Capítulo 19 - Catharina

144 30 46
                                    

O quarto do lacaio, definitivamente, não era nada do que Berenice esperava. Era um local sofisticado, de bom gosto e bastante confortável. Possuía o básico, mas tudo com o requinte de quem entende de estilo e praticidade. Não era à toa que Leonel era o braço direito do patrão.

Em cima da mesa que ele mencionara, havia uma caixa de madeira bem desenhada, com um cadeado aberto, esperando para ser explorada.

Com temor e cuidado, Berenice abriu lentamente a caixa e se deparou com vários cadernos, que pareciam antigos registros de contabilidade. Alguns não tinham nada escrito, mas todos estavam com vários papéis despontando em suas laterais, de modo que, se ela não tivesse sido convidada a procurar por anotações femininas, pensaria não haver nada ali além de arquivos velhos, sem valor algum.

Berenice pegou o primeiro caderno, abrindo-o onde um clipe prendia duas folhas soltas e um post-it já sem cola escrito "Catharina", com a conhecida letra perfeita de Leonel.

Ao que parecia, essas seriam as únicas notas dela, visto que só havia mais três cadernos semelhantes e algumas pastas no fundo.

Ela confiou, então, na palavra de Leonel, de que estaria segura de Miguel naquele quarto. Puxando uma cadeira atrás de si, começou a ler os relatos da primeira esposa de seu marido.

18/11/2000

"Como é boa a vida de casada. Ainda mais nessa mansão em que Miguel cresceu chamando de lar. Ele faz qualquer mulher se sentir uma princesa. Perdi a conta de quantas flores, cartões, bombons e joias ele já me deu de presente. Roupas e perfumes, nem se fala. Tenho tantos que acho que nem terei tempo de usar tudo antes que se desgaste ou vença.

Hoje fomos ao teatro em que nos encontramos pela primeira vez. O mesmo balconista da bilheteria nos atendeu, e eu fiz questão de usar a mão esquerda para recolher meus ingressos para ele ver meu anel de noivado e minha aliança de casamento. Para ele ver que a sua petulância se reverteu na nossa felicidade. Miguel ainda me puxou pela cintura, olhando feio para ele, mas eu podia ver que estava todo orgulhoso de estar comigo. Esse Miguel me fascina.

A peça que assistimos foi uma releitura contemporânea de Romeu e Julieta. Apesar de eu achar ter perdido a magia da época e a doçura de Shakespeare com aquele jeans e o cenário suburbano, a mensagem central de sacrifício por amor calou fundo em mim. Voltei pensando que eu faria o mesmo por meu marido. Viveria e morreria por ele. Ele é o mundo todo para mim.

Minha mãe achou precipitado o nosso casamento. Todos acharam que éramos imaturos demais para ter uma vida de casados. Jovens demais para entender as implicações do matrimônio. E, obviamente, que eu estava grávida. Mas não, hoje, no nosso "mesversário" de casamento, eu vejo que, mais do que nunca, eu tomei a melhor decisão da minha vida. Logo todos vão ver isso, e perceberão que nada do que pensaram era verdade."

---

9/01/2001

"A vida deve mesmo ser muito dura para algumas pessoas. Para aquelas que parecem ter o dever de cuidar da vida das outras, como se a própria vida não fosse suficientemente interessante.

Tem gente que não consegue enxergar a felicidade quando a encontra. Tem que botar defeito em tudo. Só porque não são felizes, não querem ver ninguém feliz.

Por que não conseguem ver que Miguel e eu nos amamos e cuidar dos seus próprios assuntos? Inventam coisas horríveis para distorcer a perfeição que é o nosso amor. Miguel me ama, e ninguém nunca vai me convencer do contrário. Um bando de infelizes, é o que são.

Depois sou eu a louca. Sou eu quem está perdendo a razão."

E isso foi tudo o que restara da primeira mulher a herdar o sobrenome Lontano.

---

*** Aqui começamos a conhecer a primeira esposa de Miguel. Relatos do começo do relacionamento e próximo do fim nos mostram mais a respeito desse mocinho/vilão. 

Será que Berenice vai ter um final diferente? Ou o que restará dela serão apenas parcas anotações?

Mais pistas no próximo capítulo!!! ***

O Programador de LembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora