Capítulo 23 - Berenice

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"Um dano cerebral severo. Entrou em um estado vegetativo irreversível, até mesmo para mim, sem perspectiva de melhora, até que eu autorizei a eutanásia".

Era a terceira vez que Berenice escutava aquela gravação, agora não mais para constatar que ele não havia deletado nenhuma informação de sua mente, mas porque algo naquela frase fazia com que ela tivesse tanta compaixão do marido, que ela já não sentia mais medo do que estaria por vir.

Desde que estivera nos aposentos de Leonel, vasculhando o passado das esposas de Miguel, Berenice gravara uma série de vídeos, contando parte do que se lembrava ter lido em forma de códigos, para não comprometer o lacaio, caso Miguel a fizesse confessar a existência de tais gravações.

Com o passar do tempo, embora continuasse com as gravações a cada descoberta ou a cada desabafo dos seus sentimentos, consultava esses registros com cada vez menos frequência, uma vez que sempre constatava que sua mente permanecera incólume.

A conversa que tivera a respeito de Catharina lhe dera pistas importantes para que ela começasse a compreender a extensão daqueles fatos. Mas ela ainda tinha uma série de perguntas a serem respondidas, como por que Miguel insistira em continuar se casando, vendo seu fracasso, vez após vez? Qual esposa ele mais amara? Como morreram as outras três esposas? Como viveram as quatro?

A pergunta que fizera, porém, lhe revelou que Miguel começara tudo verdadeiramente por amor. Era um jovem de, talvez, uns 20 anos, como ele mesmo dissera, muito inexperiente, que se casara apaixonado por uma mulher, determinado a ter um final diferente daquele que os pais tiveram. Certamente, não era aquele o final que ele tinha em mente.

Saber sobre Catharina também lhe revelou que fora a inexperiência com o próprio poder que fizera Miguel perder daquela forma tão trágica a primeira esposa. Miguel programara de modo total a mente de Catharina, modificando, provavelmente, informações que, não só moldavam seu caráter, como eram essenciais para sua sobrevivência.

Berenice imaginava que, quando chegou Marcela, muitas coisas já tinham mudado. Ele já não devia ter feito tantas alterações na mente dela, ou, então, ela não sobreviveria mais do que a outra. Ainda assim, alguma morte tenebrosa alcançou a mulher, trazendo um desfecho igualmente trágico para aquele novo casamento. Pela data das anotações, ela concluiu que fora essa a tal perda que seu pai, na época, mencionara ter destruído seu sócio.

Quanto a Raquel, ao que tudo indicava, ela já devia sofrer de algum distúrbio mental, antes mesmo de se casar. Por que Miguel aceitara se casar com ela assim mesmo, ela não fazia ideia. Era algo, no mínimo, estranho, para quem já estava fragilizado com as perdas já sofridas.

E tinha a quarta esposa, que Berenice nada sabia, mas que não devia ter tido um destino muito melhor. Talvez, fosse hora de descobrir como tinha sido sua imediata antecessora, para poder imaginar em que pé estavam as coisas quando Miguel a conheceu, e qual seria, provavelmente, seu futuro, a partir do final da última história. Esperava que Leonel, no entanto, tivesse a mesma solicitude em lhe permitir vasculhar novamente a sua caixa de segredos.

Berenice confabulava consigo mesma se Miguel também teria tentado com a última esposa ser sincero e não usar seu poder de persuasão. Dependendo do que descobrisse a respeito dela, veria por quanto tempo eles teriam tido sucesso nisso e que chances ela mesma teria de ter um final diferente de todas as outras senhoras Lontano.

Ao encontrar Leonel sozinho, indo em direção à copa, Berenice o chamou, pensando em como abordar aquele assunto com ele novamente.

— Leonel, eu queria te pedir uma coisa. — Ela olhou para os lados a procura de Miguel ou de outros empregados que serviam igualmente como seus ouvidos, fazendo Leonel, instintivamente, fazer o mesmo.

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