Capítulo 2: Vestido Enlameado

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    Sinto um nível elevado de adrenalina me atingir

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    Sinto um nível elevado de adrenalina me atingir. Meus punhos se cerram automaticamente e meus passos são firmes em direção ao agressor de meu irmão. Ao me aproximar, de forma tão rápida que sequer chego a pensar nas consequências, vejo a marca que o estalo criou na bochecha esquerda de Quake, o que faz minha raiva se multiplicar. Um grito estridente sai de minha boca e avanço no velho, penetrando seu pescoço com minhas unhas.

    Ele rosna algum insulto e segura em minha cintura antes de cairmos na lama. Meu vestido cinza agora está sujo, mas sequer me importo com isso. Começamos a rolar na sujeira enquanto grito histérica. Seu punho se choca com meu peito, o socando e tusso, fazendo respingar sangue em seu rosto. Abro a boca e meus dentes atingem seu ombro. Intensifico a mordida, arrancando um pedaço de sua carne sem qualquer hesitação.

    Talvez soubesse que Quake ficaria parado. Mas mesmo assim ver seu corpo ali, imóvel, me magoou. Afinal, estava ali o defendendo. Possivelmente estava em estado de choque. Ouço um resmungo repleto de dor escapar do velho Root enquanto suas mãos seguram meu pescoço. Ele grita, furioso, e tenho uma visão privilegiada dos poucos dentes que lhe restam. Espalmo minhas mãos em seu peito, tentando me erguer e desprender-me de seu toque, mas é inútil.

    Sinto meus pulmões se esvaziarem enquanto ele me enforca. Meus dedos se encolhem, apertando o tecido de sua camisa xadrez. Suas mãos se movem, jogando-me para cima da lama abruptamente e sinto o velho montar encima de mim. Agora minhas mãos repousam em seus antebraços, deslizando sobre seus pulsos. O encaro com ódio em meus olhos antes de fechá-los. Minhas pernas sambando sob seu corpo e todo o meu tremendo.

    Só agora me dou por mim. Com certeza ele é o dono da cabra e Quake com certeza a roubou para podermos aproveitar seu leite por algum tempo. Lembro-me do dia em que conheci o velho Root. Com seu rebanho de cabras, andando perto da parede cristalina da cúpula. A cúpula que sempre esteve ali. Desde o meu nascimento. Lembro-me da história de Mentele que me ensinaram na escola. Pergunto-me até hoje se o que me disseram é verdade. Incrível como essa dúvida veio a minha mente com todos estes pensamentos em um minuto de sufocamento.

    Aconteceu no século XXII. Todos viviam suas vidas hipócritas e nojentas. Haviam cinco continentes na época, até que um vírus se espalhou sobre o planeta. O que o vírus não executou, foi executado pelos terremotos, tsunamis e tempestades, matando setenta e oito por cento da população mundial e destruindo três dos continentes. O que houve com os vinte e dois por cento restantes? Foram escalados, testados, escolhidos minuciosamente pelo governo superior restante da América. E então, foram divididos.

    Divididos em dois. Os merecedores, e os não-merecedores. Me pergunto até hoje se cabe a eles decidir quem é merecedor ou não. Após anos de trabalho dois novos países foram fundados. Mentele, meu país de origem, um país subdesenvolvido, cheio de miséria, fome e podridão. Um país que foi dividido em quatro estados. Hearthstone, onde nasci, Fireflame, Airwind e Waterice.

    Mas a paz demoraria a se estabelecer. As mortes continuaram. A América do Sul estava cercada por florestas cheias de animais modificados, feras geradas pelo vírus, que tinham um único objetivo. Matar. Eram sedentos por sangue. Dos mais horripilantes como misturas de gambá e tartaruga com cinco olhos, aos mais perigosos, como as misturas de leão e rinoceronte. Então, o governo decidiu cobrir o país com uma cúpula. Uma barreira cristalina indestrutível e com alguns pequenos furos superiores para a entrada de ar e chuva, que existe até hoje.

    Do outro lado do continente, está Copehoros, dividido em doze estados. Os doze signos astrológicos do zodíaco. O país cheio de fartura, luxo, riqueza e abundância. O país dos bem de vida. O país dos merecedores. A sede do governo. O provedor de Mentele, apesar de compartilhar muito pouco. Sei bem que lá eles tem comida o suficiente para matar a fome de todos viventes aqui e até mesmo dos que vivessem na Oceania – único continente que restou além da América e encontra-se inabitável – se quisessem.

    Foi estipulado pelo governo que os não-merecedores e seus descendentes não podem ter sobrenome. Então minha mãe e meu pai chamavam-se apenas Elle e Chris. Eu me chamo apenas Rotta. Meus irmãos chamam-se apenas Quake, Grunt e Ratch. Somente. Hearthstone foi dividida em três vilas. Vila do Solo, Vila da Pedra e Vila da Areia. Moramos na vila do Solo, dividida em duas aldeias. Da Grama e da Lama. Temos poucos recursos, mas o principal deles é o poço de água no centro da vila. Sem ele, estaríamos todos mortos. Como estarei em breve se ninguém intervir agora.

    Minha visão fica turva. Já não enxergo mais o rosto de meu agressor. Até que meus olhos se fecham e sinto seu corpo ser jogado abruptamente para o lado. Abro meus olhos novamente e a imagem de Quake com uma pedra banhada a sangue na mão começa a se focalizar lentamente. Me viro, com meu braço direito sustentando todo meu corpo e vejo o velho Root inconsciente com um galo sangrento na têmpora. Pisco os olhos várias vezes até que a última imagem que vejo antes de sentir minha mente se esvair é Quake sendo levado por dois homens caracterizados com armaduras azuis marinho, capacetes e sapatos pretos.

    Esta é a caracterização dos tiras de Hearthstone.

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