Capítulo Um

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Novembro, dez anos depois

O carro avançava por uma estrada estreita. À direita o oceano se estendia, suas ondas rugindo ao fim de um abismo. À esquerda, campos verdes e vastos subiam as colinas onde algumas vacas ainda pastavam apesar da chuva forte. Nos limites das linhas do horizonte, cata-ventos giravam freneticamente sob o céu chumbo-tempestuoso.

Contudo, eu não estava realmente prestando atenção na vista; aberto sobre meu colo havia um jornal novinho em folha. Páginas repletas de fotos e notícias diversas. Naquele momento, eu encarava uma matéria em específico.

- Já ouviu falar que algumas pessoas reagem à dor e ao medo gargalhando? – mordi o lábio.

- Não me lembro de ouvir você gargalhar na Casa do Horror – respondeu meu pai, concentrado na direção.

- Quero dizer, não é exatamente engraçado – ignorei seu comentário – um pai trazer sua filha pra um lugar assim. Mas eu, de verdade, sinto vontade de rir da situação.

- Ally...

- Não, não. Ouça só: "Três homens mascarados invadiram um bar e dispararam contra fregueses e funcionários, deixando dois mortos e seis feridos nesta terça-feira (01) na cidade de Grace, Estado do Oceano. A polícia foi acionada e houve corre-corre. Os homens fugiram e não foram identificados. Especialistas do Departamento de Polícia do Estado do Oceano descartam o terrorismo doméstico e apontam semelhanças com um crime ocorrido na mesma cidade, dez anos trás. Estratégias para combater o crime organizado estão sendo formuladas".

O olhei de esguelha, para ver sua boca se tornar uma linha fina.

- Estamos nos mudando pro fim do mundo, onde psicopatas mascarados mataram pessoas e estão soltos! Já podemos cair na gargalhada?

Meu pai era policial e estávamos voltando para Grace, cidade que havíamos deixando quando minha mãe fora morta em um ataque que se parecia muito com o da notícia.

Duas noites atrás o xerife da cidade, Charles Lorence, ligou e o convidou para ser o chefe da investigação. Após uma breve conversa, meu pai acabou cedendo meses da nossa vida por aquele caso.

- Não vamos ficar por muito tempo – disse ele, por fim.

- Só tempo suficiente pra sofrer um atentado – não consegui evitar a euforia nervosa que se instalava em mim a cada novo quilômetro percorrido.

- Ally, estou aqui pra tentar resolver um crime que já aconteceu, e há uma equipe trabalhando na segurança do estado, como você mesma leu. Sei que está nervosa por não conhecer ninguém, mas todos aqui são muito simpáticos e acolhedores.

Caipiras simpáticos e acolhedores, ele queria dizer.

A chuva tamborilava no teto do carro com ferocidade. O aquecedor do Tahoe estava ligado no máximo, mas o frio insistia. Eu estava prestes a soltar outro comentário rude sobre Grace, quando o carro deu um solavanco e meu corpo foi jogado para frente e para trás. Houve uma tentativa de sairmos do lugar e as rodas fizeram barulho enquanto jogavam lama para trás. O carro não se moveu.

Após um breve momento escutando os pingos de chuva bater contra a lataria do carro, meu pai deu a sentença:

- Atolamos.

Soltei um riso nervoso com uma pitada de sarcasmo.

- Vou ver o estrago – ele disse, e o observei retirar o cinto e sumir porta afora.

Precisei esperar mais alguns segundos antes dele aparecer ao meu lado e abrir levemente a porta, deixando que algumas gotas de chuva adentrassem.

- Não vamos a lugar algum por um bom tempo.

Doce Dezembro - Os Mascarados Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora