NÃO ME ESQUEÇA - CAPÍTULO 4

28 6 0
                                    

Já estava na décima caixa, não aguentava mais empacotar as minhas coisas. Doía demais. Ainda bem que a Pri veio me dar uma forcinha nessa tarefa e mesmo assim foi muito difícil. Eu vivi naquela casa desde os meus dois anos de idade, todas as recordações estavam ali dentro. Almoços, festas, reuniões com as amigas, meu pai... Meu pai! Como eu poderia deixá-lo para trás assim? Aquela casa, mais que tudo o representa. As poucas lembranças que tenho dele são da gente ali, na sala, no meu quarto, no quintal... Mamãe sempre fazia questão de me falar sobre o papai e me contou que todo domingo ele ficava comigo na rede escutando Roberto Carlos ou lendo um livro. No fim do dia, assistíamos a algum filme que eu escolhia. Além disso, ela guardou com todo cuidado inúmeras fotos da minha infância. Eu não me lembro muito do meu pai, eu tinha apenas sete anos quando ele morreu, mas as histórias e as fotos demonstram que ele me amava muito. Aquela casa simboliza o meu pai, é o que me liga a ele. Tinha medo de perder essas memórias ao sair de lá. 

-Tô me sentindo meio ridícula - escutei e automaticamente deixei meus pensamentos de lado.

Ela sabe me fazer rir como ninguém. Quando ela surgiu na minha frente com um microvestido da Branca de Neve, caí na gargalhada.

-Misericórdia! Você está completamente ridícula  - falei, rindo muito.

-Obrigada! Love you too.

-Você quer, por favor tirar isso? 

-Coloca na caixa do "vai embora" ou do "fica"?

-"Vai embora" com certeza!

-Finalmente! Acho que é a segunda peça que jogamos lá.

-Você tem que entender que tudo é útil. Essa história de "sair da moda" não existe. Sempre tem uma maneira de usar.

-Apesar de eu querer jogar a metade das suas coisas fora, até que a outra metade é bem estilosinha.

-Já acabou a sua parte? - perguntei, olhado a hora. Os caras da mudança já tiraram quase tudo da casa.

-Falta pouco - falou ela, voltando pro armário.

Quando voltou, me encheu de perguntas sobre a casa nova, como seria meu quarto, se teria closet também, se teria uma suíte... Um verdadeiro interrogatório. Eu disse mil vezes que não sabia nada sobre o apartamento novo e que também não dava a mínima. Mas a Priscila decidiu que quer fazer jornalismo. Ou seja, ela vive usando a gente de cobaia e fazendo mil perguntas que eu não tenho paciência pra responder.

-I'm hungry! - finalmente ela mudou de assunto.

-Já vamos sair!

-Vamos tomar um açaí no Bibi? Pretty please! - pediu ela e forçou um sorriso. 

-Tá cara, vamos! - disse - Vai chamar um táxi vai!

Foi uma sensação tão estranha, difícil descrever. É como se estivessem tirando parte de mim, apagando minha história. E eu simplesmente sem poder fazer nada para impedir. Ser adolescente é tão angustiante nesses momentos por não poder tomar minhas próprias decisões. Por mim, já teria ido para Paraty morar com a vovó.




***

Hoje o capítulo ta mais curtinho, mas vou tentar postar o próximo ainda hoje.

As Confusões de uma AdolescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora