Mais um velório. Menos uma esposa. Já era a quarta esposa que Miguel enterrava, e não sabia mais quantas perdas seria capaz de suportar.
Miguel realmente tinha tentado ser diferente com Heloísa. Ser o mais sincero possível e discreto ao fazer uso de seus poderes, mas Heloísa sempre foi muito enérgica e pouco conformada para deixar de lado certas incoerências. Também era muito passional e ciumenta, o que a fazia querer saber tudo a respeito do marido. O problema era que saber tudo era saber demais.
Começou a perder a razão quando foi convencida de que havia passado a semana toda ao lado de Miguel. Ele a levara ao parque, depois comeram juntos em seu restaurante favorito. Também visitaram o aquário reformado e se amaram todas as noites. Mas havia lacunas demais em sua memória. Que roupas ela vestiu? Certamente teria escolhido seu macaquinho de jeans para ir ao parque. Não podia nem imaginar ir a um passeio daquele sem sua roupa mais confortável. Mas a peça estava perfeitamente dobrada em sua gaveta, como ela a tinha deixado no mês anterior. Poderia também ter usado seu moletom, se estivesse frio, mas como estava o tempo? Não se lembrava sequer se chovera ou fizera sol durante dias que teriam sido tão maravilhosos.
Depois, surgiram alguns arranhões e hematomas em seus braços. Miguel sempre foi muito gentil com ela, nunca a havia machucado. Ela se lembrava de ter caído no banheiro ao sair do box com os pés ainda ensaboados. Mas, mesmo que se esforçasse, não conseguia pensar em uma maneira de gerar aqueles tipos de escoriações em uma queda naquele contexto.
Por fim, foram os empregados. Todos pareciam insanos dentro daquela casa. Trabalhavam incansavelmente e mantinham uma estranha lealdade com seu patrão. Não uma lealdade que se espera de alguém grato ou cheio de admiração e respeito. Era uma lealdade quase... escrava. Pegara-os, mais de uma vez, contando mentiras das mais deslavadas para proteger o patrão. Que estiveram o tempo todo com ele, quando ela própria os vira separados. Assumindo a culpa de coisas que ela descobrira, depois, ser unicamente dele. Desmentindo histórias que ela sabia serem verídicas sobre problemas pessoais, só para não se ausentarem do trabalho.
Certa noite, já bem tarde, vendo que Miguel não aparecia no quarto, Heloísa resolveu procurá-lo na enorme mansão. Já vivia lá há quase dois anos, e havia aposentos que ela sequer fazia ideia que existiam. Como tudo o que precisava sempre esteve ao alcance de suas mãos, nunca se preocupou em conhecer os pormenores da casa. Aquele havia sido seu primeiro erro. Percorrendo os corredores, com uma pequena lanterna na mão, começou a andar em direção ao escritório, até encontrar um foco de luz no andar debaixo. Já passava das duas horas e todos os empregados deviam ter se recolhido há muito tempo. Só podia ser Miguel.
Apagou a lanterna e caminhou em direção à luz. Deteve-se, porém, ao perceber que ele não estava sozinho. Ele falava aos sussurros com alguém, palavras que ela não conseguia distinguir. Pelo vão da porta, viu a silhueta de uma mulher. Mas que tipo de mulher estaria conversando com seu marido àquela hora da noite?
Colou a orelha à porta, empurrando-a sorrateiramente para que o som ficasse um pouco mais claro.
— Você vai dormir agora sem se lembrar dessa conversa — ela ouviu o marido dizer — e vai me contar imediatamente tudo o que souber sobre o doutor Gregory. Você deve isso a mim, deve sua vida, não se esqueça.
Trêmula, Heloísa terminou de abrir a porta, flagrando seu marido segurando com as duas mãos o rosto da empregada; seu próprio rosto a centímetros do dela, como se a fosse beijar. Ao ouvir um movimento atrás de si, Miguel se virou e viu Heloísa parada, com os olhos estatelados sobre uma cena que não se cumpriu diante de seus olhos, mas que, em sua mente ciumenta, se concretizou.
Ele, então, correu e a alcançou. Depois disso, ela se esqueceu de tudo, e a empregada também.
Foi a última vez que viram Heloísa lúcida.
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*** Olá, leitor (a)! Muito obrigada por ter vindo conhecer a minha obra, me sinto lisonjeada com a sua presença aqui, de verdade!
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Um abraço e boa leitura! ***
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O Programador de Lembranças
Misterio / SuspensoO que você faria se pudesse controlar a mente das pessoas? Essa era a bênção e a maldição de Miguel. Mas, assim como o toque de Midas, o poderoso homem não demorou a perceber que aquele talento sobrenatural teria o seu preço. Dono de uma empresa de...