– Alexandre... (voz de choro)
– Oi, Lisandra, que cara é essa? O que aconteceu?
– Você não acredita! O Anderson me aprontou outra! Eu não sei até quando aguento passar por isso!
– O que foi desta vez?
– (voz tremida) Ele ficou de me encontrar hoje pra me dar o ovo de páscoa que ele prometeu...
– E...
– E o desgraçado acabou de me ligar dizendo que não vem. Simplesmente ligou e disse que não viria! Cachorro! Ai, que ódio!
– Ah, mas que sacanagem! Como pode?
– É o que me pergunto, Alexandre! Como pode?! E sabe por quê? Pra sair com os amigos! Aquele bando de vagabundos e bêbados!
– Ih, homem que fica de patota ainda? Então é do tipo bundão, além de tudo! Você não merece, vem cá... (faz um carinho na cabeça dela)
– (suspiro, grunhido, choro, suspiro)
– O que esse desalmado alegou?
– (voz de trovão) FUTEBOL, Alexandre! Hoje é quarta, é dia do maldito futebol. De ficar em frente aquela televisão babando naquele monte de marmanjos...
– Futebol, é? Trocar você pra ver futebol? Que panaca...
– É! Aquele bocó! Não pode passar nada desse maldito Flamengo na televisão pro Anderson simplesmente esquecer que eu existo! Que ódio, viu!
– Flamengo?
– É, Flamengo! Nunca vi!
– Flamengo, então? Puxa vida...
– Não é de enlouquecer?! Ai, mas ele me paga! ME PAGA!
– Peraí, Lisandra... Você não acha que tá exagerando?
– Exagerando? Ele me dá um bolo pra ver futebol e você acha pouco?
– Tudo bem, eu sei. Mas você podia ser um pouco mais maleável... homens têm esses passatempos esquisitos mesmo...
– Não acredito que você está defendendo aquele traste, Alexandre!
– Não é defendendo ele... é que...
– Fala, Alexandre!
– Você podia tê-lo convidado pra ver o segundo tempo na sua casa... comeriam chocolate, ficariam juntos, ó que legal?!
– Mas eu ODEIO FUTEBOL, Alexandre!
– É. Então, né? Pois é...
– Fala, Alexandre!
– Ok, vou falar: não tente competir. Fatalmente você vai perder. É isso. Falei, pronto.
– Competir? Com o futebol ou com os amigos?
– Com o Flamengo.
– Com o Flamengo? Com O FLAMENGO?
– É. Não sei se é doença, paixão, amor, fraqueza, força... ou se é tudo isso. Mas ser Flamengo é algo maior, transcendental mesmo.
– (interrompendo) Até você? Você tá de bricadeira, né?
– Não fique brava... tente entender... o Flamengo...
– (levanta abruptamente) Não fala mais nada! EU TE ODEIO, Alexandre! ODEIO! Quero que você e o Anderson morram enforcados numa bandeira do Vasco da Gama!!!! DO VASCO, entendeu???
– Lisa... a sala toda tá olhando...
– Lisa é o escambau! Cala a boca, Alexandre! CALA A BOCA!
– Tudo bem, deixa quieto. Desculpa, calma. Só mais uma coisa, então.
– Fala logo!
– Você sabe onde eles vão assistir ao jogo?
Um grito cheio de ódio ecoa pela escola e antecede o barulho de caderno capa dura batendo repetidas vezes na cabeça.
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Viagens ao Centro da Mente
Short StoryHistórias curtas, reais ou não, meio reais ou não, irreais ou não, paridas pela cabeça de Rover.