A aposta

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A aposta


L. M. A

Todas as micro-torneiras de sua epiderme pareciam ter estourado pela quantidade de água salgada que escorria de sua testa, deslizava ao lado da orelha e despencava em sua camisa azul-clara de linho, marcando o tecido importado com gotas de nervosismo. Logo abaixo de suas axilas, mais tecido inundado pela ansiedade. Suas mãos apresentavam o pavor em forma viscosa. A perna esquerda tremia. Levou a mão até o colarinho para afastar a gravata e respirar melhor. Tudo em vão. Não era o pano preto que estava esmigalhando sua traqueia, mas, sim, um nó de carne, nervos e músculos.

O ar do ambiente parecia viciado. O cheiro forte e enjoativo do cigarro estava arranhando seus pulmões. Queria gritar para que alguém abrisse a porcaria das janelas, porém sua língua não obedeceu os comandos do cérebro e seus olhos começaram a lhe enganar, mentindo que a janela que estava do lado esquerdo da sala há dois minutos sumira num passe de mágica.

A fumaça e as poucas luzes o impediram de ver os olhos do sujeito a sua frente, mas não lhe deram o lenitivo de não poder ver o sorriso de escárnio que rasgava a boca do companheiro. O homem espetou uma azeitona no prato branco no centro da mesa, tomou um gole de Whisky:

― Faça as honras... – disse, mordendo o palito de dente com que pegara a azeitona.

Antes de obedecer, olhou para o que tinha em mãos. Não era uma grande jogada, mas precisava que fosse a jogada certa. Analisou os cartões para certificar-se da estratégia. Os ouros que quase escorregavam de suas mãos úmidas pareciam servir como alento e premonição. Iria ganhar, era o que pensava, com certeza era um bom agouro. O coração parecia querer arrebentar o peito. O sangue esmagava suas têmporas. Baixar aquelas cartas na mesa foi, de longe, a mais difícil tarefa que já cumprira.

Com um som suave, que mais parecia o farfalhar de folhas outonais no asfalto, pôs as cartas e sua vida na mesa.

Os olhos do companheiro, como lobos famintos no inverno rigoroso, procuraram pelas cartas com um olhar predador. Não esboçou nenhuma reação. Provavelmente porque queria manter o suspense do jogo. Endireitou-se na cadeira, passou o palito para o outro lado da boca e desceu as cartas.

O apostador, à sua frente, com ar de presa fácil e assustada, secava nervosamente as mãos na calça social e, em seguida, passou o antebraço pela testa brilhante de suor. Nem parecia o mesmo homem que havia entrado pela porta principal, com a maleta de couro, olhar altivo e falar desdenhoso de um executivo na casa dos trinta anos. Disse que soubera das apostas e era exímio jogador. Apresentou a proposta ambiciosa: queria ser inocentado das acusações sobre o assassinato da mulher, queria mascarar todo rombo que havia deixado na empresa do irmão e ainda garantir que seus próximos investimentos lhe rendessem oceanos de dinheiro. Uma pena ele não ter conhecimento do câncer que estava corroendo seu fígado.

Adorava esses sujeitos que se achavam os donos do mundo. Eram os mais fáceis de enganar. Aceitou as condições e fez a proposta que lhe cabia, não seria ambicioso. Provavelmente o executivo nem duraria o tempo que apostaram.

Quando o apostador analisou a jogada do oponente, sentiu que o sangue que estava fervendo dentro de si já havia derretido toda sua pele e músculos. A sequência de cinco espadas que iam do dez ao "Ás", rasgaram seu peito. O companheiro, ainda com o palito na boca, deu um sorriso cheio de dentes:

― A sorte é uma chatice, não é? Quando você mais precisa dela – ele estalou os dedos da mão direita – ela lhe tira o chão só por brincadeira.

O apostador tentou pronunciar algo que sugeria uma revanche, mas foi cortado pelo companheiro:

― Desculpe, amigo. As regras são claras: uma partida, uma proposta. Se você ganhar, tudo o que você propôs será posto em prática por mim. Mas se perder... O pagamento é à vista.

O executivo não conseguia pensar em mais nada que tivesse nexo ou fosse relevante para mudar seu destino. A única coisa que girava, pulava e gritava em sua mente era o fato de estar devendo 50 anos de sua vida para aquela coisa que nem sabia o que era.

Aquilo que parecia um homem deu uma piscada, pareceu murmurar algumas palavras, ergueu a mão bem à frente do apostador e conforme a fechava, algo dentro do corpo do executivo ia estourando. Talvez fosse o fígado.

Ecos 8Onde histórias criam vida. Descubra agora