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Eu corria, corria tanto quanto a neve com a qual os meus pés mantinham contacto me permitia correr. Conseguia ver já o autocarro a virar com destino à paragem, não vi para onde ele ia, pretendia apenas apanhá-lo para me aproximar nem que minimamente do lugar onde eu me deveria apresentar dentro de 20 minutos.
O sinal ficou vermelho para os peões assegurando-me assim que a minha missão de lá chegar não seria assim tão fácil. Praguejei passando a mão pelos cabelos e desejei que algum carro tivesse pena de mim e me deixasse atravessar, o que não aconteceu.
Entretanto o sinal decidiu dar-me uma oportunidade mudando a sua cor de vermelho para verde.
Corri e mal tive oportunidade entrei no autocarro e perguntei ao motorista:
-Desculpe, passa por London Eye? - Projetando assim a minha voz muito mais do que desejara, obtendo olhares indesejados das pessoas que se encontravam no autocarro.
Depois de o motorista confirmar a minha questão com um aceno de cabeça, eu paguei o bilhete e sentei-me logo no primeiro assento que vi e como ninguém se sentou perto de mim, fiquei sozinha e ultimamente para mim, ficar sozinha era bom.
Tinha 10 minutos para chegar perto da London Eye. Encostei a cabeça à janela do autocarro e naquele momento eu poderia chorar. Poderia chorar todos os arrependimentos e tristezas. Contudo, desisti dessa ideia, pois, fazê-lo num autocarro, não seria de todo, o mais apropriado.
Recebi uma SMS da Rosalie perguntando se eu demoraria muito. Olhei para a estrada através da janela e constatei que faltariam uns míseros cinco minutos, o que para Rosalie seria o máximo de tempo que ela desejaria esperar por mim, por isso decidi responder a SMS dizendo que faltavam apenas dois minutos.
Mal saí do autocarro o cheiro a café preencheu-me as narinas, lembrando-me assim que eu não tinha tomado o pequeno-almoço.
Mal entrei no café onde tinha combinado estar com Rosalie consegui observá-la a bater com as suas unhas perfeitamente pintadas na mesa, o que me arrepiou lembrando-me do que estaria para vir.
No balcão do café pedi um galão e fui sentar-me na cadeira que se encontrava em frente da Rosalie contando mentalmente o tempo que ela iria demorar a falar e assim deixar sair a sua indignação.
Tinha chegado aos quinzes segundos quando Rosalie soltou um:
- Explica-me o porquê de quereres mudar de faculdade Melanie? - Suspirei. Estava claro que ela estava irritada, contudo não tão irritada como eu pensei que iria estar.
Rosalie é a minha Tutora legal e também é a melhor amiga da minha mãe ou melhor, era a melhor amiga da minha mãe.
- Melanie, eu sei que a adaptação para ti está a ser difícil, mas já se passaram sete meses e existem coisas que precisam de ser superadas - ela suspirou e quando viu que eu não iria dizer nada prosseguiu - Eu sei que a tua mãe era a tua melhor amiga Mel, mas pensa, ela também era a minha melhor amiga. Eu sei que dói Mel, mas eu também já superei isso.
Eu olhei pela janela, e a London Eye estava surpreendentemente vazia, talvez pela neve tornar as coisas mais frias, mais desagradáveis.
- Melanie tens a certeza de que queres continuar a viver sozinha, naquela casa? - Eu simplesmente acenei com a cabeça - Mel por favor fala comigo, não te afastes.
-Eu estou bem Rosalie - falei - E já sabes que se eu precisar de alguma coisa falo contigo tal como prometi, mas por favor não me faças sair daquela casa, tu sabes que é a única coisa que me resta dela.
- Mas Melanie, tenta ficar só mais um mês na faculdade e se ainda quiseres trocar, nós depois falamos melhor acerca disso.
Eu concordei não utilizando mais palavras a não ser para lhe dizer um simples adeus e sair do café. Enquanto me dirigia para a paragem de autocarro olhei para a London Eye. Bem, aquilo estava vazio, poderia andar lá sem ninguém conhecido ver e sem ninguém me incomodar e de momento era isso que eu precisava. Com passos determinados dirigi-me para lá, pedindo a mim própria para não desistir da ideia.


Mal entrei na cabine da London Eye senti-me feliz, não completamente feliz, mas feliz o suficiente. Ali era só eu, eu e os meus phones que naquele momento faziam com que eu me sentisse completa, embora ao mesmo tempo com falta de algo, que nunca mais iria ter e que eu, erradamente, tinha pensado ter como garantido, mas que naquele momento não o poderia ter por nada.

