Capitulo Quatorze: Sternchen. - "Pequena estrela."

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    Era uma manhã até que ensolarada de inverno em Berlin. O balanço do parquinho rangia a cada empurrão que a mãe da menina dava, e a risada da criança era contagiante. No céu, poucas nuvens perambulavam devagar e o sol brilhava lindamente, por isso eu olhava o máximo que podia. O sol e o céu eram uma de minhas maiores paixões, assim como as florestas.
    – Papai, por que não podemos olhar o sol sem machucar nossos olhos?– pergunto à meu pai, enquanto fazia um anjo na neve e ele me olhava, sentado e sorrindo ao meu lado.
    – Ah minha querida, deixa o papai te explicar uma coisa que você deve levar para sua vida – sorri, me levanto parando o que fazia e me sento em sua perna, encosto em seu peito quando ele se apóia nos braços e inclina seu corpo. – Bem, você ama o sol, na verdade, creio que todos nós o amamos, pois ele é essencial para nossa sobrevivência. Porém, geralmente, as coisas mais belas, que mais amamos e até mesmo, que são importantíssimas para nós, são as que mais nos machucam. Que mais nos causa dor, até mesmo tristeza.
    – Então eu devo odiá-lo? – digo o olhando com tristeza.
    – Jamais, minha querida. Jamais, pois nem sempre essas determinadas coisas têm o prazer em nos machucar, simplesmente nascem para ser assim, é algo involuntário. – ele faz carinho em meu rosto com o dorso da mão.
    – Você vai me deixar triste papai? – ele sorri com calma.
    – Jamais minha pequena, e, se por obra do destino, lhe causar algum mal, saiba que não terá sido minha intenção. Você é a coisa que mais amo nessa vida. – damos um beijinho de esquimó e ele começa um “ataque de cosquinha”, como ele chamava, até minha mãe aparecer.
    – Vejo que estão se divertindo bastante – sorri e se senta ao meu lado. – Bom, temos que ir. – ela olha o relógio e eu faço bico.
    –  Ah, mamãe, brinca com a gente. – ela sorri, me pega no colo e me gira no ar.
    – Como amo você minha Sternchen – “minha pequena estrela”, era como ela me chamava.
Δ
    –  MÃE! – digo num grito ao acordar, me sento na cama e uma dor lancinante toma conta do meu corpo, o que me faz voltar a deitar e olhar em volta, tentando decifrar onde eu estava.
–  Ei, ei, ei – ouço a voz, mas não vejo de onde vinha. – Vai com calma baixinha. – neste momento, vejo Henri entrando com uma bacia de água e curativo novos em mãos.
–  Henri? Onde estou? E o Anjo? O-o Victor? – ele se senta na beirada da cama ao meu lado. Eu tinha dificuldade de mexer meu rosto e ao levar a mão até a bochecha, sinto um grande curativo. Me lembro do corte que o Anjo havia feito e uma lagrima solitária cai. Meu corpo também estava enfaixado, praticamente por completo e eu não mexia minha perna esquerda, a dor ali era lancinante.
  – É, o corte ai foi feio... Mas fique calma, a gente está na casa da Rose, você chegou quase morta aqui. Nossa sorte é que um de nossos amigos, o Lyan, que no caso também é um Senhor do Tempo, é médico e nos ajudou. Não podíamos levá-la paro o hospital, não teríamos como explicar para os enfermeiros e tudo mais. – faz uma careta e eu rio fraco, mas logo a dor volta e eu paro de rir, dando lugar a alguns gemidos de dor.
    – Como eles estão? Onde estão? – me ajeito na cama de modo que fico um pouco sentada.
    – Eles foram levar Iris para a avó, ela ficou muito mal por ver você neste estado e queria cuidar de você, mas como estava apagada… – ele faz uma pausa – Perguntou se havia virado estrela.
    – Por quanto tempo eu dormi? – digo mais tensa.
    – Uma semana, apagada, a base de soro e transfusões de sangue. Tua sorte é que sou o mesmo tipo sanguíneo que você e quando as bolsas acabaram eu pude ajudar um pouco.
