Capítulo 5: Gentileza Suspeita

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    Logo os três bêbados foram levados por tiras, que se multiplicaram quando mais saíram do edifício para os levar

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    Logo os três bêbados foram levados por tiras, que se multiplicaram quando mais saíram do edifício para os levar. Seis ao total, os encaminhando para sua prisão. Mas pelo quê? O governo não se preocupa com a população de Mentele. Os habitantes de Hearthstone poderiam se digladiar em praça pública, mas duvido que ligassem. Se preocupam mais com o roubo de uma cabra do vizinho do que com uma tentativa de homicídio.

    Quando os tiras e os homens embriagados já estão fora de nosso campo de visão, o delegado Branch posiciona-se a minha frente e sou obrigada a curvar a cabeça para encarar sua face. Ele olha-me de cima a baixo, examinando meu vestido, anteriormente cinza, mas agora amarronzado por conta da lama.

    – Senhorita Rotta, não é? – Balanço a cabeça positivamente, mesmo sabendo que trata-se de uma pergunta retórica. Após isso, ele me elogia, dizendo que admira minha coragem e o modo como enfrentei três homens bem maiores que eu para defender uma égua. Ou como fui pra cima do Velho Root para defender Quake.

    – Acho que tenho um vestido limpo de uma das funcionárias para você. – Ele comenta, pegando em minha mão. Instintivamente, a movo, me desprendendo de seu toque e sorrio fraca e nervosamente.

    – Não precisa. – Olho de relance para Quake, que acaricia o pelo de Wound, que rincha para ele.

    Por que salvastes-nos? É o que quero perguntar, mas mantenho-me calada. Ele, sem precisar que eu fale mais alguma coisa, inicia:

    – Vim me desculpar mais formalmente pelo mal entendido. E já que veio até aqui por conta de um desentendimento, vim lhe oferecer uma carona para casa na carruagem da sede. – Ele sugere e eu nego com a cabeça.

    – Não precisa, nós temos a Wound. – Sorrio novamente, da mesma maneira de antes. Ele me diz que a égua está muito machucada e não aguentaria muito tempo aguentando a mim e a Quake, já que o caminho é longo.

    – E também podemos introduzí-la no meio dos cavalos da carruagem. Assim a viagem será mais rápida. – Ele sorri gentilmente e sinto um calafrio percorrer por minha pele. Este homem me dá arrepios, mesmo sendo tão bom e educado comigo. Me é suspeito.

    Após mais alguma conversa, troco meu vestido dentro do edifício. É um azul marinho como o da moça ruiva da recepção. Acaricio o tecido e suspiro, olhando meu reflexo no espelho. Estou arrasada. Resquícios de sangue seco ainda se vêem em meus lábios. Tenho um hematoma no antebraço, que fica à mostra por conta da manga curta do vestido e marcas roxas ao redor do pescoço, que está dolorido, mas procuro evitar pensar nisso. Se eu ignorar estas marcas, me esquecerei da dor. Pelo menos espero que sim.

    Meus cabelos castanhos estão uma confusão. Embaraçados como nunca e com alguns vestígios de lama seca. Entrelaço meus dedos entre eles e retiro o que posso, puxando-os. Me encaminho para fora da sala que usei para me trocar e me dirijo a Quake, que tem os braços cruzados sobre o peito. O levo para um lugar mais reservado, afastando-o das pessoas e do delegado, que conversa descontraidamente com uma das funcionárias.

    – Por quê diabos foi roubar aquela cabra, hein? – Falo tão baixo como um sussurro, mesmo sabendo que não há ninguém perto o suficiente para me ouvir.

    – O Grunt faz isso tão bem. Eu achei que conseguiria. – Ele fita o chão, com arrependimento estampado em seu rosto.

    – Estávamos bem, Quake. Não precisavas correr este risco. – Falo, suspirando por fim. – Estávamos comendo quando você...

    – Comendo o quê?! Tomates? – Ele aumenta o tom de voz e eu lanço-lhe um olhar de reprovação, enrijecendo os músculos do rosto. – Quer saber por que eu roubei a Tulip? – Deduzo que este seja o nome da cabra.

    Balanço a cabeça negativamente e ele continua:

    – Por causa da Ratch! Ela estava morrendo de fome! Ela está magra como uma tábua de madeira! Grunt também! Até mesmo você, Rotta! – Ele grita, fazendo-me refletir. Tudo o que Quake falou é verdade. Os ossos das clavículas de Ratch já estão demasiadamente proeminentes, assim como as costelas de Grunt. Solto outro longo suspiro. Ele está certo, e odeio admití-lo.

    Abaixo a cabeça, agora eu fito o chão. Quero agradecê-lo pela elevada preocupação conosco. Por poder contar com ele, por ele ter amadurecido tão cedo. Mas tudo o que faço é correr para fora da sede quando o delegado sai e chama-nos. Wound já está presa à sela da carruagem ao meio de dois cavalos negros, demasiadamente maiores que ela. Um tipo de pomada, um unguento transparente está sobre a ferida no lombo e sorrio ao ver que ela foi bem tratada.

    Subimos na carruagem e ficamos em silêncio por aproximadamente dez minutos até que quando chegamos perto da Vila do Solo, o delegado tenta iniciar uma conversa:

    – Esta éguazinha é tão bem tratada. Como a conseguiram, Rotta?

    – É de um fazendeiro da Aldeia da Grama. – Respondo tentando forçar um sorriso, que mais parece uma careta e ele ri, achando graça.

    Ele pergunta descontraidamente se eu a roubei e todos rimos forçadamente para não deixar um clima desconfortável no ar. Todo caminho a seguir é em silêncio. Olho para Quake uma vez ou outra e aperto sua mão, transmitindo-lhe conforto e me achego a ele. Quando chegamos ao centro da Vila do Solo, a divisão entre as Aldeias, há uma multidão em volta do poço. Aproximadamente cento e setenta cabeças. O delegado Branch franze o cenho e todos saímos da carruagem às pressas.

    No local já se encontram alguns tiras, controlando a multidão e os que vieram conosco os ajudam. Tento abrir caminho na multidão e vou me aproximando do poço. Quando chego à frente de todos, sinto meu coração se apertar. Todos nós morreremos em questão de dias.

    O poço secou.
   

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