Armazém Lorenzi
Francisco Falabella Rocha
Henrico Nobella Lorenzi é o caçula de uma família italiana que tenta sobreviver no Brasil. É o pequeno ladrão de galinhas que conta a história de sua casa; sustentada pelo armazém de seu pai Enzo e seus pequenos furtos.
João Homérico olhava desconfiado. Algo não estava certo. O velho sargento aposentado encarava a galinha com ar de incredulidade. Pelas suas contas, já era a terceira vez que ele recomprava a mesma galinha naquele armazém.
– Enzo, você está me enganando!
– Di cosa stai parlando? – disse papai, que encarava o espelho e penteava o cabelo.
Uma coisa era certa, ele só falava Italiano quando tentava enganar os clientes do armazém. O sargento João saiu da loja, mas deixou a ameaça no ar: conferiria no quintal de sua casa, caso sua galinha não estiver por lá, ele voltaria com a sua espingarda.
Enzo não se alterou. Continuou penteando o cabelo e olhou indiferente para o homem que já dobrava a esquina. Foi só o homem sumir de vista para, em um só movimento, Enzo correr, gritar e agitar os braços. Com a galinha roubada em mãos, papai me passou as coordenadas. Era preciso ser rápido, mas também discreto. O bairro já desconfiava do roubo das galinhas.
A minha sorte era que João Homérico era velho, gordo e arrastava a perna quando andava. De casa em casa, pisando em telhados e levando bicadas da galinha, eu avançava. Eu consegui devolver o bicho, poucos segundos antes de seu dono entrar no quintal e conferir o galinheiro. Do alto do abacateiro, eu observei a cena. Quando João se foi, eu peguei o seu galo cantante.
– Disgustoso grasso... Grasso... Senza cuore grasso... – cochichava papai.
João Homérico voltou desarmado e quis retratar-se com papai. Pelo transtorno gerado, João pagaria o dobro do preço pela galinha. Mas papai disse a ele, que enquanto ele voltava para casa, uma senhora entrou no armazém e comprou o bicho. João Homérico saiu confuso. Em breve, veria a mesma galinha à venda no armazém. Ele achava que estava ficando louco. Quando o velho sargento dobrou a esquina, eu entrei no Armazém Lorenzi com o seu galo.
Não demorou e o tio Ricardo estacionou a sua lambreta em frente à porta da loja. Ele trazia consigo uma linguiça defumada que ele roubara do açougue, na noite anterior. Papai ficava preocupado. A polícia já estava na cola de Ricardo e frequentemente os oficiais passava pelo seu armazém com perguntas. E não era só pelos pequenos furtos no açougue que Ricardo era procurado. Pelo que se lembrava, a polícia estava na cola de seu irmão desde seus primeiros passos na distante e querida Itália.
– Ricardo, não fica aqui dando bandeira. Vamos lá para casa, está na hora do almoço.
Papai fechou o armazém e nós caminhamos até a casa. A mesa já estava posta. Meus irmãos Vincenzo e Matteo esperavam ansiosos pelo almoço. Mamãe estava na cozinha preparando a lasanha.
– Vai lavar as mãos, suas pestes! – disse tia Lorena, em tom de rancor.
A cinquentenária era amargurada e sempre que podia ofendia papai e seu lado da família. Enzo não entrava no jogo de tia Lorena, limitava-se a dizer que o seu caso era falta de marido.
– Como é o seu nome? – ela me perguntou.
– Como assim, Tia Lorena? Você sabe que eu me chamo Henrico Nobella Lorenzi.
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Ecos 8
Kısa HikayeOitava edição da Mostra Ecos. Novamente lançamos mais uma edição da nossa mostra de contos. Sejam todos bem vindos a Ecos 8! Em cada um dos contos elaborados pelos autores participantes desta edição, uma visão particular do mundo é mostrada. Ficamos...