Samurai working class

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– Os caras tavam, desde o começo, com a intenção de arrebentar o coroa de pancada. Eles ficam na esquina do banco com a padaria e, depois que ela fecha, eles ficam mirando quem passa, só pra bater até desmaiar... – O viciadinho do sinal falava, gaguejava, trocava as palavras. Ele ainda parecia em choque com tudo aquilo. – Depois eles correm, cada um prum lado.

– Eram quantos? – perguntou o policial.

– Eles sempre ficam aqui, os seis – continuou o nóia. Eles vinham mirando o coroa há um tempão, esse coroa de mochila passa aqui toda quarta-feira, sempre com a cara amarrada e ouvindo música. Quando ele apontou na esquina, o alemão de cabelo raspado falou "é hoje" e pegou o taco de beisebol.

– Esse taco com prego na ponta era dos meninos?

– Era sim senhor. Eles já bateram em tudo quanto é tipo de gente. Idoso, criança, mulher, casal...

– Sei o tipo. Ganguezinha de playboy?

– É tudo boyzinho, isso aí. Eu mesmo já apanhei várias vezes, só parou quando dividi pedra com eles. Pelo que vi, os cara moram num prédio mó da hora na avenida lá de trás...

– Tá ótimo. Mas e aí?

– Então, tio... Quando o coroa apontou na esquina, tava falando, o loirão olhou pros caras e falou "é hoje"... Eles ficaram, como sempre, três em cada lado da calçada, pro tio passar no meio...

– Tipo um corredor?

– É, mas disfarçado, três encostados no portão do estacionamento do banco e os outros três na guia. O coroa veio andando pra morte, sem nem saber o que tava pra acontecer.

– E...?

– Então, aí o cara chegou nessa esquina aqui. Os três da guia vieram andando pra cima do coroa, que ainda riu e cumprimentou. Só que o careca baixinho arrancou o soco inglês e colocou na mão, foi a senha pra cercarem o coroa.

– Cercaram? Covardes...

– Cercaram. O coroa parou, na maior calma, tirou o fone de ouvido e perguntou qual era a da bagaça... O cabeludo, que eu acho que era líder deles, falou algo como "qualé é que cê vai apanhar pra cacete, coroa". E o coroa riu...

– Riu na cara dura?

– Riu. Guardou o fone no bolso, olhou pros caras e... e...

– E aí aconteceu isso?

– Pois é. Eu não sei nem como falar, acho que ainda tô muito louco... Mas o coroa sacou, sei lá de onde, uma espada.

– Uma ESPADA? Sério isso?

– É, dessas de ninja, tá ligado? – Samurai. O nóia devia ter falado samurai. Mas ninja tá beleza. – Sei que aí o tio começou a dar golpes nos caras, parecia filme! O coroa meio que dançava e eu só escutava a espada cortando os corpos, que caíam mortos no chão! Esse barulho eu nunca mais vou esquecer, tá ligado? O aço da espada cortava as carnes desses moleques bombados sem esforço. E os boyzinhos não corriam não, acho que se ligaram que iam morrer todos. Pro cabeludo, no final, o coroa falou uns negócios que eu não entendi, enquanto o moleque berrava pelo amor de Deus pra não morrer... E ziiing! O coroa desceu a espada no pescoço! A cabeça caiu prum lado, enquanto o corpo desmoronava do outro...

– E o cara foi embora?

– Naaada! Catou a camisa do loirão, limpou o sangue da espada, jogou a camisa cheia de sangue ali no chão e guardou a espada atrás da mochila. Eu tava me borrando atrás da banca de jornal quando ele veio andando na minha direção. Eu me escondi, tá doido? Mas não adiantou. Ele deu três toques na banca e falou "e você, só não te mato também pra você poder contar pra polícia. E avisar pra essa raça de boy folgado que não é pra zoar trabalhador". E continuou andando, na maior calma...

O policial e o nóia ficaram olhando pros corpos esquartejados boiando naquela poça de sangue ainda durante um bom tempo. O oficial foi pra viatura, chamou alguém pelo rádio e avisou pro nóia correr, senão ia ter que levá-lo pra DP. Claro que ele sumiu dali. E eu, que estava sentado num banco da praça em frente, levantei, coloquei o fone no ouvido, a mochila nas costas e continuei a caminhada pra casa.

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