Epílogo

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Aquela era a última visita do dia. Agora, finalmente, poderia estudar para a prova de hematologia.

Antes de ir embora, Eloá foi ao banheiro retocar a maquiagem e arrumar o cabelo. Não era porque iria para casa que poderia ser encontrada toda suada e desgrenhada. Tinha que estar apresentável aonde quer que fosse.

Não tinha como não ser filha de Miguel Lontano. Meticulosa ao organizar as coisas dentro da bolsa. Absolutamente pontual em tudo. Detestava roupas que os outros considerariam como "confortáveis". Confortável, para ela, era estar vestida como se estivesse indo a um restaurante sofisticado ou a uma festa relativamente simples. Mesmo que lhe fosse exigida certa informalidade, ela não encontraria em seu guarda-roupas nada que pudesse se enquadrar nessa categoria.

Mesmo assim, apesar das manias, dos talentos, dos olhos azuis e do sorriso confiante que herdara do pai, Eloá sabia que sua filiação já havia sido posta à prova várias vezes. Seis, para ser mais exata.

Depois que nascera, seus pais foram a seis laboratórios diferentes, dentro e fora do Brasil, para fazer testes de paternidade e comprovar que ela, de fato, era uma legítima Lontano. A insistência dos testes não era, apenas, por desconfiança que os resultados pudessem ser, de alguma forma, fraudados. Era porque eles acreditavam na possibilidade de ela ser, na realidade, filha de seu... avô.

Eloá invariavelmente se enojava com aquela história, mas seus pais sempre a faziam lembrar do ex-empregado que descobriram, mais tarde, ser muito mais que um funcionário. Era, original e repulsivamente, o patriarca da família. Ela se perguntava como sua mãe aceitara ter sua palavra posta à prova tantas vezes, mas entendera, por fim, que ela, mais do que ninguém, queria ter a certeza de que Eloá era mesmo filha de Miguel.

Não era difícil convencê-la do poder que alguém poderia ter sobre a mente de outra pessoa. Ela mesma descobrira a força que tinha, ao convencer uma pessoa a não se jogar nos trilhos de um trem, poucos segundos antes que uma tragédia se instaurasse bem à sua frente. Desde então, determinara que seria para isso que viveria: salvar vidas.

Ela ouvira falar o que o avô, ou Leonel — como achava melhor chamar, já que odiava a menção dele como integrante de sua família — levara o seu pai a fazer. Sem nenhum apego emocional às vítimas, Leonel ceifara muitas vidas inocentes, e ela, agora, se via no dever de devolver algumas à natureza. Nada mais justo, para limpar o nome da linhagem de pessoas com o dom que eles tinham. Sim, para ela, eles tinham um dom sem par.

Ela poderia ter tido muitos irmãos, pelas várias mulheres com quem seu pai já fora casado, mas seus pais acabaram descobrindo, mais tarde, que Leonel havia levado todas as esposas de Miguel a abortarem, quando um novo ou uma nova Lontano esteve a caminho. Ela tinha que fazer valer, portanto, a chance de sua existência.

Fosse o que fosse, aquele homem asqueroso não passava, agora, de uma história, uma lenda. Nunca vira, e tinha a certeza de que jamais gostaria de ver o antigo lacaio da casa.

Depois de prender os longos cabelos lisos em um rabo de cavalo, Eloá pegou a sua bolsa e se dirigiu até a saída do hospital psiquiátrico, em que fazia serviço voluntário e uma espécie de estágio para o seu curso de enfermagem. Antes, porém, de chegar até o elevador, foi abordada por um homem alto e magro, bastante charmoso, de olhos verdes.

— Com licença, senhorita Lontano? — perguntou o homem, muito educadamente.

— Sim, posso ajudá-lo? — ela perguntou, sentindo que já o conhecia de algum lugar.

— Soube que você pode auxiliar pessoas com... problemas — ele falou, revelando um intenso desconforto ao tratar de algo, certamente, bastante doloroso.

— Fique em paz, moço — ela disse, com sua voz serena, evitando o olhar dele e torcendo para nenhum ruído interferir na sua hipnose. Só assim funcionava seu poder. — A vida vale muito a pena.

O homem ponderou, transparecendo uma tranquilidade que lhe parecia esquecida, e uma ponta de admiração que ela não soube ao que atribuir.

— Bem, eu não queria incomodá-la — ele prosseguiu, tentando recuperar a linha de raciocínio. — Vejo que já estava de saída.

— Posso conversar um pouco com você. — Deixou o elevador que chegara partir. — O que tem te entristecido?

— Muitas coisas... — respondeu, olhando o vazio, transparecendo o desespero que ela já estava habituada a ver dos que revelam coisas íntimas a uma recém-conhecida. — Você se importaria de conversarmos em um outro lugar?

— Claro que não. — Ela apertou novamente o botão do elevador. — Vamos até a lanchonete, a essa hora não tem quase ninguém lá.

O homem aquiesceu, cruzando as mãos diante de si, parecendo satisfeito.

Antes, porém, que eles entrassem no elevador, ela sentiu uma mão molhada segurar seu braço.

— Ah, a propósito, meu nome é Leonel. Mas isso não vai te lembrar nada. Sou só mais um paciente seu.

— Muito prazer, Leonel. Meu nome é Eloá. — Ofereceu uma mão para que o estranho a cumprimentasse. — Sua nova amiga.

Eloá, então, recebeu uma mão úmida sob a sua e, em seu mundo, pareceu haver somente a voz de Leonel.

— Sim, Eloá. Certamente, seremos grandes amigos.

E, entrando no elevador, ambos se dirigiram até a lanchonete, em um perigoso mundo paralelo, onde ninguém mais poderia entrar.

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E aqui me despeço dos meus muito queridos leitores s2 s2 s2... Queria agradecer a Deus por me capacitar a fazer algo que, por minhas forças, eu não seria capaz, e por esse privilégio de conhecer leitores tão queridos como vocês! Agradeço, de coração, a todos os que passaram por essa história, deixando um pouco de si em seus comentários, e levando um pouco de mim, através desse livro. Espero que tenham gostado!

Agradecimentos especiais a pessoinhas que estiveram muito presentes aqui : @mirsblack , @Arier01 , @GerlanSantos7 , @LaisdosPassos , @GraziGimenes e @AlexandreRomualdo7 (abraço de urso em vocês!). E você que também esteve comigo, comentando ou não, sinta-se também pessoalmente parte desse agradecimento, afinal, não haveria essa obra aqui sem a sua presença! Obrigada!

A você que chegou até aqui, gostaria de saber a sua opinião sobre esse livro. Guardarei com muito carinho seu comentário!Tenho vontade de dar continuidade à história em outro volume, mas são apenas planos, por enquanto. A história do programador e da nova programadora, certamente, não acaba aqui, então... aguarde!!!

Um grande abraço a todos e até a próxima!

(Ah, e não esquece de dar uma passadinha no meu outro livro, POR UMA ELEITA ^^ Vou adorar continuar interagindo com você por lá!)

O Programador de LembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora