Gregório sentiu-se velho pela primeira vez em dezoito de abril de 1994. Já havia recebido sinais, claro. Aos 36 anos, as idas aos médicos tornaram-se constantes. Dores: de cabeça, estômago, fígado (essa era óbvia), nas costas, ai, as costas... Mas acaba que virara habitué de certas especialidades, o que nunca é bom.
Entretanto, como fora um garoto de saúde de aço, sempre se saía bem das consultas:
– És forte, meu jovem. Vamos curar isso aí rapidinho...
Ou:
– O quê? 28? Ah, você é novo ainda, Gregório!
E assim corria a vida. Mas naquele fatídico 18 de abril de 1994, Gregório sentiu a idade de forma inapelável. Outra crise de azia, daquelas que tiram o humor de qualquer cidadão. Por razão que sequer se lembra (outra pista da idade que chega: a memória que parte...), tinha resolvido trocar de médico. E esse doutor Paulo Roberto parecia tão bacana...
– Mas me diz, Gregório, tá com quantos anos?
– 36, doutor.
– Ééé... – E ecoa só aquele barulho seco de caneta rabiscando o receituário.
Cadê o complemento? Cadê o incentivo? Nada? O arremate do doutor não deixou dúvida:
– Mas não tem problema. É seguir as indicações que a gente resolve, não é tão mau.
E saiu de lá Gregório, 126 anos mais velho do que entrara.
– x – – x – – x –
Não muito longe dali, Laura seguia sua vida. Tradutora de textos farmacêuticos, ela versava bulas do francês para o português. Solteira, já tinha namorado seríssimo um metalúrgico durante cinco anos. Agora Laura era somente olhos e coração para Roberto. Eram noivos há sete anos, mas de namoro mesmo já contabilizavam dez. Mal se viam durante a semana: primeiro pela faculdade de Laura, depois o emprego de Laura. Agora, a pós-graduação e as horas extras de Roberto. Mas amavam-se e era o que importava. Havia um projeto, havia um futuro, que seria lindo e eles estariam juntos para sempre.
Além disso, com 37 anos, Laura sentia-se melhor que nunca. Enquanto as amigas reclamavam do marido, dos filhos, dos sogros, dos pais, da escola dos filhos, dos amigos dos filhos, da falta de grana... Caramba, como devia ser chato aquilo! Ela não. Traduzia seus textos em casa ou em parques. Via Roberto nos fins de semana e cada reencontro era uma maravilha. Morava sozinha, podia ser quem quisesse na hora que fosse conveniente.
Só que Laura enjoou.
Ser livre sozinha passou a ser uma obrigação, um escudo, não um ato de liberdade. Não ter ninguém perto passou a sufocar. Os filhos que nunca vieram começaram a despertar uma saudade de tudo que não haviam sido. E Laura desandou a comer. Ela nunca tinha sido um corpão de estampar anúncios publicitários, só que a piora começou a ser visível.
E Laura recebeu o primeiro sinal de que não era mais uma garotinha, esperando o ônibus da escola, sozinha, no mesmo 18 de abril de 1994. Leila, amiga dos primeiros bancos escolares, encontrou Laura na porta de um supermercado. Trajava aquelas roupas típicas de academia, quando abordou a tradutora:
– Laura!
– Leila, quanto tempo?
– Como você tá?
– Tô ótima! E você?
– Tô bem, só encanada com o corpo. Você sabe, né, a idade chega pra todo mundo... Ainda mais pra gente, que teve filhos, você sabe... O corpo nunca mais fica o mesmo...
Laura corou. Só conseguiu esboçar, com a voz murchando a cada letra que saía...
– Eu nunca tive filhos, Leila...
A outra não ficou com vergonha da gafe cometida. Ficou mesmo foi com pena da amiga. Tanto que também só pôde soltar um muchocho:
– Ah...
E Laura saiu andando, 114 anos mais velha do que chegara.
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Viagens ao Centro da Mente
Short StoryHistórias curtas, reais ou não, meio reais ou não, irreais ou não, paridas pela cabeça de Rover.