Iago, 26 anos, brilhante advogado dessa nova rapaziada que resolve tudo no touch, sem complicar, sem burocracias. Inventivo e hiperativo, este homem das ciências jurídicas quer ganhar seu primeiro milhão de dólares antes dos 30 anos. Só que toda essa competência não faz dele um gênio das relações interpessoais.
- Doutor Iago, reunião com o senhor Arílson às 10h45, não esqueça.
- Ah, tá. Obrigado, Regina.
O "senhor Arílson" era simplesmente o filho do dono, o herdeiro daquilo tudo. E corria, à boca não tão pequena, que Arílson seria gay. Um ou outro ali juravam ter visto o filho do chefe na noite, nos bares e festas e afirmavam com convicção. Seus trejeitos alimentavam o mito, estereótipo alimentado com furor pela sempre baixa fofoca corporativa: "Olha como ele anda!", "Olha, desse jeito que ele fala, sei não...", "Imagina! Quase 40 anos e nunca vi namorando ou mesmo falando de namorada". Mas tudo tratado com muita reserva - afinal, por mais machistas que muitos ali fossem, Arílson era sempre "o filho do senhor Leomir". E, não obstante, era de uma competência enorme, o que deixava desarmados os boateiros maldosos.
E Arílson gostava muito daquele novo advogado, apostava muito nele. Era um sentimento recíproco: Iago também nutria simpatia pela liderança do executivo herdeiro. Profissionalmente, davam-se muitíssimo bem - embora o "senhor Arilson" nem imaginasse a imitação, aprovada nos happy hours da firma, que Iago fazia do seu jeito de andar.
- Vamos lá, Iago? Tudo bem?
- Ô, senhor Arílson, vamos sim, está tudo aqui.
Ambos se sentam, ligam os notebooks. Arílson começa.
- Meu rapaz, pelo que li do seu relatório, é causa perdida mesmo.
- Senhor, as chances são remotíssimas. O empregador, nesse caso, não honrou recomendações básicas de segurança e saúde do trabalho, a empresa é uma bagunça. As poucas coisas que ele alega ter cumprido, aliás, sequer possuem registro. O advogado dos réus não é nada bobo e já notou isso. Se levarmos pra outras instâncias, seremos massacrados. Se abrirmos conversa, temos boas chances de conseguir um acordo razoável para o nosso cliente. E não vai ser problema conversar com o colega que representa a outra parte, porque ele é gay também. E aí podemos fechar esse processo sofrendo menos prej...
- Um minutinho, Iago, peraí. Como assim "gay também"?
- Perdão, senhor?
- Como assim "gay TAMBÉM"?
- Gay também o quê, senhor?
- Você disse que não seria problema conversar com a outra parte porque o advogado lá é "gay também". Quero entender melhor essa frase, por favor.
Silêncio sepulcral. Arílson provavelmente sabia sobre sua reputação ali dentro. O que deixa o nosso advogado naquela situação em que você tem duas saídas: simular um ataque cardíaco ou efetivamente ter mesmo um ataque cardíaco. Iago suava.
- Gay também, ué... Por que "gay também"?... Porqueeee...
Não tinha saída. Ia falar o quê? Que foi um lapso? Que todo mundo sabia que o chefe era gay e isso era assunto usual nos corredores?
- Bem, senhor, é complicado...
- Justamente por ser complicado é que gostaria de ouvir sua explicação, senhor Iago.
- É que... enfim... falei aquilo porque EU SOU GAY, pronto. Sou gay, sempre escondi isso, mas já que o senhor me obriga a falar, não posso mais esconder. O gay aqui sou eu.
E a reunião continuou, com um estupefato Arílson e um Iago encharcado de suor.
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Viagens ao Centro da Mente
Cerita PendekHistórias curtas, reais ou não, meio reais ou não, irreais ou não, paridas pela cabeça de Rover.