Grito alto, sentindo meu corpo dormente. Passo a mão em meu pescoço, retirando o ferrão e minhas pernas bambas ficam inutilizáveis. Caio no chão, sobre folhas molhadas e macias. Movo minhas mãos sobre o chão, agoniada. Minha visão fica turva e perco a consciência. Acordo dentro de uma caverna. Estou confusa, tudo está um pouco escuro, mas consigo ver a chama de uma tocha que está presa à uma rocha a poucos metros de um córrego. Sorrio, me levantando e corro até a água, ajoelhando-me. Não tenho mais ferimentos, meu tornozelo, anteriormente torcido, agora está em perfeitas condições.
Passo a mão pelo líquido, erguendo a cabeça e fechando os olhos. Colho um pouco de água e ingiro, molhando a garganta seca e sorrio ao matar a sede. Tiro as poucas partes da armadura que sobraram coladas a meu corpo e me dispo. Tiro o uniforme sujo de paciente hospitalar, que visto há incontáveis dias e entro no córrego, que só vai até meus joelhos. Deito-me no espaço pequeno, mas refrescante e me apoio nas rochas ingrímes. Fecho os olhos, meu corpo sobre a água fria. Mas num instante me sento. Fico especulando, tentando achar uma explicação. Como vim parar aqui? Estava em uma clareira, colhendo plantas medicinais. Então fui picada por um besouro.
Caí inconsciente. E de repente vim parar em uma caverna escura. Começo a tremer, abraçando meus joelhos. Me levanto, um pouco envergonhada por achar que talvez alguém esteja me observando. Algo ou alguém trouxe-me aqui e tenho medo do que seja. Examino minha situação. Quando atravessei a cúpula, não morri por conta da radiação. Talvez hajam pessoas aqui. Se escondendo do país, do governo. Vivendo em base de frutas, plantas comestíveis, caçando animais não modificados. Me visto rapidamente com o uniforme e percebo que meu cinto sumiu. Não tenho mais minha espada ou as plantas que havia colhido.
Ouço o som de passos, vindo em minha direção. Me viro rapidamente, tremendo, não pelo frio, mas pelo medo. Meus dentes batem e tateio uma rocha, talvez à procura de uma pedra que se desprenda e que eu possa usar como defesa para o que quer que esteja se aproximando. Fecho os olhos e encontro-me rezando. O rosto de Ratch passa por minha mente, logo o de Grunt e Quake. Balanço a cabeça, encarando a escuridão. De repente as luzes se acendem. Não entendo, estou em um cenário completamente distinto. Sentada novamente, em uma maca. À minha frente está uma mulher, rabo de cavalo louro e uma máscara descartável azul bebê cobrindo a boca.
Ela se aproxima com uma paleta de ferro e abre minha boca. Esbugalho os olhos e seguro sua mão. "O que você está fazendo?" Quero perguntar, mas não consigo. Estou muda, minha mão segurando seu pulso com firmeza e ela franze o cenho para mim. Olho em volta, estou em outro quarto de hospital, este maior. As paredes de gesso são pintadas de azul claro e na porta há dois homens caracterizados com roupas da mesma cor, também com máscaras descartáveis, mãos atrás das costas em prontidão. Ela faz um sinal para eles, que se aproximam e seguram-me pelos braços. Quero gritar, mas nada sai de minha boca. Me debato, inutilmente e a mulher – doutora teoricamente –, introduz a paleta em minha boca, espetando a carne de minha bochecha.
Sangue escorre até meus dentes e língua, e começo a agonizar. Chuto o tórax da doutora, que se contrai e ouço o barulho de besouros. Olho em volta, vendo os médicos a segurarem-me. Começo a me debater, até que minha visão fica turva novamente. Empurro-os e eles viram meras abelhas, que se multiplicam. Começo a tremer, enquanto a doutora se transforma em um grande zangão negro. Vou chegando para trás, até que não existe mais uma parede azulada atrás de meu corpo e sim uma abertura. Caio de uma grande altura, sem tocar no chão. Caindo, continuamente até que sinto o impacto sobre plantas molhadas. Tombo a cabeça para o lado, ficando inconsciente.
Acordo com o som de besouros, gritando. Tudo aquilo havia sido um estranho sonho. Tremo de medo, olhando a minha volta e encarando o enxame que me sobrevoa. Arregalo os olhos, movendo os braços e sinto uma pontada em meu pescoço. Toco-o, sentindo uma protuberância e vejo que o mesmo inchou com a picada. Os insetos vão se aproximando e levanto em um impulso, correndo o mais rápido possível para dentro da floresta. Ouço os zumbidos, sabendo que me perseguem. Esbarro em duas trepadeiras e caio, com um ferimento no ombro. Me levanto desajeitada e continuo a correr. Um ferrão me atinge nas costas e grito com a dor. Acabei de ser picada novamente. Não tenho mais forças para correr.
Me seguro em uma árvore de carvalho, caindo de joelhos no chão e viro-me, para encarar os insetos, provavelmente modificados pela radiação e sinto outra picada, dessa vez em minha têmpora esquerda. Todo meu rosto fica dormente e caio de bruços. Não faço ideia de como escapar do enxame. Seria ótimo se chovesse agora. Sinto que desmaiarei em poucos segundos. Começo a alucinar, sinto outra picada, em meu antebraço direito e já não consigo gritar. Aperto as folhas e se ganhar mais uma ferroada sinto que irei morrer. Claro, não que já não fosse morrer por desidratação, pois já sinto meu corpo enfraquecido por conta da falta de água. Não sei se é alucinação criada pelas picadas ou a morte chegando. Mas ouço o som de uma caichoeira. Posso sentir o cheiro do rio. Vejo um sapatinho rosa bebê caminhando sobre a folhagem. Olho para cima, vendo a luz cobrir seu rosto. Mas lhe reconheço por conta de seus cabelos dourados. "Ratch..." Sussurro, segurando sua canela.
"Não desista agora, Rotta. Você chegou até aqui. Sozinha. Não deixe que um enxame deta você." Ela me estende a mão e eu a seguro, de olhos fechados. Abro os olhos novamente. Tenho forças para continuar. Minhas pernas tremem e meu corpo dormente se ergue. Os besouros preparando-se para um próximo ataque. Corro tonta, sem enxergar a floresta nitidamente.
Mais um ferrão me perfura nas costas e pulo sobre a caichoeira a minha frente.
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Serpente de Fogo
AventuraEm um futuro distante, o governo se tornou milhares de vezes mais opressor, impondo normas brutais à sociedade que sobreviveu ao vírus matador que eliminou setenta e oito por cento da população mundial. Após a destruição da Europa, todos ali soubera...