Capítulo Nove

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O travesseiro sob meus olhos estava húmido. O vento que adentrava no meu quarto era gélido o bastante para causar calafrios. Aqueles minutos que passei chorando se transformaram em uma eternidade. O rádio relógio marcava onze e vinte da noite, e quando levantei a cabeça senti uma dor aguda por trás dos olhos.

Eu não me lembrava de ter me sentido tão mal antes.

A última vez que chorei tanto fora há anos, quando um dos colegas do meu pai apareceu na escola no dia das mães pra me levar pra casa, e uma das minhas colegas perguntou pra ele de onde eu tinha nascido, se não tinha mãe.

O que eu havia dito ao meu pai era cruel e verdadeiro ao mesmo tempo. Eu queria uma família normal. Eu queria saber como era ter uma mãe. Só que quando aquilo deixou meus lábios, eu percebi o quão egoísta aquele desejo era. E o quanto ele atingia meu pai.

Eu queria descer lá embaixo e me desculpar, mas estava com raiva. Raiva do destino. Raiva de mim mesma.

Levantei em um pulo. Por um momento senti minha visão escurecer, mas depois tudo voltou ao normal. Rumei para o banheiro sentindo o chão frio sob meus pés. Tomei banho. Lavei bem o rosto e logo depois passei uma camada generosa de rímel, lápis e delineador. Depois engoli um analgésico. Ninguém na festa descobriria que eu havia chorado.

Vasculhei o closet à procura de uma roupa. Escolhi um vestido preto com renda cobrindo toda a malha. Nas costas, uma abertura em forma de V deixava minha pele à mostra. Seu cumprimento não passava da metade das coxas, e suas mangas iam até meus cotovelos.

Escolhi um salto alto e passei gloss. Deixei meus cabelos soltos e coloquei duas argolas nas orelhas.

Peguei o envelope ainda jogado na cama e o abri.

Rua ferroviária, Rio-Oeste N1407. Às 23:00 hrs. Aidan Gaulês.

Eu tinha ali tudo o que precisava saber.

Peguei um pouco das minhas economias e enfiei no decote, junto com o pequeno convite. Rasguei um pedaço de papel da minha agenda e escrevi ali:

Eu sinto muito. Deveria ter sido eu, não a mamãe.

Encaixei o bilhete na borda do espelho, o deixando o mais visível possível. Enfiei meu celular na gaveta do criado-mudo, e a tranquei.

Me aproximei da janela e a abri por completo, recebendo o vento frio da noite. Olhei para baixo e joguei meus sapatos. Eles caíram com um som abafado em meio às folhas secas, e eu respirei fundo antes de subir na janela.

Havia uma arvore ali, para a minha sorte. Seus galhos estavam húmidos por causa do orvalho da noite e se eu me esticasse o bastante talvez conseguisse agarrar um deles, que estava a alguns centímetros da minha cabeça. Fiquei na ponta dos pés e tentei pela primeira vez.

Tudo o que consegui foi arrancar a última folha amarela do ano. A observei cair lentamente para se juntar a todas as outras. Senti meu estomago embrulhar ao olhar para baixo. A janela devia estar a mais ou menos quatro metros do chão. Se eu caísse com certeza não sairia ilesa.

Varri todos aqueles pensamentos da minha cabeça e me concentrei no maldito galho. Fiquei na ponta dos pés e me impulsionei, soltando a janela de uma vez. Consegui. Meus pés balançaram no ar perigosamente e alguns fios de cabelo entraram em meu campo de visão. Olhei para cima e pude ver os nós dos meus dedos esbranquiçados. Reuni todas as minhas energias e escorreguei uma mão rapidamente para frente. Com uma mão atrás da outra consegui chegar até o tronco grosso da arvore. Apoiei meus pés em um galho mais abaixo. Era agora ou nunca.

Segurei o tronco e me sentei vagarosamente no galho. Senti um alivio enorme por descansar os músculos, mas não podia ficar sentada ali por muito tempo.

Doce Dezembro - Os Mascarados Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora