O impacto com o chão é doloroso, mais para Wound, que se choca com a terra demasiadamente dura com força. Sinto-o e sou jogada para uma árvore a poucos metros. Sinto uma dor imensurável nas costas e gemo alto, caindo no chão de bruços. Continuo a gemer baixinho, por conta da suposta fratura na coluna. Olho para Wound, que geme junto a mim, jogada no chão. Olho para cima, examinando a abertura na cúpula e tento me levantar. Gemo mais alto, caindo no chão novamente. Pressiono meu quadril, franzindo as sobrancelhas e meus cabelos começam a voar.
Só aí que percebo. Deu certo, estou fora de Mentele. Atravessei a redoma que por anos me aprisionou. Olho para cima, ainda caída e abro os braços, sentindo as folhas secas e sorrio, ignorando a dor, que ameniza lentamente. O vento aumenta e ouço o som do aerodeslizador, saindo do país e a fenda se fechando. Me apoio no chão, sentando-me e rebolo, em uma tentativa de estalar os ossos danificados. Olho para a égua recostada à cúpula, que chora mais e mais, machucada. Consigo me levantar e sinto uma pontada no local dolorido. Ignoro e vou até Wound, acariciando-a e me culpando pelo que aconteceu a ela.
Estou aqui fora. O que era suposto acontecer nesse instante? Estou sozinha. Sozinha e ferida. Uma queimadura nas costas da coxa, antebraços e canelas cortadas, o rosto com diversas feridas e sangrando. Como farei para atravessar a América Central sozinha? Preciso de minha equipe. Agi por impulso, com medo da prisão. Agora estou ferrada, não há nada que possa fazer. Começo a chorar com Wound. Não há nenhuma ferida exposta, além de seu casco rachado, mas sei que o que sente é no interior. Me levanto trêmula e lembro das instruções de Sigh. Preciso encontrar água. Plantas medicinais.
Preciso ir atrás de um rio, lagoa e afins. Qualquer coisa que mate minha sede e a de Wound. Sinto uma ardência estranha na panturrilha direita e passo a mão por ela. Há um corte vertical, profundo e ensanguentado na mesma. Franzo as sobrancelhas, não tinha percebido por conta da dor mais grave nas costas. Aperto o cabo da espada que escorregou de meu coldre com a queda e concluo que foi sua lâmina que cortou minha carne. Suspiro fundo e manco em direção a uma árvore mais distante, até que olho para trás e vejo Wound, que parou de gemer, mas consigo ver sua agonia.
Penso nas feras inimagináveis que habitam aqui fora. Não a posso deixar ali, fraca e exposta. Manco de volta para perto da redoma e avisto uma bananeira. Sorrio e manco até ela, retirando uma grande e extensa folhagem, mancando de volta até Wound e a cobrindo com ela. Volto para a bananeira e arranco mais três folhagens largas, a escondendo por completo. É bom que eu saiba como voltar ao país caso não consiga ir muito longe. Manco novamente até a bananeira e olho para seu topo. Toco seu caule peculiar e uma gosma melequenta sai de suas listras abertas.
Enojada, fico batendo os dedos enquanto a meleca se estica entre eles. Sinto uma dor nos mesmos e presumo que sejam os ferimentos causados pelos espinhos das roseiras reclamando. Mas o que surpreende-me é o que vem a seguir. Não sinto mais nada. Os furos de espinhos desapareceram. Franzo o cenho e um sorriso desenha-se em meu rosto. Seria como um tipo de unguento talvez. Enfio os dedos nas aberturas do tronco e ensopo minha mão na gosma. Quando os tiro, hesito e fecho os olhos, suspirando. Viro minha coxa e passo o unguento no corte profundo. Grito alto com a ardência e me seguro no caule.
Logo quando tudo se ameniza, olho para o ferimento. A grande abertura profunda em carne viva, se transformou em uma pequena linha rosada vertical. Sorrio e passo os dedos delicadamente sobre ela. Solto um gritinho feliz e volto a colher gosma, passando no rosto e em outros ferimentos. Após toda a ardência provocada pelo unguento pegajoso, minha pele está limpa de feridas. Sorrio e ouço meu estômago roncar. Olho novamente para cima da bananeira e avisto uma banana amarelada, pendurada ao topo. Balanço o caule inúmeras vezes até que sinto a fruta cair. A agarro, com as mãos trêmulas e pego em seu cabo, a descascando e alimentando-me.
Olho de solslaio para Wound, coberta pelas folhas e manco até ela, passando o resto da banana por debaixo das folhas para que ela coma. Agora preciso encontrar água. Minha pele coça por conta da gosma que passei e preciso urgentemente de um banho. Olho para meu redor. A armadura que vestia está quebrada sobre as folhas que cobrem o chão. O capacete ajudou para que eu não ganhasse uma concussão na cabeça, mas se partiu com o impacto e está perto da árvore que me recebeu. Olho para Wound pela última vez e manco para longe dali. Tiro minha espada do coldre e seguro seu cabo fortemente, pronta para o que der e vier.
Lembro do ensinamento de Sigh sobre plantas comestíveis e medicinais. Memorizo as cores e aromas. Memorizo também a trilha que estou seguindo e como voltarei para perto da redoma. Chego até um amontoado de arbustos e os afasto para abrir passagem. Até que vejo o que há do outro lado. Uma clareira que parecia ter saído de um contos de fada. Vagalumes por toda a parte, apesar do sol já estar nascendo. Sorrio sentindo-os se aproximar e fecho os olhos. Caminho até um arbusto cheio de flores rochas com botões gordos, claros e molhados.
Sorrio ao constatar que aquela é uma planta medicinal e toco seu cabo esverdeado, o partindo e a prendo ao meu cabelo. Pego outras cinco e as prendo em meu cinto afivelado que possui um coldre. Sorrio ao me aproximar de outra e cheirar seu perfume. Uma espécie de inseto voador se aproxima de meu rosto, possivelmente para sugar o néctar da flor. Olho para ele, estendendo meu dedo para que pouse. Até que vejo suas cascas mel e seu ferrão pontudo à mostra.
Tal ferrão, que logo espeta meu pescoço e sinto uma dor insuportável, perdendo a voz para gritar.
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Serpente de Fogo
PertualanganEm um futuro distante, o governo se tornou milhares de vezes mais opressor, impondo normas brutais à sociedade que sobreviveu ao vírus matador que eliminou setenta e oito por cento da população mundial. Após a destruição da Europa, todos ali soubera...