Capítulo 2 - Miguel

551 94 317
                                    

A casa estava dolorosamente silenciosa e, a cama, mais fria do que nunca. Como ele queria que sua Heloísa estivesse ali.

Miguel suspirou alto e se sentou. Estava com uma forte dor de cabeça e mesmo o banho que acabara de tomar não melhorou em nada a sensação.

Fincou seus dedos nos cabelos molhados, apoiando a cabeça nas mãos. Heloísa saberia como fazer passar. Saberia como massagear sua nuca rígida, fazendo-o relaxar em suas mãos de seda. Dizer-lhe palavras doces e lhe trazer paz. Ela não tinha seus poderes, mas era capaz de fazê-lo esquecer tudo o que o aborrecia. Ou quase tudo.

Calçou, então, os chinelos e vestiu uma camiseta, antes de deixar seu quarto. Ainda era cedo e o sol anunciava um novo dia para quem passara mais uma noite em claro. Alguns empregados andavam silenciosamente pela casa, dando início aos seus afazeres.

Aquela dor de cabeça tinha um nome: Gabrielle. Uma mulher que conseguira escapar de suas mãos e fazer grandes estragos.

Há aproximadamente um ano, Miguel havia viajado a negócios para fazer uma associação da Informa com uma conceituada empresa de desenvolvimento de softwares dos Estados Unidos, a WebPlus. Levara consigo a esposa e seu empregado de confiança, Leonel.

A princípio, o dono da empresa norte-americana não parecia nem um pouco interessado na sociedade. A bem da verdade, o homem não tinha motivo algum para fazer tal acordo e, por isso mesmo, Miguel teve que resolver o assunto pessoalmente.

Christian McDill era um homem irredutível. Com 25 anos de empresa e pouco mais de 40 de idade, era extremamente cauteloso e sagaz quando se tratava de negócios. Infelizmente, isso de nada adiantava contra um rival determinado a se aliar a ele como Miguel.

Na sala de reuniões, Miguel se espantou quando viu quantos sócios vieram para tratar do assunto. Imaginou que Christian fosse capaz de resolver a questão sozinho, já que estava tão decidido, mas não era à toa que o homem tinha chegado onde chegou. Era um homem precavido.

Diferente do que podiam supor, Miguel não estava nem um pouco tenso na grande mesa de reuniões. Se os sócios acharam que o intimidariam estando em grande número, estavam totalmente equivocados. Miguel sabia que, até o fim do dia, todos estariam felizes e satisfeitos em compartilhar seus imensos lucros com o empresário brasileiro. Era só uma questão de tempo. E de poder.

Após uma enfadonha conversa sobre como os negócios estavam caminhando bem, e que a participação de estrangeiros, especialmente da América do Sul, seria complicada pelas divergências culturais, Miguel se pegou suspirando alto de tédio, pedindo licença para sair. Ele tinha muitos talentos e pouca energia para gastar com aquilo. Todos se entreolharam e deram a reunião por encerrada.

Miguel foi, então, até o toalete, onde aguardou pacientemente que Christian aparecesse. Havia facilmente convencido a secretária a colocar um laxante na água que ele praticamente secara durante a reunião. Não teria que esperar muito.

Logo, o elegante homem, perfeitamente alinhado em um terno caro, entrou aos tropeços no banheiro, enfestando o ambiente com mau cheiro. Sempre tem um trabalho sujo no meio dos negócios, Miguel pensou, revirando os olhos.

Após sair da cabine do banheiro com um semblante de herói, Christian levou apenas alguns segundos para ver que Miguel o estivera esperando.

— O que você quer? — perguntou o americano, entre a confusão e a vergonha.

— Primeiro, lave suas mãos — suplicou Miguel, em seu inglês perfeito, pressionando a ponte do nariz com os dedos e apontando com a outra mão para a torneira que o homem deixara aberta.

Christian lavou as mãos e fez menção de sair, quando Miguel o interceptou, colocando suas mãos ao redor do rosto dele e olhando firmemente para os seus olhos.

— Você vai perder um grande negócio se me deixar sair daqui sem assinar o contrato. Você nunca vai se perdoar por isso. Eu vou ser a sua salvação, vou expandir sua empresa como você nunca imaginou. Insista a todo o custo que eu assine aquele documento e convença a todos que vocês não podem me perder.

Dito isso, Miguel deixou o homem boquiaberto no toalete e saiu, triunfante.

— Mr. Miguel, por favor! — veio uma voz atrás de si, fazendo-o sorrir. — Não vá, temos que fechar o contrato.

Miguel sabia que agora tinha nas mãos um poderoso sócio. O que não sabia era que Gabrielle, uma mulher esguia de pernas compridas e saltos do tamanho de um degrau — que participara da reunião sem se pronunciar uma única vez, passando, assim, despercebida para ele —, notara que Christian não parecia bem ao sair da sala de reuniões. Ela o havia seguido até a porta do banheiro e havia escutado boa parte da conversa deles, supondo que uma arma estivesse o tempo todo apontada para a cabeça do sócio, enquanto sórdidas ameaças eram feitas. Uma mulher que, invisivelmente, colocaria em risco seu plano perfeito e estragaria mais coisas do que Miguel podia imaginar.

Miguel só se dera conta do fato no mês seguinte, ao receber uma carta dela, obrigando-o a renunciar à sociedade, caso não quisesse que o caso fosse parar na polícia. Era óbvio que ela estava blefando, pois Christian jamais o denunciaria. Seria, inclusive, capaz de ir contra Gabrielle, se soubesse que ela estava importunando seu melhor sócio. Mas a ideia de que mais alguém sabia da forma não convencional que usara para convencer Christian a se unir a ele não o agradava em nada. Não, ele não estava disposto a ser perturbado por uma mulher que nem era a sua.

Ele até poderia ter ignorado aquelas ameaças, se elas não tivessem sido a causa dos problemas com Heloísa, na época. Ao suspeitar se tratar de uma amante, Heloísa passara a vasculhar sua vida como uma verdadeira espiã, conferindo a todo o tempo as chamadas e mensagens do celular e e-mails, cobrindo-o de perguntas sem propósito e proibindo-o terminantemente de viajar sozinho sob qualquer pretexto. Isso o levara a um exaustivo trabalho com seus advogados para que não houvesse uma quebra de contrato, o que levou a uma tensa discussão com um dos advogados da WebPlus, Gregory, culminando na fatídica noite em que perdera a esposa. Não, não fora há cinco dias, quando a enterrara. Foi quando ela se perdeu dentro de si, na teia de mentiras que ele a fizera acreditar para encobrir esses e os subsequentes fatos, há quase oito meses.

E essa perda ele creditaria na conta de Gabrielle, quer ela fosse ou não a culpada da desgraça que ocorrera. Acabaria com ela com uma morte terrível.

Depois de buscar um pouco de conhaque no bar da sala, Miguel foi até o escritório, onde Leonel trabalhava na declaração de seu imposto de renda.

— Leonel, — ele o interrompeu, aguardando que o empregado desviasse a atenção dos papéis para ele — organize um evento beneficente aqui em casa. Quero todos os sócios aqui. Todos, principalmente os norte-americanos.

Agora, seria só uma questão de tempo para acabar de vez com aquela dor de cabeça.

---

*** Você prosseguiu com a leitura, muito obrigada!! Vou fazer por merecer, prometo!

Aqui conhecemos mais um pouco do nosso personagem principal. Enviuvado mais uma vez, procura na sócia Gabrielle uma forma de descontar a tristeza que o consome por mais um luto.


NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

Uma nova personagem entrará em cena, e mudará todos os planos de Miguel. Quem será ela? Confira! ***

O Programador de LembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora