Editorial
Rosca J. R. Tudor
Considero a escrita como um ato de extrema intimidade. O autor pode escolher escrever uma ficção ou relatar a vida de terceiros, mas é inevitável deixar ao menos um pedaço de sua mente codificada em seu texto. Por isso, para esse editorial, resolvi compartilhar um momento muito íntimo de minha vida. Minha primeira vez.
Era uma manhã ensolarada do ano de 1992. Decidi cabular aula para comprar jogos de computador na Santa Efigênia, que na época não era tão povoada quanto atualmente. Na época, as melhores lojas de jogos ficavam nas travessas da Santa, por isso meu caminho foi uma espécie de costura através de todas as ruas da imediação. Quando então, entrei na Rua Aurora e decidi ir "um quarteirão a mais".
Ali já não era mais ambiente para um garoto de 14 anos. As lojas davam lugar a estacionamentos e cortiços e os frequentadores já não eram mais nerds e técnicos em manutenção. Aquele pedaço de São Paulo era conhecido como A Boca do Lixo, então deixo para você imaginar como era a fauna local.
Porém, até num aterro sanitário pode desabrochar uma flor, e foi ali que a encontrei, no número 72 da Rua Aurora... a sua mãe. Sim, a você que está lendo... sua mãe mesmo. Ou acha que ela estava em algum outro lugar, naquela primavera de 1992? Sua mãe estava vestindo apenas um robe feito com aqueles panos sintéticos vagabundos, comprados na 25 de Março, que tentam imitar seda chinesa, mas parecem pano de chão, enquanto fumava um cigarro fedido, provavelmente era capim de pasto cagado enrolado no papel de fumo, contrabandeado do Paraguai. Nada disso importava, pois ela era linda... jovial... liberta... eu conseguia ver toda beleza de seu corpo e seus pelos pubianos, que ainda estavam na moda.
- Oi gatão, quer entrar - Ela olhou dentro de meus olhos, como uma pantera pronta para o abate.
Minha mente, coração e virilidade foram tomados por aquela névoa de cheiro etílico, assoprada delicadamente em meu rosto. Nada eu podia fazer, além de deixá-la pegar em minha mão e me conduzir até nosso ninho de amor.
- O que você quer fazer, lindo? – Eu entendi todas as palavras e sabia a que ela se referia. Apenas não tinha ideia do que um garoto de quatorze anos poderia sugerir a uma deusa do amor e prazer.
- Ah, sei lá, o que você achar melhor – Eu não era nada eloquente. Não que agora seja, mas na época, certamente, não era.
- O que você acha de um Gung-Ho Argentino?
P U T A Q U E P A R I U ! Quando ela disse isso o mundo se calou. O agitado Centro de São Paulo soava como uma pacata rua de Cristais Paulistas na madrugada de domingo para segunda. O vento parou de soprar. O Sol parou de esquentar e o mundo não mais girou. Eu não fazia ideia do que viria a ser um "Gung-Ho Argentino", mas se ela tinha a coragem de tentar vender alguma coisa e, ainda assim, chamar de "argentino"... puta que pariu, devia ser algo muito bom! É a mesma coisa que você dizer: "Compre esse carro lerdo!" Aí, obviamente, vai imaginar que deve ter alguma coisa a mais, como ser luxuoso, bonito e não fabricado na Argentina.
- Mãe do leitor, eu não faço ideia do que é um Gung-Ho Argentino, mas acho que vou querer isso sim.
- Então, vamos lá. Ernesto! – Ela chamou e, prontamente veio um rapaz forte, mais ou menos do tamanho dum monstro de pesadelo.
- Sim, senhora Mãe do Leitor. Como posso ser servil? – A voz do homem parecia aqueles trovões que escutamos quando abrem os portões do Valhalla. E caso você não saiba como isso soa pode perguntar para sua mãe, que ela deve lembrar do saudoso Ernesto, que os deuses o tenham a seu lado.
- O garoto quer experimentar um Gung-Ho Argentino – E mais silêncio se fez. Ernesto até parou de respirar quando a sua mãe lhe disse isso.
- Pode deixar, senhora Mãe do leitor – Ele disse depois de alguns longos segundos, onde a existência foi substituída por um hiato de profunda comoção.
A sua mãe me abraçou gentilmente pela cintura, colocou minha mão esquerda entre suas nádegas, deixando-me tocar gentilmente sua vulva e, com certo romantismo, me guiou através de um corredor escuro, empoeirado e cheio de teias de aranha. Descemos uma longa escada apertada, que tinha degraus altos e curtos e largura por onde dificilmente um homem adulto conseguiria descer sozinho. Ernesto não ousou nos acompanhar, pois ele não passaria por ali. Apenas acenava, do alto da escada, desejando sorte aos aventureiros. Na metade do caminho eu já estava com muita dificuldade de continuar enfrentando os degraus, mas sua mãe me reconfortou envolvendo minha face com seus lindos dedos e me dando um demorado beijo de língua. Que não foi meu primeiro, mas é como se fosse. Ela beija muito bem, com aquela língua firme, porém macia, invadindo minha jovem boca, e lábios que sabem muito bem como tocar a alma de um homem. Sinto saudades de sua mãe.
Depois de muitos minutos, deixando sua mãe me mostrar como é que se beija de verdade, descemos os últimos degraus e chegamos a uma pesada porta de madeira. Ela fez um toque especial na porta, que foi uma adaptação da música Moby Dick, do Led Zeppelin, e depois de alguns segundos ouvi uma série de trancas e cadeados serem destravados para, então, a porta se abrir vagarosamente. Mais ou menos vinte centímetros se abriram, então pudemos ver a face de um homem muito feio, com olhar de sonso, que possivelmente era seu pai, espiar desconfiadamente.
- Sim? – Ele falou de maneira entorpecida, arrastando a vogal como se estivesse definhando.
- Vim fazer um Gung-Ho Argentino com o rapaz – Ela sorria fazendo aquela carinha sapeca de pantera no cio, enquanto me abraçava e, depois, beijava minha orelha.
O pai do leitor apenas acenou com a cabeça enquanto babava e se afastava da porta. A mãe do leitor me puxou de maneira carinhosa e cheia de energia para um canto muito escuro do galpão, onde eu apenas pude ver, ao longe, uma luz de televisão. Para lá rumamos.
Era um dispositivo estranho. Não era uma televisão. O monitor apenas fazia parte dele, mas eu nunca vira antes coisas como as que eram ali exibidas. Era um aparelho com aproximadamente dois metros de altura, um monitor na parte de cima, duas alavancas e quatorze botões.
A sua mãe colocou um banquinho de aproximadamente um metro na frente da máquina, colocou duas fichas, parecidas com as de telefone, em um slot na parte inferior frontal e se sentou sobre o painel frontal, encaixando a alavanca esquerda dentro de sua vagina.
- Moça, eu não vou sentar na outra alavanca – Um protesto pertinente de minha parte.
- Não, tolinho. Você é noobão, e é melhor jogar usando as mãos.
Então, crianças, foi assim que conheci sua mãe e, também, a primeira vez que joguei Street Fighter II: The World Warrior.
Minha análise: Não existia uma cultura de fighting games naquela época. Lembro, antes disso, de algumas poucas horas em "clássicos" como Hoogans Alley e Ye Ar Kung-Fu, ou um jogo levemente mais elaborado, como Karate Champ. Mas foi Street Fighter II que começou tudo que temos hoje. Toda geração de jogos tem um título que a marcava e dava a tônica, inspirando toda a indústria a lhe seguir. Street Fighter II foi não só o jogo que definiu aquela geração, como também uma pérola cultural que permitiu que os videogames evoluíssem de uma brincadeira despojada de crianças para algo realmente grandioso.
#somostodosistritifaiguiti.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ecos 8
Short StoryOitava edição da Mostra Ecos. Novamente lançamos mais uma edição da nossa mostra de contos. Sejam todos bem vindos a Ecos 8! Em cada um dos contos elaborados pelos autores participantes desta edição, uma visão particular do mundo é mostrada. Ficamos...