    – Obrigada, mesmo. – ele dá um sorriso de canto e pega a bacia com água, coloca ela no criado mudo que havia ao lado da cama e encharca um pano. – Pode ficar tranquila, a água esta morna. – nós rimos e ele pede licença para abaixar a coberta e trocar o curativo da perna, juntamente com os outros. Eu concordo com a cabeça olhando em seus olhos e ele começa, tirando as faixas com calma e cuidado, limpando os cortes, que por sinal eram muitos e colocando faixas novas.
    – Se arder me avisa, porque arde um pouco. – sorri de canto e tira as faixas da minha coxa esquerda, revelando 5 pontos largos. – Sabe, quando te vi naquele estado, digo, o estado que chegou aqui. Tive uma enorme vontade de chorar e matar a pessoa que fez isso com você. Na verdade quase fiz isso, a segunda opção, no caso, pois a primeira já estava fazendo antes de chegar. – ele dá um pequeno sorriso sem graça enquanto passa o pano mordo por cima do corte.
    – Você não fez nenhuma besteira, né? – digo e logo depois mordo o lábio inferior para conter o gemido de dor.
    – Rose me trouxe para a “realidade” e disse que você precisava de mim, que o fato de achar quem lhe causou isso, faríamos depois de sua recuperação. Então vim cuidar de você.
    – E o Victor? Tem noticias dele? – digo ao me lembrar que ele apanhou daqueles homens quando fui sequestrada.
    – Ele veio aqui algumas vezes, duas na verdade, está bem preocupado, mas Rose e Matt pediram para ele não se preocupar, para ele descansar. –  o sorriso de seu rosto some ao tocar no nome de Victor, mas ele faz de tudo para que eu não perceba, o que é em vão, eu o conheço muito bem.
    – Por que você não gosta dele? – o encaro e ele levanta um pouco o olhar sorrindo de canto.
    – Você acha que ele te ama de verdade? – ele me olha nos olhos em silêncio – Você mal o conhece, assim como ele mal conhece você Morgana e você tem a maior noção sobre isso, parece não ligar. Ignora quem realmente te conhece, quem realmente te ama. – então Rose aparece na porta do quarto.
    – Henri, pode deixar que eu cuido de Morgana daqui pra frente, agora que sabemos que ela está, relativamente, melhor, você já pode voltar para sua casa e descansar. E nem pense em me questionar, pois isso foi uma ordem. – Henri não discute com Rose, simplesmente me da um beijo na testa, sussurra “pense no que te disse” e sai dali, se despede de Rose, Matt e logo em seguida sai do apartamento.
    A semana seguinte se seguiu basicamente com, troca de curativos, tentativas minhas de andar sem sentir que a perna ia cair ou que minhas costelas iriam furar meu corpo, remédios e mais curativos. Henri me visitou todos os dias e a cada dez mensagens do Victor, seis eram perguntando como eu estava e quando voltaria para casa, quando ele não alegava que morreria se não me visse logo, algo muito fofo da parte dele.
Δ
    – Bom, vejamos como nossa paciente esta se recuperando. – o doutor Lyan me pergunta ao começar a me examinar.
    – Com essas cicatrizes, estou me recuperando como um monstro. – suspiro o olhando.
    – Você continua uma menina linda Morgana. – Rose retruca meu comentário. – Ela teve uma evolução muito grande, Lyan. – ela diz em pé ao lado da cama. – Ela, pelo que diz, não tem sentido tantas dores como antes, isso é bom, não?
    – Claro, isso é muito bom. Lógico que os remédios influenciam muito, mas o fato de ela alegar não sentir mais tantas dores, é muito bom. –  ele sorri e me olha. – Quer tentar andar? – Para localizá-los melhor e não acharem que o fato de eu não estar andando, o corte que o Anjo fez em minha coxa foi bem fundo, ele cravou toda a lamina da adaga em minha perna e outra coisa, a adaga é de ouro. Como já lhes disse, ouro é nossa fraqueza. Tira muito de nossa energia, o que nos deixa muito debilitados.
    – É o que mais quero Lyan, mas já está no tempo certo? – ele sorri, um belo sorriso na minha opinião, pois Lyan é um homem jovem. Voltando a história…
    – Claro que está, se ficar parada por muito tempo, a recuperação de sua perna será mais difícil, demorada e dolorosa. Creio que você não quer isso, certo?
    – Não, não quero. Preciso voltar a trabalhar e ainda tenho o caso dos assassinatos dos Senhores do Tempo. – todos me olham.
    – Você precisa ir com calma, Morgana, Rose me contou sobre o que pode ser o motivo dos assassinatos e depois do que aconteceu é o mais certo. – ele me repreende – Se Isaac está atrás de você, deve tomar muito cuidado, infelizmente ele tem muito poder na cidade. – suspira.
    – E quanto a seu trabalho, já conversei com Bennet e contei sobre o acontecido. Ele deu alguma desculpa para seus amigos de trabalho, disse que pode se recuperar tranquilamente. Ele só precisa de você semana que vem. – me lembro de ter que viajar.
    – Terei que ir para Berlin, buscar o Samuel. – um sorriso nasce em meu rosto.
    – Então vamos focar em sua recuperação, Morgana. – ele sorri e começamos com o tratamento, digamos que a fisioterapia.
Δ
    Mesmo sorrindo e demonstrando estar bem à todos, eu estava destruída por dentro. No primeiro dia em que me olhei no espelho, de corpo inteiro, foi chocante. As cicatrizes estavam por todos os lados. Mesmo que meu rosto tenha sido “poupado”, tendo apenas uma cicatriz, era a pior, tirando a da coxa. Era um grande risco sobressaltado em meu rosto, o que fazia destacar-se, uma marca de “guerra”. A levaria para o resto de minha vida, lembrança de tudo que passei. De tudo que agüentei...
    Eles fingiam não ver, não ligar e não se importar. Porém eu via a tristeza no olhar de cada um deles quando olhavam para mim. Tinham dó de mim, decorrente ao estado que me encontrava. E as cicatrizes deixavam isso mais a mostra. Mas eu sobreviveria, como sempre fiz e farei...
    Victor foi um dos que mais se espantou ao ver meu estado, tanto de aparência quanto de locomoção. Nos primeiros dias eu usava duas muleta e com o passar de uns dias, passei para uma. Lyan disse que minha recuperação estava sendo rápida, mais do que ele esperava. Dizia que isso era algo muito bom, porém devíamos tomar cuidado, minha perna, os músculos e fibras estavam fracos ainda, se eu forçasse muito, poderia ganhar alguma seqüela e nenhum de nós queria isso.
    Para vocês terem uma mínima noção de como era meu estado, além de minha grande “marca de guerra”, que me dava um ar sombrio de certa forma, eu possuía inúmeras cicatrizes por todo o meu corpo, algumas haviam sido mais profundas ou maiores que outras, os maiores focos eram o peito e as coxas, onde também havia uma puta cicatriz de, mais ou menos três dedos de comprimento.
    Quando voltei a delegacia, Dante e Kirk foram os primeiros a virem conversar comigo, alegando que tentaram achar alguma coisa sobre a pessoa que havia feito aquilo, mas que ela parecia um fantasma, não havia deixado nenhuma pista. Dante vendo meu estado até tentou me animar.
    – Não fica assim não, gatinha. Essas marquinhas te deixaram ainda mais sexy. – ele sorri e me abraça apertado. “Estou aqui para você, sou meio idiota, mas... você é minha amiga, é importante pra mim. Pode ter certeza de que eu e os outros não deixaremos isso passar em vão.”, ele sussurra em meu ouvido, ainda me abraçando.
    – Muito obrigada, Mané. – sussurro de volta e ele me solta, dando um beijo em minha testa.
    – Você ta linda e fodástica, Morganita! – Kirk ri e me abraça também. – Pó deixa que vou hackear todos os PCs do mundo atrás de alguma pista!
    – Obrigada, seu doido. – retribuo seu abraço e conversamos mais um pouco. Tio Ben já havia ido me visitar diversar vezes na casa de Rose e quando pisei na delegacia, foi um dos primeiros a me abraçar apertado.
    – Que bom que está viva, minha filha. – ele diz enquanto me abraça, sua voz era fraca e possuía medo. – Pensei que te perderia, assim como Iris e seu pai...
    – Pode deixar que eu sou dura na queda, tio. – sorrio para ele e vou conversar com outros amigos ali da delegacia, alguns curiosos e outros horrorizados, alegando que aquilo era uma maldade terrível.
    Láscio e Alicia, buscavam ter alguma pista vinda de dentro da própria Igreja, mas pelo que alegavam, aquilo tinha sido orquestrado secretamente por Isaac, sua filha Sophia e mais um Anjo que eles desconheciam. Eles estavam tendo muito trabalho, na verdade todos nós estavam.
    Todos estavam inquietos e não queriam de forma alguma deixar que aquilo passa-se “de boa”. Victor não me desgrudava, alegava que não me deixaria por um segundo se quer, para ter certeza que ninguém me faria mal novamente. Com o fim do expediente e a pequena festa que haviam feito para minha recuperação e volta, Victor me levou para casa, depois de muito conversar com Henri.
    Henri alegava que seria melhor que eu ficasse com Rose e Math, mas Victor dizia que eu precisava de minha casa e cama, que ele cuidaria de mim, não falharia novamente. Sua convicção era muito lindinha e eu até que gostava, mesmo sabendo que se algum Anjo tentasse mais alguma coisa, Victor não conseguiria fazer nada para me defender. 
    – Vem, vou te levar pra cama. – ele se levanta do sofá quando o filme que assistíamos acaba.
    – Que cavalheiro você, não? – sorrio para ele, que me pega no colo e me da um breve beijo.
    – Eu faço o que posso para ver minha baixinha bem. – coro e me seguro nele, ele caminha devagar até meu quarto e ao chegar lá, me deita na cama com cuidado. Eu já estava de pijama, então ele apena tira seu sapato e se deita ao meu lado. – Eu fiquei com medo.
    – Não foi só você. – o olho nos olhos. Ele estava deitado de barriga para cima e logo me puxa para perto, me fazendo deitar sobre seu peito.
    – Me senti um inútil por não poder fazer nada... – ele suspira, mas não parecia muito sincero.
    – Creio que naquele momento ninguém podia...
    – Bom, mas agora eu posso e estarei preparado para te proteger de qualquer coisa. – ele me beija, passando a mão por minha cintura e começando a percorrer meu corpo, me fazendo arrepiar e rir.
    – Ta virando meu Chapolin Colorado... – rio e ele se senta, me fazendo sentar também.
    – Sempre fui... – ele olha o relógio. – Você precisa de um banho, vem, vou te ajudar. – ele se levanta e estende a mão para mim, eu a pego e vamos para o banheiro.
    Ele liga a torneira e a banheira começa a encher, eu tiro minha roupa, ficando com calcinha e sutiã, ele tira a dele e fica de cueca, o que me faz olhá-lo. Bom... corpo ele tinha... Eu estava envergonhada, devido as minhas cicatrizes, mas naquele momento, ele se mostrava indiferente para elas, ele me via como a Morgana de antes e fazia com que eu me sentisse segura, apenas como olhar.
    – Que isso, seu moço? – eu rio e ele entra na banheira, se sentando de frente para a torneira.
    – Vem cá, não vou abusar de você não, só vou te ajudar no banho... – ele estende a mão para mim e eu sorrio, ando mancando levemente e entro na banheira, me sentando entre suas pernas e encostando em seu peito. Já havíamos transado antes, mas aquilo era diferente, mesmo tendo toda a sensualidade e desejo do momento, estávamos calmos, sentíamos a pele um do outro e apenas ficamos ali. Trocávamos alguns beijos e carinhos, mas não passava disso.
    Ele me fazia sentir segura em seus braços, me fazia querer morar ali para sempre. Eu ouvia seu coração levemente acelerado enquanto em me recostava sobre seu peito e aquilo me fazia sorrir, eu estava de olhos fechados assim como ele e naquele momento, ignorávamos tudo a nossa volta.
    Depois de um longo tempo, nós tomamos banho e saímos dali, ele já tinha algumas roupas em casa, mas fica de cueca e se deita comigo na cama, já eu, vestia uma de suas camisetas. Conversamos sobre coisas aleatórias e no fim, pegamos no sono.
    Devido a minha recuperação, que mesmo sendo rápida, levou praticamente um mês, adiamos a minha ida para Berlin por alguns dias, tio Ben queria se assegurar que seria seguro para mim ir para lá e Victor não queria desgrudar de mim por nada, queria até me impedir de ir para lá, mas isso ele não conoseguiria.

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