Capítulo 10 - Miguel

238 48 223
                                    

Uma festa bonita e discreta. Esse fora o pedido de sua noiva. Nada de requintes e ostentações, tudo o mais funcional possível para uma festa, ou melhor, uma recepção, como preferia chamar, que não deveria durar mais do que duas horas. E convidados essenciais que não fossem se sentir deslocados ou forçados a aceitar o convite pela posição de Miguel.

Ele não fizera objeção alguma quanto a isso. Gostava do jeito prático que Berenice estava assumindo e, embora não fosse se importar em gastar uma fortuna, não podia deixar de se beneficiar com a economia que aquele tipo simplificado de casamento lhe daria.

Berenice não soubera, afinal, da existência das outras esposas dele. Ela sabia, logicamente, que era viúvo, mas imaginava que perdera apenas uma mulher. Temendo ser um assunto que lhe causasse alguma dor, Berenice teve a sensibilidade e, de certa forma, a insensatez, de não lhe fazer nenhuma pergunta a esse respeito. E Miguel estava grato por isso.

Seu casamento com Berenice fora pioneiro em muitas coisas. Pela primeira vez, conversou sobre assuntos peculiares, sendo apenas ele mesmo, sem se preocupar com nada. Pela primeira vez, convenceu uma mulher a se casar com ele, sem precisar dizer a ela que o amava perdidamente. Pela primeira vez, planejara uma festa com um custo inferior a cem mil reais. E, pela primeira vez, sentia certo receio do futuro.

Miguel sempre tivera tudo sob controle, sem nunca precisar temer nada. Podia fazer o que quisesse e modificar a história para ainda parecer um herói. Podia não só ter o perdão de quem quer que fosse, como deixar o ofendido aos seus pés. Mas não queria mais perder um grande amor. Não queria mais ver uma mulher se perdendo em um mundo de mentiras, porque não fora capaz de ser um homem de verdade. A verdade, afinal, era que Miguel temia que, ao ser conhecido, pudesse nunca ser amado.

Berenice vinha com um vestido angelical. Podia-se dizer quase módico, mas ela estava tão bonita que fazia o coração dele estremecer. E saber que aquela linda sereia, admirada por todos naquela noite, estaria em seus braços quando tudo aquilo terminasse, fazia Miguel se sentir o mais afortunado dos homens. Ele olhou ao redor para as poucas pessoas, com um flash de algum paparazzo que conseguira escalar as paredes da mansão, distraindo-o por um segundo. Berenice não tinha amigos e sua família era pequena. Miguel não tinha família e seu círculo íntimo era pequeno. Ela precisaria muito da sua companhia, mas não mais que ele da dela. Ambos teriam apenas um ao outro.

O juiz dissera as palavras que já estavam até decoradas em sua mente. Não ter que ouvir também um novo sermão de um padre falando a respeito de amor, de vida e de morte, de saúde e de doença outra vez era um alívio. Feitas as formalidades, ambos se casaram e os presentes aplaudiram.

Tudo foi como Berenice quis. Alguns cumprimentos (um bem exagerado da parte da mãe dela, abraçando Miguel como se esse fosse seu filho, e não Berenice), bolo e lembrancinhas, e os dois estavam a sós na grande mansão, com apenas os empregados a organizar a sala de reuniões do térreo. Nem mesmo o grande salão fora aberto naquele dia.

Miguel dera, por fim, algumas ordens a Leonel para cuidar de tudo no restante do dia e levou Berenice para cima, segurando sua mão.

Berenice parecia bem, mas estava estranhamente quieta. Ao que ele soube, nada tinha dado errado, tudo havia saído exatamente com ela lhe pedira. A não ser que tivesse se arrependido da simplicidade que optara. Ou, pior, do noivo que escolhera.

— Você está bem? — perguntou ele, fechando a porta do quarto atrás de si.

— Sim, estou. — Ela não o encarou.

— Tem alguma coisa errada? Não gostou de alguma coisa da cerimônia ou da recepção? — Miguel insistia, preocupado. Algo certamente não estava bem.

— Não, Miguel, foi tudo perfeito. Eu disse pra você, essas festas são enfadonhas para os convidados bons, uma boca-livre para os ruins e dispendiosa para os noivos. Não tem por que todo aquele requinte.

