Capítulo 4 - Miguel

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— Até que enfim nos encontramos, Gabrielle. — Sorriu Miguel à moça com a vida se esvaindo em suas mãos. — Uma pena que uma moça tão linda como você tenha se metido no meu caminho dessa forma.

O rosto dela estava ficando vermelho, e Miguel percebeu que não poderia prolongar muito sua conversa. Não poderia matá-la daquele jeito. Não a responsável por matar a sua esposa daquele jeito.

Soltando-a bruscamente, não deu tempo para que ela caísse no chão. Sustentou-a pela cintura e, depois, segurou firmemente seu rosto, aguardando até que ela recuperasse por completo a visão.

— Olhe bem para mim — ordenou com a voz grave, e ela obedeceu. — Você vai ter agora uma morte terrível. Vai começar a sentir dores que nunca imaginou possíveis. Cada um de seus órgãos vai apodrecer dentro de você. Vai ter a sensação de que seus membros estão se desprendendo. Você vai agonizar até o seu último suspiro, respirando com cada vez mais dificuldade, e vai desejar nunca, nunca ter cruzado o meu maldito caminho.

Mal ele terminara de dizer essas palavras, a garota estatelou os olhos e puxou o ar com custo. Em seguida, fora largada por Miguel, caindo no chão em um baque surdo, gemendo de dor, enquanto ele assistia a tórrida cena com prazer.

— Senhor Miguel! — gritou a voz desesperada de seu lacaio atrás de si, transformando o sorriso sórdido do patrão em uma carranca, ao ser interrompido de seu deleite macabro. — Essa não é Gabrielle! O senhor está com a mulher errada.

Miguel olhou imediatamente para Leonel e, tomado de pânico, voltou-se para a mulher atirada no chão. Não era possível, como poderia ter cometido um engano daquela proporção?

No instante seguinte, ajoelhou-se ao lado da pobre moça, torcendo para que ela não estivesse chorando. Se estivesse, não teria como socorrê-la. Ficou ligeiramente orgulhoso dela por constatar que não, mas tratou de livrá-la logo daquele pesadelo, olhando-a nos olhos e segurando mais uma vez seu rosto, agora sem machucá-la.

— Você não está sentindo mais nada, — afirmou, aflito — tudo está bem com você. Você apenas teve uma vertigem. Estava olhando as armas quando eu apareci, se assustou comigo e desmaiou. Teve um sonho estranho, mas não se lembra muito bem. Está agora despertando nos meus braços e vai se sentir em paz quando perceber tudo o que houve.

Dito isso, a mulher fechou os olhos por um instante, respirando profundamente. Miguel tateou seu corpo, procurando por algum efeito de sua hipnose, enquanto ela recobrava os sentidos. Felizmente, não encontrou nenhum dano.

Quando reabriu os olhos, ela os deixou pousados nos profundos olhos azuis à sua frente, que a olhavam com cautela e sincera preocupação. Como fora desmaiar daquele jeito por causa de um susto? — ela pensava, confusa.

— Você está bem? — perguntou Miguel, vendo que ela já tinha voltado a si.

Ela fez que sim com a cabeça.

— Que susto você me deu — disse ele, soltando o ar. — Me diga, qual é o seu nome?

— Berenice — balbuciou a mulher.

Depois de pedir para Leonel trazer um pouco d'água para a moça, Miguel colocou uma mexa de cabelo atrás da orelha dela, atento a qualquer vestígio de desconforto em seus olhos. Tudo o que via, porém, era uma mulher constrangida. E linda.

— Me desculpe pelo susto, eu não sei o que me deu — ela tentou se justificar, percebendo, de repente, que estava sentada no chão impecável do ex-sócio de seu pai com um completo estranho ajoelhado à sua frente, prestando-lhe socorro por uma inexplicável vertigem que sentira. Que vexame!

Quando fez menção de se levantar, porém, sentiu um dedo quente em seu queixo, erguendo-o para que ela pudesse encarar o estranho homem. Perdeu-se naquele oceano outra vez.

— Agora me diga, Berenice, o que você estava fazendo aqui em cima?

— Eu só queria sair daquele tédio lá de baixo — Berenice respondeu, sem piscar. — Estava sufocada, então pensei que, se era para eu ficar sozinha, que fosse longe de uma multidão.

Miguel sustentou o olhar dela, refletindo em suas palavras. Tinha agora a comprovação de que aquela não era mesmo a mulher que esperava. Mas ficou, de repente, muito interessado naquela que encontrara.

— Conte-me, porque você se sente só — ele exigiu com seu olhar.

— Porque eu sou invisível para todas as pessoas. É como se eu não estivesse em lugar algum, como se eu não fizesse diferença para ninguém. Todos me olham, mas ninguém me vê. Eu queria tanto que alguém pedisse a minha opinião para alguma coisa, ser procurada, ser contada, ser ouvida, esperada, eu só queria...

Berenice começou a lacrimejar, e Miguel percebeu que tinha que resolver logo esse assunto, ou não teria mais poder algum sobre ela.

— Você não quer mais chorar, Berenice — falou rapidamente para aqueles olhos embaçados.

Vendo que ela não se convencia, secou cuidadosamente os olhos dela com seus dois polegares, surpreso por não ver um rastro de maquiagem sendo deixado em seus dedos, descortinando uma nova mulher à sua frente. Berenice era a mulher mais bonita que Miguel já vira sem maquiagem. Tremia só de pensar como seria se ela fosse bem cuidada.

— Olhe para mim, minha querida, você não vai chorar mais, está tudo bem agora — ele disse, agora com os olhos dela novamente fixos aos seus, assentindo a cada afirmativa. — Tudo o que aconteceu aqui não durou mais de um instante. Sua tontura foi rapidamente aparada por mim, nós conversamos um pouco até você se acalmar, e agora você vai voltar para os seus familiares no andar debaixo.

Berenice levantou-se devagar com a ajuda de Miguel, que devolvia o copo que dera a ela para Leonel.

Ajeitando o vestido roxo que inconvenientemente grudara em suas pernas enquanto estava sentada, Berenice não percebeu que Miguel segurava um de seus braços com as duas mãos. Toda a cor que perdera voltou de uma vez, ao perceber a proximidade e a intimidade de falar de coisas tão pessoais àquele desconhecido. O que tinha dado nela para desembestar a falar assim?

— Eu tenho que ir, com licença. — Tentou se esquivar, puxando seu braço, mas Miguel continuou a segurá-la.

— Venha me procurar essa semana — ordenou-lhe, prendendo-a mais uma vez com o poderoso olhar.

— Sim. Por favor, me diga, onde encontrá-lo. Como é o seu nome?

Miguel aproximou-se mais, sentindo um perfume gostoso vindo dos cabelos daquela mulher que aparecera da forma mais improvável na sua vida. E que ele estava adorando.

— Eu sou Miguel Lontano. Pode me encontrar aqui, na minha casa.

Berenice arregalou os olhos, sentindo que iria desmaiar novamente. Se havia passado aquele vexame apenas com o aparecimento inesperado de um homem, saber agora que homem era aquele a faria, então, ter um colapso.

Notando a reação da moça, ele tratou de acabar de uma vez com aquilo.

— Você vai voltar agora para a festa em paz e fingir que nada aconteceu. E não vai se esquecer de vir me encontrar novamente aqui.

— Claro que virei — concordou ela, com o sorriso débil de quem não é mais dono de si.

E, então, ela se foi.

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*** Leitor (a) querido (a), obrigada por estar aqui!

Miguel cometeu um terrível engano confundido Berenice com Gabrielle. Mas, como há males que vem para o bem, ele acabou conhecendo uma moça interessantíssima... Será que será mais uma vítima nas mãos do Programador?

NO CAPÍTULO QUE VEM...

Miguel e Berenice se reencontram, descobrindo e revelando coisas sobre si que jamais poderiam imaginar. 

Vem espiar essa conversa no jardim!***

O Programador de LembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora