Epifania cinematográfica

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"O que que eu faço diante de tanta gente escrota?"

Era o único pensamento que rondava a cabeça de Josimar. Depois de tudo que passou dentro daquela empresa, tinha chegado aonde sempre queria: tinha cargo, salário e reconhecimento. Mas, ao contrário de muitos neste caso, era um típico "gente boa", continuava sendo convidado pros almoços, rodas de bilhar, feijoada e futebol da turma – e não fazia feio em nenhuma área.

Só que Josimar cansou. E por causa dos filmes – talvez seja um exagero dizer "por causa dos filmes", mas veio do cinema a força motriz que causou essas epifanias. Já tinha causado enorme surpresa entre a turma do trabalho o anúncio da separação. Ele e Célia sempre pareceram felizes, sorridentes, embora não tivessem filhos. Os amigos perguntaram a reação e ele só respondia:

– Ah, eu quis separar.

E nada além disso. Não tinham filhos. Ela queria e ele resistia? Ele queria e ela resistia? Um deles não podia ter filhos? Na verdade, ele teve um surto ao assistir "Beleza Americana", aquele filme do Sam Mendes, com o Kevin Spacey e a Annette Bening. Não precisava daquilo, daquele lar de mentira. Eles não tinham filhos porque simplesmente não transavam há muito tempo. A poeira baixou e, num tácito acordo, não se "procuraram" mais. A bem da verdade, decidiram até dormir em camas separadas – isso em 1996, com 08 anos de casados! Não precisava daquilo, conversou com Célia, que não entendeu nada, e acabou, pelo menos formalmente, ali.

Dói acabar um casamento? Mesmo ele já "acabado", como aqui, imaginemos sempre que rupturas não são fáceis. Recomeços, com o fardo de um "fracasso" (pelo menos pro grosso da sociedade) nas costas não é um modelo de facilidade. Mas relacionamentos são reconstruídos, refeitos, novas coisas pintam... Não é o fim do mundo.

Agora, com o trabalho não. Josimar entrou na companhia como menor aprendiz e agora era Gerente de Operações para a América Latina. Não era pouca coisa! Era tudo que ele tinha construído e sabia que, ao sair dali, ofertas similares apareceriam, para trabalhar com pessoas similares. E ali, facilidade maior, era amigo de todos. E esse era o problema: descobriu que as pessoas ao redor eram toscamente vazias. Ele não se importava de estar certo ou errado, só achava tudo e todos ali um bando de babacas. Como mandar tudo às favas se é esse "tudo" que paga suas contas?

E não era nem o trabalho, nem a empresa, exatamente: era sobre as pessoas. Ficar encerrado numa empresa das 07h da manhã até, no mínimo, às 18h, de segunda a sexta, com ocasionais horas extras nos fins de semana, não era animador. A futilidade com que as pessoas levavam a vida sempre o incomodou, mas ele achava graça. Agora não. Doía, fisicamente falando. Era insuportável. A velha gastrite voltava com força total.

As pessoas não liam, mal se falavam, escreviam mal, acreditavam em tudo que lhes era dito e só se entretinham com futilidades na TV. "Que todos vão pro inferno", pensava Josimar. Mas não conseguia. Pensou até em suicídio, ideia que até hoje arranca gargalhadas. "Morrer por não aguentar um bando de babacas me faria mais babaca ainda", ria-se.

"Maldito Woody Allen", e mais risada. De fato, essa crise veio com "Meia Noite Em Paris", com o Owen Wilson. O vislumbre de uma vida medíocre (e olhe que a personagem principal era um escritor razoavelmente bem sucedido, para os padrões sociais) acertou em cheio um Josimar entupido de tédio. "Que merda!" Na segunda-feira, ao sentar-se em sua sala (ele tinha uma sala só dele, símbolo de status corporativo!), ele sentiu-se mais medíocre que todos os outros. E as conversas sobre futebol, assassinatos e reality shows aumentavam à medida que chegava mais gente ao departamento. Ele tinha uma reunião externa, logo de manhã. Não pediu carro corporativo, iria sair com o seu mesmo – aproveitava pra ver algumas coisas na rua, arejar. Juntou papéis, organizou as pastas, despediu-se de todos e foi pra rua.

Não voltou. Nem pra empresa, nem pra casa.


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