Capítulo 6: Poço Estéril

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    Como que lendo meus pensamentos, um homem grita que todos vamos morrer e todos se revoltam, se agitando e apertando uns aos outros

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    Como que lendo meus pensamentos, um homem grita que todos vamos morrer e todos se revoltam, se agitando e apertando uns aos outros. Sou jogada para trás por dois homens que entram em minha frente e caio com as mãos apoiadas no chão. Olho para o lado e entre as pernas de alguém vejo um idoso caído. O que mais choca-me é o que se sucede. Um cassetete preto bate em sua cabeça, fazendo sangue respingar em meu rosto e arregalo os olhos. Haviam acabado de o matar.

    Tento me levantar, apoiando-me em um homem que reconheço como sendo o senhor Mud, vendedor da feira da aldeia da Lama e alguém o empurra, o fazendo bater com a cabeça no material de pedra do poço e cair dentro do mesmo. Grito o mais alto possível tentando correr para o mais longe possível daquela confusão. Corpos se chocando e tiras matando as pessoas. Caio no chão novamente, dessa vez de bruços e vejo um tira se aproximar com um cassetete em mãos.

    Sinto uma lágrima fazer uma trilha de minha pálpebra inferior até minha bochecha e reflito rapidamente. Todos aqui, os não-merecedores, vivemos vidas miseráveis. Anos de fome, de sujeira e necessidade. Não é justo vivermos assim. Muito menos morrermos dessa maneira. Seja por desidratação por conta da ausência do poço ou por pancadas na cabeça fornecidas pelos supostos apaziguadores. Ele ergue o cassetete e uma figura baixinha aparece à sua frente, o ordenando que pare. O delegado Branch então me estende a mão e levanto com sua ajuda, o seguindo por entre as pessoas.

    Olho para os lados à procura de meus familiares e não os encontro de vista. Somente quatro tiras que cercam a mim e ao delegado, nos protegendo. Seguimos correndo para dentro de uma das choupanas e um dos tiras fecha a porta de madeira roída atrás de si. Ainda estou perplexa e ofegante. Não consigo controlar as lágrimas, que descem com facilidade e rapidez. Não me preocupo em sequer limpá-las e sinto meu nariz escorrer, sugando a coriza em seguida, e enfim, minhas retinas conseguem focalizar a imagem de Quake à minha frente gritando algo.

    "Rotta! Rotta!" É o que ouço, por fim. Pisco várias vezes olhando por cima de seu ombro e encontrando Ratch e Grunt sentados no sofá duro e sujo enquanto Quake ainda fala alguma coisa que não entendo. Corro para dar um abraço em meus dois irmãos mais novos, que retribuem carinhosamente. Acaricio as costas de ambos enquanto agora também o delegado fala algo. Ele puxa meu braço, obrigando-me a o encarar.

    – Rotta! O poço secou! – Quake fala atrás dele.

    – E-eu sei, eu vi... – Não concluo a frase. Me sento no braço do sofá duro e lembro-me. – Onde está Lady Stalk? – Pergunto, levantando-me.

    – Rotta... – Grunt hesita.

    Corro o mais rápido possível para fora da choupana e ouço chamarem por mim novamente. Olho de relance para o poço de longe e vejo que agora alguns moradores portam tochas acesas. Sinto minhas forças se esvairem aos poucos, mas continuo a correr sem me importar com nada. Já estou na Aldeia da Grama e olho para trás, conferindo se alguém me segue. Para minha surpresa, ninguém. Passo pela choupana de Lady Stalk, onde não há ninguém e vejo fumaça cinza subir de trás de sua casa.

    Isso incentiva-me a correr mais rápido e vejo algumas choupanas em chamas. Uma delas é a que eu e meus irmãos moramos. Sinto mais lágrimas caírem e a adentro, me desviando das chamas. Lá está Lady Stalk, caída de bruços com um furo sangrento na nuca, que faz escorrer sangue por dentro de seu vestido. Grito novamente, chorando desesperadamente mais. Por um instante me sinto culpada, pois se ela não estivesse aqui cuidando de meus irmãos, talvez tivesse sobrevivido.

    Vejo o fogo consumir seu corpo e saio correndo da casa, vendo alguns moradores correndo com tochas e tiras atrás dos mesmos. Seco minhas lágrimas que insistem em cair e volto para a choupana onde o delegado e minha família estão. Desolada, me encaminho até Quake, que me abraça. Pergunto-me como o poço secou. Era suposto Copehoros enviar água por um túnel subterrâneo que enchia-o, já que não tem chovido há alguns anos. Para falar a verdade, a última vez que senti as gotas da chuva foi quando tinha doze. Agora tenho dezesseis e sequer me lembro da sensação.

    Agora me apercebo do que está acontecendo. Isto foi o que causou a revolta nos moradores da Vila do Solo. Atacar os tiras foi um modo que encontraram de atacar Copehoros, eu suponho. Algumas horas se passam e os revoltados que restaram vivos são contidos. Estão em total desvantagem, já que os tiras possuem armas de fogo. Olho pela janela de vidro sujo as famílias desoladas se encaminharem para suas casas. Esta mesmo, era de um casal que foi morto ao descobrirem que o poço havia secado e começarem o combate contra os tiras.

    O delegado se aproxima, pousando sua mão em meu ombro rígido e sorrindo. Como ele consegue sorrir? Um asco me invade e desvio meu ombro, o encarando fatalmente.

    – Agora está tudo bem. Os ataques dos rebeldes acabaram.

    – O que disse?! – Começo a gritar com ele. – Disse que está tudo bem?! – O empurro, fazendo-o bater com as costas na porta e pouco me importo se ele é um delegado ou a porcaria que for. Estou consumida pela raiva. – O poço secou, delegado Branch! Iremos morrer em alguns dias se tivermos sorte! O poço nunca secou antes! Acha que vai voltar a fornecer água? Não! E você diz que está tudo bem?! – Descarrego toda a minha raiva nas palavras sem pensar nas consequências e já sinto a rouquidão invadir minha garganta por conta da gritaria.

    Ele está sem reação. Só enrijece os músculos do rosto como eu fizera com Quake mais cedo. Os tiras também ficam quietos, talvez esperando alguma ordem do anãozinho. Neste momento me sinto tão poderosa que um sorriso maligno é desenhado em meu rosto, enquanto lágrimas continuam a rolar. De empoderamento a tristeza novamente. Que tipo de ser humano sou eu? Grito o mais alto possível, atirando meus punhos na janela e quebrando o vidro, consequentemente cortando minhas mãos.

    Quake, Grunt e Ratch estão aterrorizados. Nunca me viram assim senão para defendê-los. Ponho as mãos machucadas no rosto e franzo as sobrancelhas por conta da dor. Meus olhos estão fechados e não preciso abrí-los para saber que o delegado e seus tiras se retiraram da choupana.

    O que iremos fazer? É o que penso a cada minuto que passa enquanto o sangue escorre por meu rosto.

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