Miguel a estudava, nem um pouco convencido. E o silêncio que se seguiu só mostrou que ele estava mesmo certo, algo a incomodava seriamente. Ele estava prestes a tirar dela logo a verdade usando seus meios, quando ela se virou de costas, suspirando alto.

— Ah, Miguel, isso tudo foi tão precipitado — ela declarou, fazendo o coração dele gelar. Ele sabia que ela podia desistir dele, mas não sem, ao menos, ver seu lado obscuro antes. — Quero dizer, nós nos conhecemos tão pouco, como isso pode dar certo?

Miguel inspirou, esquecendo-se como soltava o ar. Estava determinado a fazer desse casamento um casamento normal, mas não pensou que seria tão difícil tão cedo.

— Eu amo você, Berenice, e é assim que eu sei que vai dar certo — ele conseguiu dizer, sabendo não ter soado tão romântico quanto gostaria. Pareceu algo tão racional que sentiu estar conversando de negócios, ao invés de amor.

— Eu também amo você, meu querido. — Virou-se novamente para ele, colocando uma das mãos em seu rosto com alguma angústia no olhar, o que ele via ser mais por querer preservar os sentimentos dele do que os dela própria. — Eu nunca me senti tão livre e tão completa como quando estou com você.

Miguel retribuiu o gesto puxando-a pela cintura e colando sua testa na dela.

— Então, por que estamos tendo essa conversa? — murmurou, pensando que gostaria de estar se enroscando com ela na cama ali em frente, ao invés de discutindo a relação na sua noite de núpcias. Quantos recordes mais aquela garota iria querer bater?

— Porque eu nunca fui feliz — Berenice confessou, com um choro engasgado, deslizando a mão para o peito dele e olhando para a nova aliança reluzente em seu anelar. — E não tenho certeza se sou capaz de fazer alguém feliz.

Miguel sentiu seus olhos arderem. Ali estava uma das mulheres mais puras que conhecera. Ela era incrível em todos os sentidos, inteligente e perspicaz em suas observações como só ela. Tinha um jeito de menina, mas um olhar de mulher de tirar o fôlego. Olhos cor de mel, que davam vontade de lamber para ver se eram mesmo tão doces. Como ela pôde ter se sentido invisível esse tempo todo? Como ficara escondida, sem que ninguém visse a preciosidade que existia nela? E agora ela estava ali, não só declarando sua infelicidade, como temendo não fazê-lo feliz. Como se fosse possível alguém acordar todos os dias ao lado daquele anjo e não se sentir no paraíso.

— Eu fui feliz desde o dia em que te vi — Miguel declarou, lembrando-se da dor que lhe causara por engano, mas, em seguida, sendo sua cura e deixando-se curar por ela. — E, enquanto você estiver ao meu lado, vou ser muito mais feliz do que sonhei.

Berenice fechou os olhos e sorriu, emocionada. Nunca tinha imaginado viver aquilo. Uma grande paixão parecia ser privilégio apenas para personagens de livros, ou para pessoas naturalmente cativantes, coisa que não era. Mas viver um grande amor, parecia que só mesmo em seus sonhos mais ousados.

— Nunca me deixe, Berenice. Me prometa que não vai me deixar — implorou ele, agora também com os olhos fechados. Precisava desesperadamente daquela promessa vinda do coração dela, e não apenas dos lábios.

— Nunca — prometeu, colando seus lábios nos dele.

Lembrou-se, consternada, do dia de folga que Miguel dera a seu pai e a todos os da empresa pela morte da esposa. Seu pai lhe dissera, na ocasião, que parecia que o homem tinha morrido, ao invés da esposa. Pensou no quanto aquele homem devia já ter sofrido na vida e que faria de tudo para ele ser feliz, ainda que ela mesma não soubesse como. Por enquanto, faria isso estando com ele para sempre.

-----

*** Olá, leitores! Obrigada por terem chegado até aqui!!!

Felizmente (ou infelizmente), Berenice pareceu aceitar a sua sorte e deixou-se envolver pelo escuso Programador. Será que ela permanecerá segura de seu olhar, ou ele desistirá do plano de mantê-la a salvo e a dominará de uma vez?


NO CAPÍTULO QUE VEM...

Berenice descobre o segredo de Miguel e tem uma reação surpreendente! Não percam!!!

Ah, e não deixem de votar e de me dizer o que estão achando da história!

Aquele abraço! ***

O Programador de LembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora