Capítulo 14 - re-revisado

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MRS. TAUB, APESAR DOS SEUS oitenta e oito anos, ainda conservava nítidos traços de sua beleza, e sua memória continuava afiada como a de uma adolescente. Ela foi uma famosa bailarina e cantora que atuou em importantes papéis de grandes musicais da Broadway e de Hollywood, na era de ouro dos musicais. Naquela manhã, ela usava um longo cardigan azul turquesa feito de crochê de linha sobre um discreto vestido banco com florzinhas amarelas que pareciam margaridas. Seus cabelos brancos como o algodão eram curtos como os de um garoto e, envolta do pescoço, ela trazia o mesmo delicado colar de minúsculas pérolas que eu sempre a via usando quando ia ao retiro.

Ela não estava sentada numa das espreguiçadeira, pois este tipo de cadeira é baixo demais para ela poder sentar-se e levantar-se sem a ajuda de ninguém, mas numa cadeira de vime com um largo e confortável encosto. Ao me ver aproximando-se, ela me recebeu com um largo sorriso.

— Eu estava me perguntando o que teria acontecido, minha querida, você é sempre tão pontual. – ela disse.

Aconteceu que o meu querido marido resolveu marcar presença, me comendo justamente agora pela manhã. E foi esta gracinha dele que me fez perder a hora.

— Houve um pequeno contratempo antes de eu sair de casa, mas agora estou aqui. Desculpe-me, eu detesto me atrasar a compromissos. – respondi sentando-me ao seu lado.

— Não foi nada, querida. E passear com uma velha como eu não é um compromisso urgente para o qual você deva correr. – ela riu de si mesma.

— Não diga isto, Adele. Eu fico ansiosa que chegue logo segunda e quarta feira, para darmos o nosso passeio e termos as nossas conversas.

— Então vamos passear ou então ficaremos a manhã inteira nessa conversa mole. – ela disse pondo-se de pé sozinha, mas vagarosamente.

Mrs. Taub estava muito velhinha, e além da bengala, precisava do braço de outra pessoa onde se apoiar, para passear em lugares cujo terreno fosse irregular, como nos jardins do retiro. Ofereci-lhe o meu braço e fomos caminhando sem pressa em direção ao jardim.

— Você me parece um pouco calada hoje, querida. – Mrs. Taub disse sem querer ser indiscreta.

— A senhora acha, é?

— Algo te preocupa?

Eu fiquei pensando por um instante e depois continuei.

— Mrs. Taub, a senhora era feliz em seu casamento?

— Ah! Casamento nenhum é um mar de rosas, pois fique sabendo. Conviver com outra pessoa, por mais que você a ame, sempre tem os seus altos e baixos. Eu e o Henry nos respeitávamos muito, e esta é a fórmula para um casamento dar certo.

— Vocês nunca brigavam?

— Lógico que brigávamos, mas ainda assim nos respeitávamos. Quando um casal nunca briga, deve estar acontecendo algo de errado, entende? Um dos dois deve estar sofrendo engolindo sapos. A pessoa precisa, antes de tudo, se respeitar, defender os seus pontos de vistas, se fazer ouvir para que o companheiro a respeite, entende?

— Ele nunca a traiu? – perguntei com cautela.

— Não duvido. Henry era um homem muito bonito e galanteador. E sendo um escritor famoso de romances voltado ao público feminino, é bem provável que algumas de suas fãs tenham se jogado aos seus pés, e ele não ter se feito de bobo.

— E isto não a incomodava?

— Bem, querida, eu também nunca fui santa. Eu era uma mulher bonita e sendo uma bailarina e cantora da Broadway.... Bem, você pode imaginar...

— Mas...

— Ora, eram apenas aventuras passageiras que nunca foram levadas a diante por nenhum de nós dois.

— E mesmo assim, nenhum dos dois nunca pensou em pedir o divórcio?

— Lógico que não, nenhum dos dois tinha tempo para ficar remoendo estas coisas. Eu estava sempre envolvida com os ensaios para a produção de algum espetáculo ou ensaiando algum espetáculo que já estava em cartaz. A vida de artista é muito dura, acredite. E Henry estava sempre ocupado escrevendo os seus romances.

— Interessante. – eu disse pensativa.

— Nós confiávamos muito um no outro, disso você tenha certeza.

Caminhamos por uma aleia que terminava num caramanchão coberto por azaleias, e sob o qual havia dois pesados bancos de madeira, sólidos como um dia foi o casamento de Mrs. Taub. Havia um terceiro banco, um pouco mais adiante, que ficava exposto ao sol durante a manhã, e foi neste onde sentamos, para tomarmos um saudável banho de sol.

Nossa conversa me fez pensar: será que esta é a receita para um casamento feliz, ignorar as aventuras do companheiro? Ou melhor, agir como o companheiro, levando uma vida paralela para compensar as suas traições? Será que esta felicidade matrimonial não seria uma farsa, transformando o casamento numa relação frágil e de mentiras? Talvez isto funcione para algumas pessoas de mente livre e aberta, como Adele e Henry, mas para alguém com a minha educação conservadora e tradicional pequeno burguesa, uma traição, por menor que seja, é o fim do mundo.

Adorável LenhadorOnde histórias criam vida. Descubra agora