Já era terça-feira e a semana parecia não ter fim.
Me encontrava no segundo dia de monitoria em odontologia e para mim, isso estava sendo torturante e aos poucos eu percebia que aquilo de fato não era para mim. Haviam duas coisas que me faziam hesitar da desistência deste curso: todo o esforço que depositei nos meus estudos e o que faria de fato caso tomasse essa decisão. Para meus pais, segundo disseram em nosso almoço de domingo, eu devia seguir meu coração e ser feliz com o que gosto. E para Ana, que eu virasse mesmo escritora para contar para todos que é amiga de uma autora em ascensão. Logicamente, todo este apoio era valioso para mim, porém por mais que isso me motivasse, minha falta de atitude era maior. E confesso que isso é bem patético, levando em consideração as coisas que havia feito dias atrás. Onde estava a coragem de quando enfrentei Rebecca? Ou quando insultei o grandalhão na balada? Eu não fazia ideia, porém tinha em mente que tinha que dar um passo para que as coisas mudassem, da mesma forma que já tinha feito em momentos anteriores.
Eu tinha que querer. E eu queria. Queria com tudo em mim, mas o receio me fazia recuar toda vez que me aproximava da porta da secretária para trancar a faculdade.
"Você consegue, Juliana. Qual é?!" — minha mente dizia a mim mesma. E logo dei ouvidos a essas palavras, entrando na sala e pegando uma ficha para o atendimento. Olhei o telão e o último número chamado era o cento e vinte e ainda faltavam dez pessoas na minha frente. Meus cretinos pensamentos me alertavam que ainda dava tempo de desistir, que talvez eu pudesse dar atenção ao meu sonho depois de ter me estabilizado financeiramente. Respirei fundo, ignorando o demônio que falava essas coisas em um dos meus ouvidos e foquei no que estava prestes a fazer. Era algo simples, eu bem sabia, porém, tomar decisões sempre fora um problema em minha vida. Eu era a típica: decide você.
"Quer comer o que?"
Não sei, decide você.
"Prefere qual filme: ação ou romance?"
Não sei, decide você.
E essa falta de autonomia, de posicionamento, acabou me metendo em muitas furadas, como comer o que não gostava ou assistir filmes péssimos. Resumidamente, fosse o que fosse, as pessoas decidiam por mim. Não que eu não tivesse voz, mas minha ansiedade sempre acabava me barrando, por não saber o que me aguardava mais à frente ou até mesmo, o medo de me arrepender. Mas a verdade, é que os arrependimentos sempre vinham, principalmente por não fazer as coisas das quais eu amava, como era o caso.
O número cento e trinta piscou na tela, indicando quem me atenderia. Fui em direção a moça um tanto nervosa e ao me sentar, expliquei a ela o que queria. A loira não esboçou qualquer reação ou a mínima importância pelo o que eu dissera, apenas perguntou meu nome, enquanto digitava algo na tela. Felizmente, o atendimento foi mais rápido do que imaginava e por mais que tivesse faltado alguns documentos, já podia sentir o cheiro da mudança por ter feito a solicitação. Automaticamente, procurei meu celular na bolsa para dar a novidade aos meus pais e a Ana, porém na mesma hora lembrei que teria que comprar um novo, visto que tinha perdido o meu na boate dias atrás. Como não conseguia conter o ânimo, fui até um rapaz que mexia no celular de cabeça baixa para pedir o dele emprestado.
— Será que poderia... — parei ao ver quem se tratava. — Espera, você não é o...
— Gustavo — me estendeu a mão em um aperto. Fiz o mesmo.
— Você é o barmen que conversei... E o que me defendeu — vi que ao redor de seus olhos havia um roxeado devido ao soco que tinha recebido. — Nossa, seu olho...
— Isso? Isso não é nada — sorriu, de maneira que isso fechou levemente os seus olhos azuis. — Devia ter visto como deixei o grandalhão, quase saiu de cadeira de rodas.
— Imagino — ri de sua brincadeira. Então ficamos nos encarando por alguns segundos. Para quebrar o gelo, emendei: — Veio se matricular em algum curso?
— Não, na verdade eu estava te procurando.
— Me procurando?
