Onde ardem os inocentes - Parte II

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VESimeoni

Onde ardem os inocentes - Parte II



V. E. Simeoni

Quando Ely e seu grupo finalmente se veem frente a frente com a monstruosa criatura conhecida como Offenmund, a diferença entre realidade e lenda se mostra bem mais amarga do que qualquer um poderia imaginar. A conclusão da história começa aqui.



Com o instigar da primeira fagulha veio o desespero que se espalhou pela floresta na forma de fogo bruto. Aves abriam suas asas e animais lutavam para escapar com vida. Minha mão alcançou o cajado, a antecipação do que estava por vir era pior do que qualquer outra coisa. Existia uma beleza profana na maneira que o vermelho vivo das chamas se misturava ao azul noturno do céu. Em meio a esse espetáculo caótico a criatura surgiu, grande como um urso e com olhos que ardiam feito brasa. Por detrás de uma mordaça de ferro retorcido o Offenmund olhava diretamente para nós.

"Ely..." a voz de Garen soava sufocada. "Fica perto de mim..."

Não dava mais para se arrepender, o tempo pra escapar havia passado, isso ficou claro no momento em que aquela coisa pôs os pés na clareira. Agora eu sabia como um cordeiro esperando para ser abatido se sentia, dois grilhões de medo me mantinham petrificado enquanto o Offenmund arrancava feito um trem desgovernado. Não deve ter durado mais que alguns segundos, o monstro jogou os punhos cerrados para trás e o solo estremeceu e uma massa de terra subiu para o alto, assisti a tudo ao mesmo tempo em que era puxado com tanta força para trás que minhas pernas começaram a se debater no ar. Quando me dei conta, estava sentado no chão com meu irmão me segurando pela camisa, ele tentava manter-se em pé se abraçando a uma árvore. Garen até chegou a sacar a arma, mas ele não teve a chance de usá-la, ele foi arremessado para longe quando foi atingido pelo monstro.

"Bruder!" gritei... Ah, que grande erro... Agora tinha toda atenção do monstro voltada para mim. Pode chamar isso de instinto de sobrevivência tardio ou pura covardia, mas ter aquela coisa bufando no meu pescoço me fez perceber que dava para engatinhar muito mais rápido do que dava para correr. Boom! Fugi me esgueirando pela lama com o Offenmund no meu encalço... Boom! Socando o solo com a força de um bate-estaca... Boom! A cada golpe chegando mais perto... Foi então que avistei a arma de Garen caída a alguns arbustos e por um instante o tempo desacelerou. Tudo que precisava era uma bala, um tiro certeiro para sobreviver à hora da verdade. Sem vacilar, me joguei sobre o revólver e por pouco consegui agarrá-lo, um giro no corpo e eu tinha o Offenmund ao alcance da mira, bastava escorregar o dedo no gatilho para... Nada acontecer?

"Não..." puxei o gatilho de novo. "Não, porra! Não!" E o resultado continuava o mesmo. Assim que o desespero começava a me envolver no seu cruel abraço, um estampido seco se fez ouvir floresta adentro, mas como se aquilo não era obra minha? Do outro lado, o Offenmund parecia ter esquecido completamente de mim, ele permaneceu ali imóvel, fascinado pela visão do próprio sangue escorrendo entre seus dedos.

"Maldita coisa feia!"

Antes que pudesse respirar, Tanbert surgiu do nada e com ele, duas pistolas que cuspiam balas alucinadamente. Devo ter contado duas dúzias de disparos, dos quais pelo menos metade deve ter encontrado o Offenmund que só percebeu o que estava acontecendo quando já era tarde. Seriamente ferido, o monstro cambaleou devagar até encontrar apoio na árvore mais próxima. Posso estar errado, mas tive a impressão que Tanbert estava se divertindo ali, ele deixou as armas para trás e apanhou o maior pedregulho que encontrou. O que fez em seguida só pode ser descrito como brutal... O lânguido rosnado do Offenmund foi abafado pelo som da rocha se chocando contra seu crânio, vez após vez... até o monstro despencar sobre os joelhos com a cara parecendo um saco de tripas esmagado.

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