Gabrielle não pensou que seria tão difícil quando aquele dia chegasse. Ver o corpo de sua amiga dentro de um caixão era extremamente angustiante.
Ela mantinha as crianças perto de si, inconsoláveis, enquanto Christian ficava postado ao lado do caixão, estático, com os olhos perdidos em alguma parte do rosto de Sophia. Perguntou-se o que seriam dos gêmeos, se ela não estivesse ali. Ninguém parecia lúcido o bastante para cuidar deles.
Os demais membros da empresa foram se despedindo após o enterro. A dor que aquela morte causara estava impregnada no ar, deixando todos com um ar abatido.
Já era fim de tarde quando Christian, Gabrielle, os gêmeos, a mãe de Christian e os pais de Sophia foram todos para a casa do viúvo. Mas voltar àquele ambiente que emanava Sophia só torturava ainda mais os que ficaram.
Após comerem alguma coisa e dizerem palavras de conforto uns aos outros, todos foram embora, exceto Gabrielle.
Christian estava visivelmente entorpecido. Não respondera a nenhum comentário que fizeram ao longo do dia. Recebia os cumprimentos, ouvia os pesares e mais nada. Isso preocupava bastante Gabrielle, que não sabia quem precisava de mais cuidados: ele ou os filhos.
À noite, Gabrielle colocou os gêmeos em uma cama de casal do quarto de hóspedes, para poderem dormir juntos. Eles, mais do que nunca, não poderiam se sentir sozinhos. Os meninos insistiram para que ela ficasse ali, e ela não pôde recusar. Deitou-se no meio deles na grande cama, com um de cada lado em seus braços. Quanta dor crianças daquele tamanho podiam suportar? Eles tinham apenas seis anos e já experimentaram a maior perda que poderiam ter na vida.
Depois de cerca de uma hora, cantando cantigas de ninar e limpando, ocasionalmente, as lágrimas dos meninos, Gabrielle percebeu que eles, finalmente, tinham adormecido.
Saindo cuidadosamente da cama, cobrindo e beijando cada um deles, ela deixou o quarto e foi à procura de Christian.
Gabrielle foi encontrá-lo sentado no sofá da sala, com um copo de uísque na mão e uma garrafa pela metade sobre a mesinha de centro. Ele, definitivamente, não era o mesmo que conhecera.
Sentou-se ao seu lado, pensando no que poderia dizer. Era óbvio que seu pesar não iria diminuir em nada a dor do sócio. Ele não precisava de mais uma pessoa dizendo que agora a esposa estava em um lugar melhor, que ela tinha descansado, ou fazendo metáforas sobre a vida. Ele precisava de paz.
— Tem alguma coisa que eu possa fazer por você, Christian? — Tocou levemente seu ombro, perguntando-se se ele havia percebido que ela estava bem ali ao seu lado. Que esteve ao seu lado o tempo todo.
— Faz tanto tempo que não dormíamos juntos — ele declarou, de repente, continuando uma conversa que estava tendo apenas em sua mente. — Já nem me lembro mais como era o corpo dela.
Gabrielle recolheu sua mão, ficando totalmente constrangida com aquela conversa. Ela havia conversado algo sobre isso com a amiga no passado, mas ouvir isso de Christian era muito embaraçoso, ainda mais por saber que ele estava embriagado e que começaria a contar coisas que jamais se perdoaria.
— Ela amava muito você — Gabrielle conseguiu dizer, pensando em como sair daquela situação agora.
— A última coisa que ela me disse antes de eu sair ontem de manhã foi que eu amava mais o dinheiro do que a minha família — contou, com o ressentimento a exalar em seu hálito, junto com a bebida. — Suas últimas palavras para mim.
— Ela estava nervosa, Christian, por favor, não pode levar em conta isso — Gabrielle tentava, desesperada por encontrar uma palavra que realmente o confortasse. — Você não pode julgar um casamento inteiro por causa de um momento.
— Eu não aguentava mais. Não aguentava mais as coisas que ela tinha. Ela nunca estava bem. Sempre estava cansada, e, mesmo quando estava melhor, inventava desculpas para me evitar.
Gabrielle suspirou, lembrando-se das longas conversas que tinha com Sophia às tardes de sábado, quando Christian saía com os amigos para jogar golfe. Sophia já não queria mais Christian por perto, não por não amá-lo mais, mas por saber que ele já não a queria como antes. Sentia-se insegura, porque ele nunca insistia, não era mais romântico, nem parecia se importar com ela como mulher: apenas a tratava com a doente que era.
Gabrielle sentia que, agora, com Sophia morta, Christian havia se dado ao direito de confessar o fardo que era ter uma esposa como ela.
— Vocês fizeram tudo o que podiam. — Gabrielle passou as mãos sobre os cabelos suados dele. — Fizeram duas crianças lindas. Vocês fizeram o melhor.
Christian a olhou pela primeira vez naquele dia, finalmente parecendo estar assimilando a realidade, externando sua dor em lágrimas.
— Eu a amava, mas não podia mais com isso, Gabrielle, eu não podia mais — ele sussurrou, parecendo tirar um peso de suas costas ao dizer isso.
— Eu sei, Christian. — Retirou o copo da mão dele e o envolveu com seus braços, como fizera com os meninos. — Você fez tudo o que podia.
O homem, então, desabou sobre ela, chorando inconsolavelmente sobre seu peito, com uma mão envolvendo a cintura dela, enquanto ela se recostava no sofá e afagava os cabelos dele com os dedos.
E os dois passaram o restante da noite assim.
---
*** E aí, meus amigos? Que bom que chegaram até aqui comigo!!! ^^
É, parece que Gabrielle finalmente conseguiu o viuvão, mas as coisas não estão sendo nada como ela imaginava. As lembranças da amiga e as confissões de Christian deixaram o terreno muito amargo para ela recomeçar. Será que eles vão se acertar, e formar o casal que ela tanto sonhou? Ou será que ela vai ter uma repentina crise de consciência, e passá-lo a ver apenas como amigo, como deveria ter sido, desde o princípio? o.O
NO PRÓXIMO CAPÍTULO...
Chegou a hora do destino unir Gabrielle e Berenice, mais uma vez... Mas como isso irá acontecer, se Miguel estava tão irredutível, e Gabrielle não pode ver nenhum Lontano, nem pintado de ouro? Confira! ; ) ***
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Programador de Lembranças
Misterio / SuspensoO que você faria se pudesse controlar a mente das pessoas? Essa era a bênção e a maldição de Miguel. Mas, assim como o toque de Midas, o poderoso homem não demorou a perceber que aquele talento sobrenatural teria o seu preço. Dono de uma empresa de...