— É que acho que você esqueceu isso no bar — me entregou uma bolsa de mão e só naquela hora me dei conta de que tinha algo em mãos, além do próprio celular.
— Não. Acredito — abri o zíper e lá estavam todas as minhas coisas: identidade, celular e alguns trocados. — Mas... Mas como sabia que eu estudava aqui?
— É que te procurei nas redes sociais e em um dos seus perfis vi que fazia faculdade aqui. Então achei que pudesse te encontrar.
— É, e deu certo — não contive um sorriso e me sentia uma boba por estar sorrindo daquela maneira. — Sério, muito obrigada, nem sei o que dizer.
— Não precisa me agradecer — falou com as mãos no bolso, meio envergonhado. —Meu intuito era te entregar naquele dia mesmo, mas como me meti naquela briga e você acabou sumindo.
— Pois é. Mas é que aquela confusão...
— Tudo bem, nem esquenta — alisou os cabelos e novamente o silencio se instaurou entre nós.
Não sabia o que dizer ou se devia puxar assunto, e pela forma que ele agia, sentia que acontecia o mesmo. Era grata por ele, mas mesmo assim éramos estranhos um para o outro e não havia muita coisa a ser dita.
— Bom, acho que vou indo nessa então — falou meio sem jeito. — Foi bom te ver novamente Juliana.
— Digo o mesmo e obrigada — estendi a mão em sua direção, mas desta vez ele se aproximou o bastante para me dar um beijo na bochecha antes de ir. Ignorando minha tentativa de aperto de mão.
A sensação de seus lábios permaneceu em meu rosto à medida que sumia do meu campo de visão e era estranho ter a ideia de que devia ter dito alguma coisa a mais. Imaginei o que Ana faria no meu lugar ou melhor, no que a nova Juliana deveria fazer, então em uma decisão um tanto impensada, sai correndo pelo campus a procura dele, pois não poderia deixar que nossa conversa acabasse daquela maneira.
Para minha alegria, ele não havia ido muito longe e assim que o avistei, gritei seu nome pedindo que me esperasse. Gustavo parou no mesmo instante, virando seu corpo para ver quem o chamasse, ao me ver, me analisou confuso, indo ao meu encontro.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não. Quero dizer, sim... Na verdade, eu... Hum... — minha mente parecia não cooperar. — Tem planos para agora?
— Na verdade, não.
— É que... Estava pensando... Quer sair comigo para tomar um café? — o convidei, sentindo minhas bochechas corarem.
— Agora?
— Sim... É que como você já fez tanto por mim, pensei em fazer algo por você também. Mas se não quiser, eu entendo, afinal você não me conhece e é um pedido um tanto repentino e...
— Claro que quero — falou sorrindo, interrompeu meu falatório. — Quero dizer, seria legal.
— Ótimo — respondi, sentindo meu nervosismo desaparecer um pouco.
— É... ótimo.
Novamente um silêncio se formou entre nós, eu olhava para ele e ele para mim, ambos com um sorriso meio sem graça no rosto. E tudo que eu pensava era que não acreditava que tinha mesmo o convidado para sair.
— Então.... — gracejou. — Vamos?
— Claro, claro — falei, saindo da minha letargia, enquanto saíamos juntos do campus.
Fomos até uma cafeteria próxima a faculdade ao qual costumava ir entre os intervalos da aula. Àquela hora, poucas pessoas comiam no local, permitindo que conversássemos, sem muito assunto, de maneira tranquila. Diferente de como fora na boate. Aproveitei enquanto Gustavo escolhia o que queria no cardápio para entrar em contato com Ana e explicar meio que por cima tudo que aconteceu. Rapidamente ela me mandou um áudio gritando, coisas obscenas ao qual nem tive coragem de terminar de ouvir. Como sempre, a ruiva estava sendo completamente exagerada, visto que aquela foi a forma que encontrei para agradecer a ele pelo que me fez. Bom... pelo menos era o que tentava dizer a mim mesma.
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Não sou obrigada
Chick-LitEm "Não sou obrigada", conheceremos a história de Juliana, uma jovem adulta que se vê perdida ao terminar seu relacionamento de cinco anos. No entanto, ela descobrirá que nem tudo está arruinado e que recomeçar pode ser um ponto de escape.