Eu passei minha vida inteira morando em uma casa, não sabia como era viver em apartamento - e já estava odiando. Ao escolher o Bairro Peixoto, mamãe tentou manter o clima "zen" de Santa Teresa, mas sem muito sucesso. Ela diz que o Bairro Peixoto é uma ilha de tranquilidade em meio aos caos e o barulho de um dos bairros mais populosos do Rio. De fato, pelo menos aqui a gente foge da fofoca de Santa Teresa. A localização do apartamento tinha outra vantagem: ficava pertinho da futura confeitaria da mamãe. Ela até poderia ir andando ao trabalho. E eu finalmente poderia para de pegar a van da escola. Por que descer as ladeiras de Santa Teresa para ir até a Gávea é uma viagem, mas daqui da casa nova eu posso pegar um único ônibus e ainda chegaria bem mais rápido. Não dá pra negar que a locomoção daqui é bem melhor, mas nada substitui minha casinha, meu cantinho, pedacinho do papai.
Meu coração batia rápido e forte. Entrar naquele prédio significaria ocultar todas as mudanças. Não só a casa, mas o padrasto e o filho dele também. Sempre vivemos tão bem só nós duas. Por que tudo tinha que mudar assim de repente?
Entrei pela porta da frente de fininho e lá estava a mamãe e o Carlos dançando entre as caixas.
Senti um aperto no peito na mesma hora. Era muito estranho ver a mamãe com alguém. Quando ela me notou, veio dançando em minha direção tentando fazer graça, mas continuei de cara fechada, é claro.
-Eu sei que você ama essa música - falou ela para mim, mas não disse nenhuma palavra. Não queria brincadeira.
-Onde é meu quarto? - perguntei, só queria me trancar e morrer um pouquinho.
-Você vai ao menos dizer "Oi" ao Carlos?
AFFFFF
-Oi - falei sem olhar para ele.
-Vamos lá. Vamos lá. - disse ela, me empurrando para o corredor da casa.
Entramos no segunda porta à direita.
-Tcharan! - falou ela, animada. - Do jeitinho que você sempre sonhou. Eu não sou a favor de cama de casal, mas Carlos comprou uma pro Bernardo, aí decidi comprar uma igual pra você - ela sorriu, e de repente sua fisionomia mudou, como tivesse lembrado de alguma coisa - E sinto muito por você ter perdido seu closet, mas olha! - Ela abriu um armário de três portas grandes ao lado da entrada, mostrando o espaço - Acho que cabe tudo e mais um pouco. Ainda comprei aquela cômoda linda, onde você pode colocar sua bijuterias, maquiagens e produtos de beleza.
Em seguida ela dançou ate uma das portas do quarto e a abriu.
-Por essa você não esperava, não é? - perguntou ela, piscando um olho para mim. Bom, eu perdi o closet e ganhei uma suíte... - A gente teve que fazer uma obra e dividir o banheiro principal em dois. Por isso ele é tão apertadinho, mas acho que dá pra se virar. Assim não temos problemas com falta de privacidade, cada um no seu canto.
Preciso admitir que adorei o quarto. Ele é todo azul (minha cor favorita) e na parede lateral tinha uns quadros cheios de fotos minhas com as meninas. Acima da cama, mamãe colocou um enfeite lindo com pisca-pisca de Natal e posts com minhas séries prediletas. Na parede contrária tinhas umas prateleiras brancas, onde eu colocaria meus livros. Sem contar a cômoda, o espelho retrô, o banheiro... O problema é que estava tão desgostosa que não conseguia sorrir nem me animar.
-Está tudo lindo, mãe. Obrigada. - falei um pouco sem graça. Parte de mim estava muito envergonhada por ter sido tão grossa logo com ela, que sempre me tratou com o maior carinho, que sempre foi minha melhor amiga. Mas a outra parte estava tão enfurecida que dizia que aquele quarto incrível era o mínimo que ela poderia ter feito depois de tudo que eu estava sendo obrigada a aceitar.
-Só isso?
-O que você que mais?
-Um beijo! Um abraço! Um sorriso!
Fiz um esforço e dei um abraço apertado nela, seguindo de um beijo no rosto. Ela sorriu para mim.
-Falta só o sorriso.
-Mãe, por favor! Respeite... - olhei para baixo, triste. - Não força a barra.
-Minha filha, só quero te ver feliz.
-Mas não é me sufocando que você vai conseguir isso - falei sem paciência e me arrependi - Desculpa, mãe. É que está sendo muito rápido! Eu nem digeri a notícia do namoro ainda e de repente a senhora mandou um "vamos nos casar", "vamos morar juntos", "Carlos vai ser seu novo professor", "Ah... ops... ele também tem um filho". E para completar, a gente ainda saiu da nossa casa. A casa do papai, mãe! Como pôde? - perguntei, segurando o choro.
-Ah, Carol. Não faça isso... Nós não poderíamos continuar naquela casa para sempre.
-É claro que poderíamos. Ela é perfeita para nós duas.
-Mas não somos mais nós duas, não é? Você realmente gostaria de ver a família nova morando naquela casa?
-Não! Não quero família nova! Eu gosto da família velha. Eu e você.
-Carolina, tente se esforçar.
-Não, mãe. Tente se esforçar você! Me dá um tempo. Me deixa em paz - falei, e ela saiu do quarto com uma expressão triste.
Eu não gosto de brigar com a mamãe, mas era difícil aguentar toda aquela mudança e ainda fingir que estava feliz. Ah pera lá né... Eu só queria voltar pra minha casinha, para o meu quartinho, para a época que a única discussão com a mamãe era sobre a comida que pediríamos ou os livros que ela me daria de Natal.
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Confusões de uma Adolescente
Ficção AdolescenteCarol tem manias de fazer listas. Escreve sobre tudo: livros favoritos, melhores momentos das férias, músicas prediletas e frustrações. Mas, nunca pensou que registraria em sua lista novidades tão surpreendentes: o casamento de sua mãe, a mudança de...