A paisagem que naquele momento os meus olhos contemplavam trazia-me memórias. Memórias de tempos que nunca mais iriam voltar. Talvez tenham passado rápido demais ou talvez eu não os tivesse aproveitado o suficiente.
Estranhamente, as ruas estavam praticamente vazias e de cá de cima via-se um estádio completamente cheio da parte de fora. Eu não percebia o que se ia passar e talvez me sentisse idiota por me ter isolado e não saber de nada do que se passava ultimamente. Não me sentia completamente culpada, mas também não estava muito contente com isso e visto que era um estádio, devia ser um jogo de futebol qualquer.
Quando a volta acabou decidi dar outra, aproveitando o facto de a London Eye estar vazia e eu poder estar sozinha. O frio era o único pequeno preço a pagar por aquela regalia.

A meio da volta, quando estava novamente no topo (mas na minha alma sentia-me no fundo) decidi tentar espreitar as outras cabines, o que me fez perceber que não fui a única a ter aquela ideia e o que me pareceu ser um rapaz (pelo facto do gorro e da gabardine que ele usava naquele momento se assemelhar à que o meu primo Stefan usava) também teve a mesma ideia que eu e estava a desfrutar, sozinho, de uma volta na London Eye.
Ele não parecia muito contente. Estava sentado no chão, encostado ao vidro, com a cabeça em cima das mãos e os cotovelos em cima dos joelhos. A roda parou por momentos e eu sentia-me hipnotizada a olhá-lo. Naquele preciso momento, se alguém me visse, diria que eu era doida por estar de joelhos no chão a olhar pelo vidro, como uma criança que estava a contemplar uma montanha de doces, o que me parece uma comparação estranha, mas talvez eficaz.
O rapaz olhou para cima e franziu as sobrancelhas quando me viu a olhar para ele, senti as minhas bochechas a escaldar e provavelmente a tomar um tom escarlate. Esbocei um pequeno sorriso não sabendo a razão de o ter feito e sentei-me a contemplar a grande cabine como se fosse uma obra de arte. Sentia-me observada e decidi virar-me para onde antes tinha estado a olhar e reparei nuns olhos verdes a observar-me e ele esboçou um sorriso para mim. Embora envergonhado, era um sorriso lindo. Voltei à posição anterior e olhei para o topo da cabine. Porque estaria eu contente por um rapaz me sorrir? Aquela ideia era estúpida e o facto de estar contente por isso era mais estúpido ainda. Eu não o podia estar. Não tinha sequer o direito de o estar depois da porcaria que fiz.
A volta acabou, eu saí da minha cabine olhando para a cabine do rapaz que ainda estava à espera para sair, e decidi sentar-me num banco não muito longe da London Eye.
Enquanto observava a London Eye, vi o rapaz a sair da cabine dele. Era alto e bem apresentável, lindo! De facto a cara dele mostrava frustração e o sorriso que ele tinha mostrado há uns minutos atrás tinha dado lugar a uns lábios bem trancados mas mesmo assim sexys. Ele, como se tivesse ouvido os meus pensamentos decidiu dar um ar mais sexy à situação passando a língua pelos lábios.
Só depois de sair da situação hipnótica em que aquele rapaz me colocava é que reparei que ele se ia sentar no banco à minha frente a uns escassos metros do meu.
Agora é que a situação se tinha tornado estranha.
Eu estava indecisa, se saía do banco e ia direta para o conforto solitário que era a minha casa e aquecia os pés ou se ficava ali sentada com a companhia do frio e esperava que acontece-se alguma coisa e, provavelmente saía de lá com uma desilusão e com o corpo ainda mais gelado do que já o tinha.
Mas como eu, Melanie Sofers gosto de ser desiludida e pelos vistos estar gelada decidi ficar lá a fingir que mexia no telefone.
Eu ainda olhava por vezes (de minuto a minuto) para o rapaz que continuava ali imóvel e de cabeça baixa. Eu sentia-me estúpida e talvez o estivesse a ser.

Fiquei ali uns bons (e gelados) cinco minutos até que o rapaz, do nada, começou a soluçar. Não que ele estivesse a chorar alto, não, nada disso, mas a postura dele parecia que estava a chorar, pela forma como as costas dele davam leves saltos. Eu começava a ficar preocupada até que ele começou a gargalhar super alto, das duas, uma: ou o rapaz tinha acabado de se lembrar de uma anedota ou estava a achar engraçado a situação em que nos estávamos envolvidos.
Optei pela segunda opção, porque ele se pôs de pé caminhou até mim, sentou-se ao meu lado e disse:
-Ok, vamos acabar com isto
"Porra Mel, onde te foste meter?" Pensei, segura que a minha solitária casa e os meus pés quentes teriam sido a melhor escolha há uns minutos atrás.

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