Capítulo Um

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Quando nós termina... – não, espere aí.

Quando nós tomamos um pé na bunda – agora sim –, é doloroso e por isso, acabamos nos sentindo tristes. Esse sentimento é normal, humano. Afinal, a rejeição sempre será algo amargo. No entanto, ela faz parte da vida e infelizmente (ou não), temos de aprender a enfrenta-la. Ás vezes, esse aprendizado leva alguns dias, meses e até mesmo anos.

Já no meu caso, foram dois meses.

Durante esse tempo, tudo que fiz foi chorar e me lamentar do quanto aquilo me doía. Lógico que não sai espalhando isso para deus e o mundo, afinal tenho um pingo de dignidade e se tem uma coisa que me irrita, é coitadismo. Sabe aquela coisa de se fazer de vítima para os outros? Pois é, comigo não cola.

Enfim, depois de todo o período pós-traumático de fim de relação (caso você nunca tenha passado por um, é basicamente: assistir filmes de romance e se entupir com sorvete), resolvi que daria uma repaginada em minha vida. Recomeçar do zero, na verdade.

Não estou falando de voltar para o útero da minha mãe e tentar nascer de novo, não. Mas sim, melhorar, de alguma forma, essa minha medíocre existência.

E como toda mudança, não foi nada fácil iniciar a minha.

Primeiro, tive que controlar a vontade de chorar. Eu mesma dizia: "Engole o choro, Juliana". Como faziam comigo quando criança – e talvez, naquela hora, eu realmente fosse uma.

Em seguida, catei meus caquinhos e pouco a pouco, os guardei em "caixas" para que no momento certo o "caminhão das lembranças" os levasse embora – ou pelo menos, boa parte delas.

Após todo esse processo, me dei conta do poderio que o significado da palavra "recomeçar" tem. Não aquela definição simples do dicionário, mas sim, o da vida. Esse conceito, não se encontra em nenhum lugar, é algo que você mesmo precisa aprender. É uma transição, ao qual você tem de passar, para que um dia – quem sabe –, o seu eu do passado volte ao "normal" ou então, em uma versão melhorada.

Resumindo, é preciso repensar os seus passos e correr atrás do tempo perdido.

E foi pensando nessas coisas que resolvi criar uma lista mental das alterações que eu queria fazer em mim e na minha vida. Um tanto incertas, mas eram algumas ideias.

Como tudo isso ainda era recente, comecei com algo que não me afetaria muito: cortar as madeixas. Ok, isso nem se pode chamar de ato revolucionário, mas foi o melhor que pude fazer nas condições precárias em que me encontro – tanto emocionais quanto financeiras.

— Então, Ju? O que vai querer que eu faça? Luzes? Mechas?

Sentada na cadeira giratória do salão, eu me encarei pelo reflexo do espelho, imaginando o que poderia ser feito. Porque até então, eu só tinha em mente que queria começar pelos cabelos, mas não o corte a ser feito.

— Sinceramente? Eu não sei, Ana.

— Você veio para o salão sem saber o que fazer? Só você mesmo, Ju – riu.

— Eu pensei que no caminho até aqui eu fosse ter alguma ideia.

— Mas nada passa pela sua cabeça?

— Claro que sim, você pode aparar as pontinhas.

Não me julguem, eu disse que cortaria, mas não disse o quanto.

— Aparar as pontinhas? de zoa, , Ju?

Ana se tornou minha amiga depois que comecei a frequentar o seu salão – se não me engano, pouco antes de eu começar a namorar o Felipe. Por todo esse tempo de amizade, ela foi uma das primeiras, a saber, sobre a separação e também, sobre as mudanças que estava planejando. Na verdade, não há nada que ela não saiba sobre mim, da mesma forma que eu em relação a ela.

— Que foi?

— Quando você disse que queria mudar, eu pensei que fosse algo tipo "Uaau", mas se era pra isso, nem deveria ter perdido seu tempo. Você quer mudar ou não quer?

— Lógico que sim, mas aos poucos.

— Ju, cai na real. Se você não conseguir fazer isso com seus cabelos, que dirá com sua vida.

— Você quer que eu faça o que então? Que eu raspe careca?

— Claro que não – riu do meu exagero. — Só quero que você tente. Porque depois que você der o primeiro passo, todos os outros se tornarão fáceis à medida que for avançando.

Como em todas as outras vezes que estive na bad¹, Ana conseguiu me dar um ótimo conselho. Quando queria, ela conseguia ser tão filosófica, que eu ficava me perguntando o porquê dela ter aberto um salão de beleza, ao invés de estar escrevendo livros de autoajuda.

— Talvez você tenha razão.

— Óbvio que tenho – ironizou em tom brincalhão. — Mas vamos deixar esse papo furado de lado e ir direto ao assunto. O que vai fazer?

Huum... – pensei um pouco, mas no fundo, sabia que decisão tomar. — Vou deixar isso em suas mãos.

— Eu? Tem certeza? sabe que sou louca, ?

— Sei, mas como estou em uma nova fase, porque não algo criado por você? Eu só peço que tome cuidado, por favor.

— Não se preocupe, você não vai ter Irene.

— Irene? Que é isso?

— É uma referência de GITH – a fitei em silêncio, sem entender ao que se referia. — Girls in the house², sabe? – tentou, mas mesmo assim, fiquei sem compreender. — Ah, quer saber? Esquece. Só para de fazer drama. Não vou te fazer uma cirurgia, vou só mudar o seu corte.

— É dos meus cabelos que estamos falando, Ana. Não deixa de ser algo importante. Até porque, não se confia em qualquer um pra isso.

bom, bom – virou a cadeira ao qual estava sentada, de tal modo que fiquei de costas para o espelho. — Se for assim, sinto muito, mas você não vai ver nada.

— Por quê?

— Porque eu te conheço. É capaz de desistir no meio do caminho se ver o que vou fazer.

— Desistir? Porque eu desistiria? E vou ficar careca, não vou?

— Deixa de ser desconfiada, eu só quero fazer surpresa. Agora fique quieta e deixe que a mestra dos cabelos transforme a "Juliana do passado" na "nova Juliana".

Ri da sua brincadeira – que era um tanto verdadeira, afinal esse era o motivo de eu estar ali – e deixei que Ana fizesse o que bem entendesse, mesmo que no fundo eu estivesse me cagando de medo.



bad¹: quando a pessoa está em um momento ruim; triste; deprimido(a).

Girls in the house²: série de um canal do YouTube, criada através de um jogo simulador de vida.

Não sou obrigadaOnde histórias criam vida. Descubra agora