucky, o mundo emitia tantas sensações, impulsos e novidades, fazendo-o ficar tonto e desnorteado, como se tivesse levado uma pancada na cabeça. Era perturbador e viciante. Lá no fundo de sua mente, uma voz ficava sussurrando que tudo aquilo era loucura, que deveria ignorar os impulsos conturbados de seus nervos e seguir em frente. Algo como o último fio de sanidade que possuía, fisgava seu cérebro, alertando-o. Mas Steve estava completamente tomado, pela proximidade e pelos desejos que nem ele mesmo sabia que tinha.

Bucky notou a maneira como as pupilas a sua frente se dilataram, escurecendo e se destacando no rosto petrificado de Steve. As bochechas rosadas e a boca entreaberta tomaram todas as negações que havia treinado durante aquele dia. Não fazia sentido ficar negando, não quando o outro parecia tão hipnotizado quanto ele.

Foi como uma explosão vulcânica que mesmo lenta, pode ser indubitavelmente desastrosa. E foi Steve quem tomou a iniciativa. Matando qualquer mísero espaço que pudesse haver entre eles, inclinou-se na direção dele, colando seus lábios, encaixando-os perfeitamente na superfície quente e macia dos de Bucky. Houve surpresa e hesitação, atitudes iniciais que não perduraram por mais que dois segundos.

As mãos de Bucky, humana e biônica, agarraram os ombros de Steve, prendendo-o a ele com segurança dessa vez. Diferente do primeiro beijo, agora ele sentia a firmeza com que ambos se envolveram e o toque de Steve em suas costas, tão urgente e sedento quanto poderia ser, foi o único aval de que precisava.

Eles se manteram explorando as sensações e os ardores do beijo, compartilhando o ar que ficava mais denso a cada minuto. As bocas estavam quentes e formigando, enviando arrepios para lugares escondidos e que ganharam vida imediatamente. Bucky agarrava os cabelos na nuca de Steve como se jamais o tivesse tocado antes, puxando-o mais para perto, crendo na possibilidade de se fundirem por completo. Contornou os lábios dele com a língua fervente, desenhando um pedido suplicante que vinha do fundo de sua alma. Que dessa vez ele não o afastasse. Que dessa vez ele o deixasse ter mais.

E com um suspiro aliviado, um gemido surdo de satisfação, Steve abriu os próprios lábios, aproveitando a colisão e descendo os dedos trêmulos pelas costas largas e musculosas de Bucky. Sentiu o outro se contrair e relaxar embaixo de seu aperto, incitando o corpo pra frente querendo mais contato. Enquanto as línguas dançavam ávidas por algo que nem eles sabiam ainda o que era, Steve chegou até a barra da camiseta de Bucky, passando os dedos por debaixo do pano fino e tocando a pele quente. Os arrepios passavam de um pra outro, forjando ferro nas veias e alastrando um fogo indescritível por onde quer que se tocassem.

Steve jamais havia se sentido daquela maneira. Jamais beijara alguém daquela forma e com certeza, jamais se sentira tão estupidamente entorpecido por um gosto tão doce e persistente. Queria que Bucky explorasse seu corpo tanto quanto ele explorava o dele e tentou demonstrar isso ao pegar o lábio inferior dele entre os dentes dando uma mordida lenta e tortuosa. O gemido que escapou da garganta de Bucky foi o suficiente para fazer a virilha de Steve começar a reclamar, o desejo causando uma tontura deliciosa que passava através das têmporas.

No meio do fogo infernal, Bucky foi capaz de empurrar Steve na cama, deitando o corpo dele sobre os lençóis já bagunçados e caindo por cima. O outro partiu o beijo, prendendo Steve na cama com um braço de cada lado de seu rosto, os cotovelos apoiados no colchão. Bucky escaneou o rosto a sua frente, as bochechas vermelhas, a boca rosada e um pouco inchada, os olhos arregalados e brilhando. A beleza era arrebatadora demais, apertando seu coração de um jeito gostoso.

- Eu... - na verdade, não sabia o que dizer, nem sabia se queria dizer alguma coisa ou se estava fazendo aquilo por Steve. Dando um tempo para que o outro pensasse e desse conta do que estava acontecendo.

- Shiu - Steve acompanhou o protesto verbal, com o movimento de suas mãos, subindo mais ainda a camiseta que o outro usava. Viu quando Bucky fechou os olhos ao sentir seu toque subindo pela extensão dos músculos das costas - Não fala nada...

Sua voz era um murmuro ardente, o hálito aquecia os lábios dormentes de Bucky. Ao voltar a encará-lo, quase podia enxergar chamas azuis nas irises.

- O que estamos fazendo? - a pergunta que ele emitiu foi um sussurro, uma súplica para a qual Steve não tinha resposta.

Apenas sorriu e puxou o corpo acima mais para baixo, o encontro das duas virilhas dolorosamente satisfatório, fez Bucky morder o lábio.

- Não sei... não... - Steve achava difícil falar, não conseguia se concentrar com o calor que emanava do corpo de Bucky para o seu - Não importa, importa?

Ao invés de verbalizar a resposta, atendeu aos esforços das mãos de Steve, olhando fundo em seus olhos claros e confusos, desceu a cabeça lentamente. Antes de qualquer coisa, acaricou a bochecha dele com a ponta do nariz, fazendo uma trilha de fogo pelo queixo e descendo na linha do pescoço, o hálito quente acariciando a pele ali onde era tão sensível. Sentiu o corpo de Steve se tensionar embaixo do dele, os arrepios subindo por cada centímetro possível.

- Dorme comigo... - seu sussurro bateu no lóbulo da orelha de Steve, que solto um murmuro ininteligível em resposta. Bucky não tinha certeza do que estava falando ou do porquê estar falando, mas sabia que a súplica vinha do fundo de seu cérebro - Steve... dorme comigo.

O outro, finalmente entendendo, parou de se mexer. Seus olhos se abriram de súbito, arregalados pela surpresa. Bucky se afastou um pouco, mordendo o próprio lábio e tentando ignorar o medo que o invadiu. Ótimo, havia conseguido o que quisera durante tanto tempo e em menos de dez minutos estragara tudo. Dez minutos? Seria mais tempo? Parecia que estavam ali há horas...

- Está falando sério? - a voz de Steve saiu rouca de novo, completamente arranhada pelo desejo.

- Eu... desculpa, não quis soar como um tarado. Só pensei que podíamos ficar juntos, sabe, como... como antigamente - Bucky quis arrancar a língua com os dentes por ter soado tão inseguro. Como um adolescente no primeiro encontro.

Mas ali, embaixo de seu corpo quente e incerto, estava a única pessoa no mundo capaz de ler cada sinal que ele exalava. Para cada dúvida, medo ou angústia, Steve tinha a resposta. Por isso não se assustou quando o outro sorriu, um sorriso que foi abrindo mais e mais, até quase alcançar ambas as orelhas.

- Durmo - quase não saiu som de sua boca, mas Bucky conseguiu ler as palavras, pela proximidade e pela familiaridade - Claro que eu durmo.

Não foi preciso ponderação ou qualquer arranjo para que aquilo ocorresse. Com uma das pernas, Bucky atirou a mala - que agora não tinha utilidade nenhuma - para o chão frio e ali ela ficou, sem que eles sequer lembrassem de sua existência pela noite que se estendeu. Em algum momento, eles rastejaram mais para cima do colchão, apoiando-se nos travesseiros brancos e confortáveis, mas também não se dignaram a dizer quando. Pela primeira vez não houve relógio, clima ou tranca que os fizesse tirar os olhos um do outro. E assim eles ficaram, pelo resto das horas incontáveis, aproveitando a incerteza de tudo que estava vivendo, até adormecerem.


N/A: MEU DEUS, GENTE DESCULPA ESSA DEMORA HORROROSA! ALÔ, esse capítulo foi T O T A L M E N T E Stucky né? Não teve muita coisa, sim, confesso, mas eu tava querendo desenrolar isso logo e vocês também, que eu sei. Anyway, minhas provas vão começar daqui há duas semanas, então vou tentar escrever o 13 nesse meio tempo. Prometo que vou tentar, porque agora que deu tudo certo... tem que dar alguma coisa errada HAHAHAHAHA bye bye

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