-45-

162 5 2
                                    

Passava pouco das três da tarde e depois de um banho enorme porém quase silencioso numa tentativa bem executada de não acordar Harry eu lia o discurso que era suposto fazer nessa noite.
Eu franzia as sobrancelhas à medida que lia achando aquilo uma das coisas mais patéticas de se dizer.
Quando a campainha tocou eu dirigi-me até à porta e tive uma visão de Rachel cheia de sacos e papéis, eu encarreguei-me de lhe dar alguma ajuda embora ela só me deixasse pegar numa pequena pasta de arquivo.

-Bom dia! -Ela resmungou e eu ri.

-Bom dia Rachel! -Eu disse e permiti-lhe a entrada para a enorme sala.

Rachel atirou-se para o grande sofá e pequenas gotas de água estavam alojadas no seu casaco de couro preto, quando eu a olhei e me sentei no sofá oposto ela resmungou.

-Podias ter avisado que Alice morava a quarenta e cinco minutos da cidade!

-Ops?! -Eu esforcei um sorriso de culpa e ela voltou a levantar-se e a colocar todos os sacos com o máximo de cuidado em cima do sofá.

-Pronta para logo patroazinha? -Ela implicou e eu encolhi os ombros.

-Queres um café, leite, chá? -Eu ofereci e ela olhou em volta.

-Um café e uma toalha seria bom agora, está um tempo horrível lá fora. -Ela começou por tirar o casaco.

-Podes pousar no bengaleiro se quiseres, volto já. -Eu murmurei e comecei a subir as escadas em direção à casa de banho.

Harry ainda dormia e eu não fazia intenções de o acordar a menos que ele ainda dormisse quando eu estivesse prestes a sair.
Eu agarrei numa toalha e olhei-me levemente ao espelho, os meus cabelos estavam demasiado encaracolados e os meus lábios estavam rosados dando-me um aspecto mais novo.
Apaguei a luz da casa de banho e sai dela com os meus dedos ainda a acariciar a toalha.
Quando cheguei perto de Rachel, ela olhava para um retrato meu que se encontrava perto da lareira, toquei-lhe no braço e passei-lhe a toalha.
Ela sorriu levemente e murmurou um obrigado ainda fixa no retrato.
Eu encaminhei-me para a cozinha e procurei em todos os sítios possíveis pelo café, quando ouvi passos olhei para trás e Rachel passava a toalha pelos cabelos ainda húmidos.

-Eu não tenho café. -Lamentei. -Chocolate quente?

-Sim claro, não há problema.
Eu assenti e liguei o fogão, quando uma chama apareceu eu suspirei e dirigi-me ao frigorifico.
Quando o abri a voz de Rachel ecoou.

-Aquela não parecias tu.

-Desculpa? -Eu disse um pouco estática com a jarra do leite ainda na mão.

-No retrato, estás diferente. -Ela começou. -Cabelos mais curtos, não sei, mais sorridente, rebelde. -Ela deu um encolher de ombros e dirigiu-se até ao balcão sentando-se num banco.
Eu não respondi e entornei o conteúdo da jarra numa pequena caçarola.

-Foi antes da morte da tua mãe não foi? -Ela perguntou e eu engoli seco.
Acenei afirmativamente com a cabeça enquanto me dirigia novamente para o frigorifico.

-Eu entendo Melanie, não é como se eu fosse sempre cabra... -Ela murmurou amargamente e eu olhei-a.

-As coisas eram diferentes...

-Como assim? -Ela perguntou.

-Uma coisa é tornares-te como és pela morte de alguém, isso é compreensível, uma maneira de redesenhar o teu futuro... -Eu murmurei. -Outra é quando cortas o cabelo por rebeldia e mudas quando tinhas tudo para ser perfeito.

-Então tu és assim por outro motivo? -Ela perguntou.
Eu abanei a cabeça em confusão, aquilo era demais, ainda mesmo que para mim.

-Então como foi a tua noite de ontem? -Eu perguntei deixando a questão de Rachel fechada noutra parte da minha mente.

The Soul*Onde histórias criam vida. Descubra agora