Capítulo 33 - Berenice

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Berenice pensava na forma como cada esposa de Miguel terminara, e acabou se deprimindo. Uma história mais tenebrosa do que a outra. Como era insano pensar no poder da mente, e no que ela é capaz de fazer. Muito mais, quando controlada por outra mente, ainda mais insana.

Catharina, Marcela, Raquel, Heloísa... e ela. O que seria dela? Como tudo aquilo terminaria? Será que ela viraria só mais um caderno? Colecionariam agora seus vídeos, que seriam vistos cautelosamente por uma próxima esposa, escondida em algum lugar da grande casa para não ser flagrada?

Era muito difícil determinar até que ponto Miguel estava dizendo a verdade. Havia incoerências demais, coisas que não tinham nenhuma explicação plausível.

Se Miguel tivesse mentido o tempo todo para ela, manipulando-a, desde o começo, por que estava se dando ao desgastante trabalho de convencê-la com argumentos, e não com um olhar sobrenatural, de que estava falando a verdade? Será que apenas o gosto do desafio poderia motivá-lo a elaborar um plano tão complexo, essa tenebrosa teia de mentiras, a fim de conquistá-la de outra forma? Seria o tédio da facilidade com que costumava ter as coisas?

E se ele estivesse sendo sincero? Se, com ela, fosse diferente do que com as outras? Se ele realmente tivesse o tal pacto com a verdade quando se tratasse dela, por que cada dia ela estava descobrindo uma coisa nova a seu respeito? Por que ele insistia em manter segredos, quando lhe havia prometido transparência? E quanto ao esquecimento de Leonel, com relação à caixa, ou quanto ao vídeo dos hematomas que ela não se lembrava? Estas eram coisas que ela simplesmente não poderia questioná-lo e ter a esperança de se lembrar depois. Temia, mais do que tudo, que ele a fizesse esquecer dos vídeos e depois os destruísse. Eram o único backup da sua memória.

Berenice já estava cansada de pensar. Estava num beco sem saída. Poderia deixar a casa e tentar salvar a própria vida. Mas também podia ficar e tentar salvar a todos, inclusive Miguel, de si mesmo. Sim, Miguel também precisava de salvação, quer ele estivesse falando a verdade ou não.

Roendo as unhas ao olhar pela janela, Berenice remoía o conteúdo do último bilhete de Heloísa. Havia algo que ela não queria esquecer. Algo específico. Sabendo tudo o que sabia, Berenice conseguia ver o desespero da mulher em tentar preservar suas lembranças. Provavelmente, já sabia do poder de Miguel e tentava, a todo custo, não se esquecer de algo importante. Mas o que seria?

Certamente que não era que tinha manchado o chão com o tal esmalte vermelho. Heloísa ainda estava lúcida o suficiente para escrever um bilhete para tentar encontrar a própria memória. Não faria sentido, dentre todas as coisas, que fosse disso que ela quisesse se lembrar.

O tempo estava se esgotando, e tudo continuava igualmente obscuro. Berenice estava deixando passar alguma coisa, e ela sabia que essa coisa poderia custar a sua vida. O que, céus, ela não estava vendo?

Foi aí que algo começou a clarear na mente de Berenice. Leonel havia revelado, enquanto pôde, que Miguel chegou a queimar algumas das anotações das esposas. Provavelmente, seria algum material muito conclusivo para elas, algo que lhes revelaria coisas sobre as quais ele teria que se explicar depois. Se ela estivesse certa e Heloísa ainda estivesse um pouco lúcida e ciente de que tudo o que escrevia sobre o que Miguel estava fazendo seria destruído, Heloísa poderia estar usando alguma espécie de código para poder se lembrar depois. E o código poderia muito bem ser uma mancha vermelha no chão do quarto deles.

Mais do que depressa, Berenice passou a caçar qualquer vestígio de esmalte que pudesse estar no carpete de madeira do quarto. Era só uma pista, mas isso poderia lhe dar uma importante informação.

Ela olhou debaixo da grande cama, ao redor dos móveis, nos closets, e o chão parecia impecável, como sempre esteve. Olhou debaixo dos tapetes também, nos rodapés, e nada.

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