Histórias

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Rachel tomou um gole da água que Quinn trouxera. Suas mãos tremiam. Ela não queria contar para Quinn o que passara nos últimos anos, mas sentia que devia algo à mulher. Afinal, ela a acolhera e correra riscos apenas para protegê-la. Contar para ela como sobre sobrevivera desde a primeira vez em que tinham se visto parecia ser o mínimo a se fazer.

Ela pigarreou. Quinn a observava com atenção, as mãos no colo batendo em um ritmo rápido. Rachel não gostava do fato de que a mulher parecia mais nervosa que ela própria.

— Fabray... — começou Rachel, tossindo. — Sinceramente não sei como...

— Leve o tempo que quiser, Rachel — Quinn disse gentilmente. E sorriu. Rachel pensou que nunca tinha visto nada tão bonito à meia luz.

Rachel corou sem querer. Seus músculos doíam por estar a tanto tempo deitada e quieta, por isso estava feliz em dividir sua cama com Quinn. Ficar sentada observando a beleza daquela mulher era melhor que qualquer porão por aí.

— Meus pais nasceram em Berlim — iniciou Rachel depois de uma pausa desnecessariamente longa. — Eles se conheceram em um bar, na época em que Berlim era a cidade mais liberal da Europa.

Quinn assentiu, se prendendo a cada palavra de Rachel como se fosse salvar sua vida.

— Foi uma grande festa quando eu nasci. Acho que você sabe, não sabe, que qualquer coisa era motivo para celebrar durante a guerra. — Rachel tossiu, tomando outro gole de água. — Enfim... Foram anos felizes em casa mesmo com a crise na Alemanha.

"Cresci rodeada pela cultura judaica, embora entendesse do cristianismo por causa da escola e da minha mãe. Duas religiões, coexistindo no mesmo lugar, sem causar nenhum distúrbio — Ela riu amargamente. — Irônico, não? Hitler deveria ter aprendido com a minha família como se faz isso."

Rachel olhou para a parede do outro lado do porão e se imaginou com dezesseis anos novamente, ao lado dos pais, sem guerra ou perseguição para atormentá-los. A lembrança parecia tão distante que ela se perguntou se não era um sonho... A perspectiva de que um dia tivera pessoas que se importavam com sua saúde parecia boa demais para ser verdade.

E, no entanto, Quinn Fabray estava parada ao seu lado, legitimamente preocupada em ouvir toda a sua história.

Ela pensou ter visto Quinn levantar a mão para fazer algum movimento não identificado por ela, mas não durou nada além de alguns segundos. Rachel franziu a testa, porém não disse nada. Engoliu em seco e continuou:

— Quando Hitler se tornou chanceler, ambos sabiam que os judeus não sobreviveriam por muito tempo. Por alguma razão, meu pai lera Mein Kampf assim que fora lançado. Disse que seria importante para descobrir "o que aquele chancelerzinho queria".

Quinn sorriu com o apelido. Rachel prosseguiu:

— Planejávamos fugir. Não sei para onde queriam ir, mas provavelmente o mais longe possível daqui. Mas, antes que nós pudéssemos sequer pensar em arrumar as malas, os dois se envolveram em um acidente de carro. Morreram na hora.

Rachel piscou várias vezes, tentando conter as lágrimas. Oito anos depois e a imagem dos pais presos nas ferragens do carro ainda a impressionava. Vê-los ali, sem vida, tão machucados que ela teve dificuldade de reconhecê-los, foi definitivamente o pior momento de sua vida — incluindo os horrores que vira nos campos de concentração.

Naquele momento, ela se sentiu como uma criança de novo, sem forças, sem apoio nenhum. Só queria um último beijo de boa noite dos pais. Ela queria acordar pela manhã em sua cama e vê-los preparando o café, como sempre. Ela queria que sua última imagem dos dois fossem ambos sorrindo antes de irem para o trabalho, não dois cadáveres dentro de um carro destruído e marcado pelo sangue dos dois.

1942Onde histórias criam vida. Descubra agora